segunda-feira, 12 de outubro de 2015

HISTORIA UNIVERSAL DA INFAMIA


Séculos atrás, na África Portuguesa, havia um pequeno reino com várias aldeias conhecido pelos navegantes como Reino De Bartira;
nome de uma corsária que subjugou os pacíficos pescadores do local fundando um simulacro de dinastia nos modelos europeus e transformando o plácido estuário em um entreposto comercial. Ali comercializava-se especiarias do Oriente, escravos negros, madeira e frutos tropicais. Neto da corsária e de um nativo, o governante atual encontrava-se gravemente doente e a Companhia Das Índias, administradora do empório, temia a instabilidade que a sua morte causaria. Não havia herdeiros e o frêmito noturno dos tambores ressoavam em ritmos reivindicativos. Todas as doze tribos do reino reclamavam o trono e sem um monarca de sangue europeu a servidão voluntária extinguiria-se. 

Querendo evitar uma colonização dispendiosa e sangrenta os membros da companhia pensavam um meio de impor aos nativos um déspota comprometido com os seus interesses mercantis. Em breve um plano fantasioso veio à luz em uma longa tarde de conciliábulos. Os nativos possuíam uma religião caótica povoada por animais mitológicos e lendas fabulosas. Uma delas narrava a visita de pássaros sagrados externando em seu canto as mensagens dos deuses. Por acaso estava fundeado no porto uma caravela vinda das costas do Brasil com destino a Portugal trazendo exóticas mercadorias, entre elas, duzentos coloridos papagaios. O escrivão Mendes, funcionário da Companhia e homem de cultivada imaginação, submeteu o seu plano ao conselho e conseguiu a posse dos pássaros falantes. Em seus aposentos situado atrás do armazém, Mendes começou a adestrar os papagaios, receber enviados de todas as aldeias e manter-se informado sobre a recrudescente enfermidade do monarca. Não demorou muito tempo - o tempo, por feliz coincidência, de Mendes preparar as aves - e o monarca veio a falecer. Fora decretado três meses de luto e após esse prazo as tribos reunidas deveriam eleger o novo chefe. Mendes já havia insinuado a sua candidatura apresentando uma pretensa genealogia a confluir nas veias da corsária Bartira o seu sangue de vigarista. No silêncio de uma noite ele percorreu as aldeias dormentes e espalhou os papagaios adestrados. No dia seguinte as aves famosas começaram a gritar o enunciado ouvido todos os dias antes das refeições:

- Mendes, Rei de Bartira! Mendes, Rei de Bartira!

O alvoroço tomou conta de todos. Todos os nativos compreendiam a língua portuguesa e ajoelharam-se ao ouvirem as aves misteriosas repetindo aquilo que lhes soavam como a mensagem dos deuses. Por onde Mendes passava o povo o erguia nos ombros enchendo-o de honras e veneração. Às vezes, um papagaio guloso sobre um galho na praça lhe via passar e gritava:

- Mendes, Rei de Bartira! Mendes, Rei de Bartira! - E então a população ia ao delírio jogando Mendes para o alto aos gritos e “vivas”.

Os feiticeiros nada podiam contra a vontade dos nativos. Estavam, aliás, convencidos da permissão divina e decidiram coroar o escrivão o mais breve possível. Uma grande clareira no meio da floresta foi escolhida como local da celebração. Ali estavam reunidos, em uma ensolarada manhã de domingo, os homens da companhia com os seus florins e túnicas vermelhas; o missionário com a cruz de madeira, ostensórios e todos os ícones da sagrada igreja; nativos seminus com adereços feitos em espinhas de peixe ocupavam as bordas da clareira. Todos esperavam ansiosos a entrada triunfal do novo Rei. Mendes apareceu vestido como um grande Rei zulu com peles de crocodilo nos ombros, colares feitos com dentes de leopardo e um saiote de penas coloridas. Estava com a pele bastante escurecida por longos banhos de sol e não fossem os olhos de um verde traiçoeiro diria-se um autêntico africano guerreiro. Os tambores silenciaram-se quando ele se ergueu para ser coroado. Com a coroa na mão o feiticeiro mestre da cerimônia disse bem alto:

- Pela vontade dos deuses, Mendes será o novo Rei de Bartira. Se houve algum engano da nossa parte que os deuses piedosos nos envie algum sinal, caso contrário, a coroação será consumada.

Um longo silêncio pairou sobre todos. Quando a coroa ia cingir a fronte do aventureiro, dois papagaios começaram a voar em círculos sobre o altar e uma pequena singularidade distinguia estas duas aves de todas as outras do bando amestrado. Era um macho e uma fêmea. Quando Mendes começou o ardiloso adestramento eles estavam acasalando-se, entregues a carícias e mimos o dia inteiro. Não prestavam nenhuma atenção ao enunciado repetido durante a alimentação. Comiam no início quando o alimento era abundante e no final quando os outros estavam saciados preferindo sempre as carícias da paixão a ter que disputar a comida com os vorazes companheiros. Assim, só ouviam o início e o fim da frase repetida lentamente. Quando libertas sobre as aldeias, voaram longe a construir um ninho e agora estavam de volta. A multidão olhava encantada o casal de papagaios pousados em um galho sobre o altar. Famintos, os papagaios gritavam:

- MEN-TIRA! MEN-TIRA! - Primeira e últimas sílabas da frase "Mendes, Rei de Bartira", usada no estratagema sutil.

A população revoltou-se. Mendes fora apedrejado e somente a força das armas, em seis meses de batalhas hostis, puderam estabelecer a paz e o domínio dos portugueses no Reino de Bartira.

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