sábado, 14 de dezembro de 2019

A ROLETA DO AMOR ou Ecos de Satíricon


   


  
       Em pérfida homenagem ao homem que fugiu com sua primeira esposa, cujo nome só conhecemos pela alcunha de Tuxa, o traído Tenente Petrônio abriu um prostíbulo nas margens da rodovia que cortava nossa cidade, Itambé-Ba, sentido Itapetinga, e o batizou como O Anel de Tuxa (a que anel ele estaria se referindo, ninguém nunca fez ideia)! Para animar as noites do seu bordel e competir com tantos outros ao redor, Petrônio inventou um perverso e originalíssimo jogo erótico cuja fama logo se espalhou por toda a região. Sem a mesma originalidade, porém, o jogo logo fora batizado de Roleta do Amor e possuía as seguintes características: o cliente entrava para o quarto com uma prostituta e encontrava na cabeceira da cama um baralho contendo apenas três tipos de cartas repetidas, valete (com a palavra escrita em batom ORAL), dama (VAGINAL) e Rei (ANAL) que se referiam a três modalidades de sexo. O cliente escolhia uma carta sem ver o naipe e o entregava à prostituta que via de qual se tratava, colocava a carta no bolso do cliente sem que ele visse a variante selecionada e deitavam-se entregues aos folguedos de Vênus. Ele podia penetrar onde bem entendesse e a regra determinava que, aonde o varão viesse a gozar e ejacular, se o orgasmo do cliente ocorresse na via indicada pela carta escolhida, ele pagaria os serviços em dobro. Caso descobrisse o local sorteado, pelo comportamento assanhado da prostituta em provocar este orgasmo ali dentro, ele poderia penetrar em outro duto, ejacular em vias diferentes e ganhar o jogo, nada pagando pela noitada. Evidente que, em se tratando de mulheres profissionais, sabendo estas do lugar onde o orgasmo definiria o resultado do jogo, muito raramente uma delas era ludibriada. Impreterivelmente conseguiam fazer o cliente gozar dentro delas pela via marcada pela carta e, com o dinheiro dobrado pago pelo coitado, amealhavam uma considerável soma antes que a aurora raiasse, rubra de vergonha com a escabrosa aposta das madrugadas naquele perverso lupanar. A fama do dinheiro fácil atraiu prostitutas renomadas e viciados apostadores em um circulo virtuoso – na visão do seu proprietário Tenente Petrônio – de luxo e prosperidade. O Anel de Tuxa logo se transformou em uma casa requintada com mesas de bacará e palco iluminado onde grandes nomes da música brega ali se apresentavam. Tudo corria muito bem, embora um pequeno inconveniente começasse, aos poucos, a incomodar a propaganda do negócio, e esse inconveniente atendia pelo nome da Jorge Gitão. Garimpeiro e ex-caminhoneiro, duas profissões que correspondem a um mestrado lato e stricto senso de putaria e fudistério, Jotagê, como era conhecido, tão logo soube desta Roleta do Amor, coisa capaz de fundir os dois afetos que definia sua vida, o sexo e o jogo, em um único e simplificado agir, e a ele se entregou como uma virgem que se entregasse a um sublime e espiritual amor. Todo fim de semana, Jotagê virava as madrugadas no Anel de Tuxa, comendo quatro a cinco putas por noitada sem pagar um único centavo, pois que as despesas com bebidas também estavam incluídas e eram abatidas da conta do fuderasta vencedor. Por mais que as garotas se esforçassem em fazer com que Jorge Gitão gozasse no local que elas sabiam ser o indicado na carta sorteada, ele sempre conseguia segurar o orgasmo (nos disse depois que assim o fazia imaginando que no outro lado da porta havia uma tropa de policiais militares o esperando para lhe levar em cana, não sem antes descontarem no seu rabicho todo o lucro que ele auferia nos orifícios lubrificados daquele lupanar!), para, em seguida, procurar outra entrada e, uma vez lá dentro, seguro de que seria duplamente premiado com o gozo e a gratuidade, sapecar o iaiá da sua gala rala e acetinada de tanto ouro em pó que comera no passado, para roubar do dono do garimpo, expelindo-o depois ao defecar em uma peneira, mas isso é outra história. Vitorioso, Jotagê vestia sua roupa - deixando a piranha apaixonada e deprimida por conta do prejuízo que sempre era abatido dos dez por cento do faturamento que lhe era destinado – e saía para beber com os raros amigos que ainda estavam acordados depois do dia raiar ensolarado. Aí é que estava o problema, pois, Vaidoso e fanfarrão, Jotagê não descansava enquanto não contasse pra toda a parte da cidade que lhe dava ouvidos, suas proezas e sua sagacidade em adivinhar onde as piranhas queriam que ele gozasse:
_ Meu amigo! – Dizia ele com os bigodes brancos por espuma de encorpada cerveja – Quando a nêga começa a saracotear os quadris e rebolar na piroca, ou quando começa a fazer chupetilha com o bacurau, eu já sei que é ali a toca da onça, onde ela quer o mingau de painho pra avançar no meu salário (Jotagê falava como se fosse empregado de alguma multinacional, mas ninguém nunca havia visto sua carteira de trabalho); quando morde o pé da linguiça e vem raspando com os dentinhos até o bocal da chapeleta, aí eu já sei que a carta escolhida foi o valete. Tá pra nascer piranha que me vença na Roleta do Amor!
