sexta-feira, 21 de outubro de 2022

FOGO NO BACURAU!





Drª Gessy Carvalhal era uma bem sucedida médica dermatologista em Vitória da Conquista, no interior da Bahia.
Professora universitária e sempre lembrada na composição do secretariado por qualquer novo prefeito que fosse eleito, ela gozava de um renomado prestígio que, quanto maior ficava, mais era ameaçado pelo vício secreto que lhe corroía a alma. Drª Gessy era uma inveterada ninfomaníaca! Todo fim-de-semana, com a desculpa de ir ver sua filha que estudava em Salvador, ela embarcava em um avião às sextas-feiras e, nessa mesma noite, após encher os cornos de birinaitis e cravinho nos becos sórdidos do Pelourinho, se dirigia à uma sauna para cavalheiros em Ondina, um bairro de putas chiques, e ali, usando uma peruca vermelha e excessiva maquiagem, que a tornava irreconhecível por algum conterrâneo que por lá passasse, entregava-se a mais desbragada prostituição. Fingia tão bem que se prostituía por dinheiro e não por mania que era capaz de usar um bisturi, sempre dento da sua bolsa, se algum cliente tentasse lhe dar um calote. Mas não tentavam. Pagavam direitinho. A doutora era gostosa! Muito da gostosa! Faziam fila para comê-la no corredor discreto e aveludado da sauna. Quanto mais a fodiam, mais Gessy ficava insaciável. Quando os clientes acabavam, na madrugada de um sábado para domingo, ela saía desvairada em direção às boates da Rua Carlos Gomes, indo encontrar o dia – que nascia rubro de vergonha com sua devassidão - em algum puteiro de Coutos, onde caminhoneiros e estivadores solapavam suas carnes com grossas mãos e hálito escabroso de conhaque. 

Voltava para Conquista no domingo à noite, com o corpo todo dolorido e a alma torturada de remorsos. Era a própria imagem da depressão quem saltava no aeroporto jurando para si mesmo que essa tinha sido a última vez a que se entregava às loucuras da carne. Não era. Nunca foi. Durante os três anos em que fui seu psicanalista, e muito tempo antes, essa era a sua implacável rotina. Parecia uma santa durante a semana, mas, à medida que ia chegando a sexta-feira, sua mente começava a ferver com a ideia do que ela era capaz de fazer, e fatalmente o faria! Gessy Carvalhal abandonou o meu consultório quando percebeu que eu nunca iria curá-la da sua mania, pois, como todo psicanalista cretino, meu papel era fazer com que ela esquecesse essa culpa que a torturava e assumisse mesmo ser uma grandessíssima putana! Pensava eu que esse remorso medonho era outra forma de “jouissance”, de prazer por ela concedido ao superego que também queria gozar, invejoso da vagina ominosa e voraz a levar fumo madrugadas à dentro (bota à dentro nisso). Invaginem, ops, digo, imaginem então a minha surpresa quando soube, anos mais tarde, como ela se libertou desse remorso medonho com um estratagema tão insosso que repugnaria qualquer intelectual registrá-lo nos anais. Uma ocasião, após voltar de uma orgia com dois travestis e um taxista torcedor do Bahia, bêbada como um cotonete de pobre que todo mundo enfia no ouvido, Drª Gessy desmarcou as consultas e viajou para Itambé, onde havia sido criada, e lá passou o dia em companhia da sua antiga babá, Maria do Sossego. Ficava a remoer lembranças da sua infância como se buscasse, nela, a inocência que não volta nunca mais. Tomou coragem e contou para a sua idosa babá tudo o que ela fazia nessas viagens à Salvador. Ora, não sabia Gessy que, tão logo seus pais se mudaram e ela crescera, Maria do Sossego se entregou à prostituição (essa, por necessidade, e não por vício) e viveu duas décadas em cabarés e lupanares em beira de estrada por toda a região sudoeste. Era, portanto, uma expert! Gessy lhe contou que todo o seu sofrimento era o de terminar de trepar com um cliente e não encontrando nele um algo inexplicável que procurava (não pense que era o amor, românticos idiotas; era um “Nec plus ultra” de fumo que ela buscava!), ela ia enlouquecida atrás de outro, e outro, e outro... Até se deitar com o último e então dormir um pesado e mórbido sono sem sonhos. Quando acordava, além da ressaca da bebida, uma ressaca moral sinistra devorava sua alma, feito um anjo negro a cobrar-lhe o preço do pecado. 

_ Então, minha filhinha ta me dizendo que os problemas começam após se deitar com esse último? Depois dele é que vem a vergonha e as dores de cabeça? – Maria do Sossego perguntou-lhe pausadamente, pitando seu cachimbo de imburana.
_ Sim, Dinda! De certa forma, é assim mesmo! Depois que durmo com o último, é que vem a rebordosa!
_ Ora, minha filha! É simples você driblar isso. Nunca durma com o último! Durma com o penúltimo e depois vá dormir! Quando acordar, pule logo da sua cama, lave bem lavada sua xereca, e vá trepar com o último ( o primeiro que você achar), sem dar tempo a essa consciência invejosa de lhe torturar!
 
Resumo da ópera: Drª Gessy Carvalhal continua uma puta inclassificável (trabalha ali no centro médico da rua Otávio Santos, aqui em Vitória da Conquista). Viaja todo fim-de-semana para se esfalfar em Salvador e usa sempre desse perfunctório ardil para driblar sua consciência moral. Muito superficial esse recurso, me acusarão os leitores, mas não se esqueçam de que ela era dermatologista e, segundo Paul Valery, “o mais profundo é a pele”!

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