segunda-feira, 12 de outubro de 2015

PATO COM LARANJA!




Era outono de 1986. Com 23 anos, eu desembarcava no Rio de Janeiro para doze anos de aventuras inesquecíveis que não caberiam em nenhum livro.
Em um cinema de Copacabana, já decadente e todo em veludo vermelho, piso e poltronas, fui ver um belo filme de James Ivory, um cineasta inglês vigoroso e romântico. Uma Janela para o Amor, o nome do filme. Nele, uma linda garota contava, em um luminoso jardim, seus sonhos de revolucionária, seus projetos de se alistar no movimento operário feminino, discursar para as multidões e conquistar os direitos que todas as mulheres deveriam compartilhar em igualdade com os homens. Seu namorado a escuta atentamente. Então, após ela abrir seu coração, ele contra argumenta, segurando-a forte pelos braços, olhando em seus olhos e dizendo-lhe:                                              .
_ Você não foi feita para a política, para as multidões. Você foi feita para a intimidade, para o amor.. Você foi feita para mim! – E sapeca-lhe um beijo arrematado (e arrebatador aussi).
Eu fiquei bastante empolgado com essa cena e fico pensando como, cínico feito um verdureiro vigarista, usei por tantas vezes esse chaveco nas estudantes que conheci nos anos seguintes. Em quase todas, eu caprichava no beijo como se estivesse em um filme. Talvez, de fato, estivesse!



Recordando um picaresco verão no Rio de Janeiro no início dos anos noventa. Andava eu pelo centro da cidade em busca de um livro raro, vasculhando sebos, quando senti um “fomigerado” ronco nas vísceras. A fome inflexível e pontual. Havia gastado todo a minha grana nos livros e tinha aula logo mais. Não poderia, contudo, encontrar uma solução com a barriga vazia. Mais da metade dos nossos neurônios fazem parte do sistema nervoso entérico, envolvendo as células do sistema digestivo. É com eles que eu penso. Decidi então entrar em uma churrascaria, alimentar os neurônios para, então, pensar o que fazer. Entrei e comi como um frade. A solução não veio. Não tinha como escapar do forte segurança na porta recolhendo as comandas carimbadas pelo caixa. Algo estava errado. Decidi então pedi a sobremesa. Pudim! Há! Quantas soluções geniais em um pudim de coco com calda de caramelo! Mandei ver! Na minha frente estava sentado um grupo de três policiais militares. Tive um insight! Levantei-me e me dirigi a eles: 
                                            
_ Boa tarde, senhores! Desculpe interrompê-los. Tive um tio policial que foi um verdadeiro pai para mim e hoje, vendo vocês aqui enquanto almoçava, lembrei-me dele. Senti saudades e lamento que ele tenha partido tão cedo, sem que eu pudesse retribuir tudo que o fizera por mim...
                 .
Os soldados, talvez pela barriga cheia, pareciam comovidos. Continuei com minha fala mansa:
 
_ ...Se vocês me permitissem, em homenagem à corporação que é tão unida, gostaria de pagar o almoço de vocês, se vocês não se incomodarem, é claro!
_ ABSOLUTAMENTE! - Responderam. Um até parecia menos emocionado do que satisfeito pelo alívio no bolso. Apanhei as comandas dos três, apertei a mão do mais próximo, e me dirigi à saída no fim do longo salão. O Leão de chácara, sorrindo mil dentes caninos, me fitou e estendeu a mão com ar blasé à espera das comanda para conferir. Nada lhe dei, e disse-lhe:
_ Está vendo aqueles três policiais, senhor?

_ Sim!

_ Um deles é meu primo e vai pagar a minha conta! – Acenei para os três que, sem imaginar o que se passava de fato, e, acreditando que eu os identificava como meus convidados, responderam efusivos ao aceno, com gestos afirmativos do polegar. O Porteiro sorriu aquiescendo e me deixou passar. Mal tive tempo de dobrar a esquina da Carioca e entrar na Livraria Da Vinci para ouvir a sirene da viatura, provavelmente a minha procura! Meu júbilo só não fora maior por que havia esquecido os livros na mesa da churrascaria! Percebi que algo estava errado na receita do pudim. Mas consegui recuperar os livros. Conto isso no próximo episódio. Agüente um pedacinho só! É só o tempo de tomar um iogurte e volto.
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