Mas Jorge Gitão estava enganado. Já havia nascido, sim, quem haveria de lhe vencer nessa batalha dos três buracos. Há precisamente quarenta anos que a sexóloga Gilda Melasso estava no mundo, correndo os bordéis e vivendo mil noites de putaria para, supostamente, escrever sua tese de mestrado em psicologia sobre Perversões Sexuais e cada dia mais apaixonada pela fase de pesquisas de campo, onde, a pretexto de buscar dados quantitativos e aplicar questionários, já estava quase sem mais nenhuma prega nos ofrofril. Fora justamente a ela que o Tenente Petrônio recorreu, através de um anúncio de jornal, quando soube que, por conta das bravatas de Jorge Gitão, algumas profissionais estavam pensando em desistir do jogo e muitos rapazes, estimulados pelas patranhas do mangangão, começando a ganhar uma ou outra rodada noite sim, noite não. Por telefone mesmo, sendo homem de pouca conversa, contou o Tenente Petrônio todos os escabrosos detalhes da sua atração putérica, e do prejuízo que esse rufião representava aos seus negócios. Gilda ficou toda excitada ao telefone. Era uma pesquisadora abnegada. E imediatamente combinou de visitar o bordel O Anel de Tuxa, para dar uma solução ao caso. No dia combinado, o tenente Petrônio, vestido com seu terno de gabardine listrado e seus sapatos cavalo-de-aço, a esperou na estação rodoviária de Itambé, rescendendo à colônia inglesa da Atkinson e barrunfo de charutos Suerdieck. Um vestido verde de longos e rasgados decotes, banhados pela sombra granulada de um longo chapéu de palha, lambia ao vento o corpo mirabolante da sexóloga que entrou no carro com olhos brilhantes de curiosidade contrastando com o ar blasé e entediado de quem já viu de tudo no universo das altas sacanagens sexuais. Hospedou-se no próprio bordel e não fez nenhuma questão de esconder sua presença no local. Chegou mesmo a pedir que o Tenente lhe apresentasse na cidade como uma nova piranha recém-chegada de Paris e que lhe conseguisse alguns clientes ricos fazendeiros, pois iria precisar de uma grana para mandar aos pobres pais que viviam em um asilo na cidade mineira de Governador Valadares. Enquanto faturava algumas orelhas de vaca (nome jocoso para as cédulas altas e brilhantes dos pecuaristas de Itambé-Ba) e comia e dormia por conta do seu novo patrão, Gilda Melasso tratava de estudar o jogo Roleta do Amor e a figura do rei do pedaço, o Jorge Gitão, o Jotagê da mala torta! Aos poucos, confabulando com o Tenente Petrônio, decidiram que deveriam provocar o Jotagê Duro na Queda para uma aposta vultuosíssima, capaz de quebrar o moral do sujeito, fazê-lo desaparecer do lugar e dar um novo alento às meninas do lupanar. Para fazer uma aposta assim era preciso que o Tenente Petrônio confiasse no poder da sua nova profissional, e esta confiança ele adquiriu ao ver a Gilda Melasso jogar cinco vezes a Roleta do Amor com cinco fazendeiros locais e ganhar de todos! Ele mesmo poderia ter jogado com ela, conforme ela sempre insistia desde que entrara no seu carro no dia da sua chegada, mas Petrônio era um homem traumatizado com o corno que levou de Tuxa e só comia nega ruim, no limite do estrupício e da aversão, geralmente com duas cachaças no juízo, para não se apaixonar por uma puta e isso lhe fazer esquecer-se da primeira (corno quando ama a traidora, homem nenhum saberia julgar a intensidade e a fidelidade deste amor, e somente você, leitor querido, corno velho e apaixonado, sabe avaliar minha inépcia de cronista). Convencido da competência da sexóloga bilíngue e glamorosa, Tenente Petrônio decidiu desafiar Jorge Gitão em uma mesa de bacará. Primeiro anunciou que sua nova atração internacional estava disponível para participar da Roleta do Amor com qualquer cliente e não mais com fazendeiros milionários. Um grito de hurra correu por todo o esfumaçado puteiro. Há dias que Gitão não pensava em outra coisa e fora logo se oferecendo para participar de uma sessão, o saco engrunhido e latejando de vontade de lavar o pincel, de derramar o suco de sua genitália nos buracos não sorteados da loira acetinada. Petrônio riu da sua audácia, disse que ela era uma profissional que já dormira com reis e ministros da Europa, subestimou sua arte de comedor de putas chinfrim do sertão baiano e outras patavinas que o desmoralizasse em público. Gitão mordeu a isca e apostou uma fortuna que ninguém imaginava ele possuir! Sua autoestima e confiança assustou o cafetão que quase desiste da aposta, mas a quantidade de testemunhas no local iria destruir sua reputação se assim o fizesse. Dinheiro, joias, arm... Um tesouro que ninguém saberia informar de onde saiu fora depositado sobre a mesa de bacará e Gitão, mais excitado do que agricultor após a chuva, subiu para o quarto arrastando pelo braço a loura lânguida que fingia não querer brincar, loucamente querendo. A vitrola no quarto tocava um bolero de Núbia Lafayette, Mata-me Depressa, e seu ritmo compassado e pungente ajudou a acalmar o facho dos dois pilantras semi-apaixonados da cintura pra baixo! Gilda abriu uma velha geladeira quebrada que servia de frigobar e apanhou uma garrafa de cinzano. Imperceptivelmente, abriu um minúsculo frasco que trazia escondido na alça da combinação e verteu duas gotas de um líquido acetinado sobre o fundo de um copo, logo preenchendo este com uma dose generosa do tosco vermute e o servindo ao rufião.  Antes de se despir, foram logo apanhando o baralho sobre a cabeceira da cama e Gilda embaralhou-o, pedindo ao seu pombinho que escolhesse uma. Ele assim o fez, após alisar as cartas suavemente com a ponta dos dedos, com olhos semicerrados e lúbricos como se alisasse o órgão sexual que aquelas cartas indicavam. Gilda olhou o naipe da carta escolhida: DAMA DE OURO! NA PEPEKA! Quase grita e põe tudo a perder! Era ali mesmo que ela gostava de receber o creme do amor, puta conservadora e clássica que era! Colocou a carta no bolso de Gitão, alisando-lhe as partes pudendas, para que ele pudesse conferir depois e serviu um gole do vermute para estimulá-lo a beber o copo oferecido. Correu seminua até a vitrola e colocou para tocar um LP compacto que trouxera na bagagem, com o hit francês do calamengau eterno, J’taime, Ma Non Plus! Apagou o cigarro e partiu pra cima do macho feito uma loba incubada e sucubada de caboclos e juremas! Nas palavras do ridículo menestrel de Vitória da Conquista-Ba, Elomar Filgueira, plagiador barato de Guimarães Rosa, que por sua vez não era assim essa Coca-Cola toda, O PAU COMEU! O PAU CANTOU A NOITE INTEIRA! Alguma coisa muito alucinante e fora-de-série deveria conter aquele líquido ministrado pela Gilda. Revelar sua composição me fará trair segredos que circulam há milênios entre a classe dos putões e cafetinas a qual sempre fui um representante emérito, mas, em nome da arte, tudo é perdoado. Trata-se de um filtro de amor utilizado pela rainha egípcia Cleópatra em suas eternas seduções de imperadores e reis. Cleópatra escolhia uma pérola das mais belas que houvesse em seu tesouro e o mergulhava em um frasco contendo vinagre. Após três dias no ácido acético mergulhada, a pérola dissolvia-se toda, deixando o líquido com a consistência de um leite estrelado e com cor de marfim, uma bomba de carbonato de cálcio e outras substâncias nacaradas, sintetizadas pelas místicas ostras em noites de luar marinho, capazes de deixar um homem ereto a madrugada inteira, pouco importando com quem ou o que se deitasse com ele.
No andar de baixo, a pressão e a expectativa eram insuportáveis. As putas não conseguiam mais distribuir carinho e colavam o ouvido em um copo de vidro emborcado nas paredes para melhor ouvir os gemidos do casal no andar de cima. O Tenente Petrônio fumava dois Suerdieck ao mesmo tempo e olhava sofregamente para os pacotes de dinheiro da aposta sobre a mesa. O tempo parecia ter parado de passar nos ponteiros endurecidos e eretos do relógio. O silêncio era tão gorduroso que se podiam ouvir as molas do colchão gemer de gozo e prazer e o som da agulha arranhada sobre o vinil repetir hipnótico infinitas vezes o sussurro de uma romântica enterrada na música outrora ícone da putaria sofisticada. La em cima, a batalha do bogoió não dava sinais de arrefecer. Gitão sapecava o iaiá no furico de Gilda Melasso que fingia não gostar para ele não se derramar naquela porta dos fundos, ou talvez não gostasse mesmo, outra hora caía de boca feito uma sôfrega e sedenta retirante da seca em um bico de poço artesiano, com nenhum outro motivo plausível a não ser a safadeza acumulada após três absurdos e longos dias sem ter relações sexuais! Palavrões e bolachas de vez em quando escapavam por baixo da porta e iam morrer nos ouvidos eriçados dos curiosos lá no salão, feito abelhas voltando para a colmeia, úberes com o néctar da sacanagem floral! O relógio ensaiava marcar três horas da madrugada, o cuco de madeira em vias de bater suas asas comidas por cupim no ar carregado e agora sonolento, quando todo mundo foi arrebatado por um grito medonho de dor e orgasmo de Jorge Gitão, ou de um lobisomem que houvesse tomado sua voz emprestada. Segundos depois, o grito ainda reverberando nos copos de massa de tomate na prateleira, a porta se abriu e Gitão desceu esbaforido as escadas, ainda por vestir a camisa de seda, aproximou-se da mesa do tenente Petrônio em saber direito o que fazer. Parecia mordido por algo peçonhento e ensaiava romper a aposta, mas a escopeta do tenente atravessada sobre o lenço com os pacotes de dinheiro presos por elásticos, agora contados e empacotados com o carinho de um caixa bancário, ou o olhar frio do tenente... O certo é que Jotagê não teve coragem de voltar atrás Jogou sobre a mesa a carta da dama de ouro escrito em batom a palavra VAGINAL, deu meia volta riscando o piso de tábuas enceradas do assoalho, cujo rangido parecia ser a sua alma se despedindo do lugar para sempre, enquanto murmurava monossilábico entre os dentes:
_ SACANAGEM! SACANAGEM! SACANAGEM!
Nunca mais foi visto no Anel de Tuxa nem em lugar nenhum da pequena Itambé!
Minutos depois desta histérica robinsonada, Gilda Melasso desceu as escadas como uma diva triunfal, aplaudida por todos do cabaré. Sentou-se no colo do tenente e começou a contar com o atrevimento renovado o dinheiro sobre a mesa, jogando cédulas para um lado, cédulas para o outro, insinuando uma partilha do dinheiro do derrotado Jotagê, doravante apelidado borra-calça! Ao redor de Gilda Melasso, as prostitutas do lupanar aguardavam ansiosas para saber os detalhes da longa batalha triunfal. Gilda não se fez de rogada. Narrou todos os detalhes como se defendesse uma tese de psicologia para uma plateia de doutores engomados.
_ Pelo que aprendi nos meus estudos, quando um homem faz sexo, toda a sua alma desce e fica localizada na ponta da piroca, na glande...
_ Na cabeça?
_ Isso! Na cabeça, no chapéu, na chapeleta, no bocal da taca... _ Dizia a filha por contágio de Jorge Amado! _ ... Agora, na medida em que ele vai ficando experiente e ganhando o controle da situação, sua alma vai se afastando desse lugar onde o gozo é disparado. Primeiro a alma recua para o prepúcio, depois, para o mastro, em seguida recua até o pé, o começo da vara. Os grandes mestres da fudelança conseguem ir mais longe e fazer a alma recuar até o saco! Essa noite eu conheci um rufião extraordinário. Fiz de tudo para levar ele ao delírio e dei-lhe fodas que fariam qualquer mortal se derreter até os ossos, mas o danado era bom em segurar o bagulho, feito esses peões que montam um touro e ficam encarapitados no lombo até o animal dar mil piruetas e cansar. Redobrei meu rebolado, gemi feito uma codorna na moita e consegui fazer com que ele recuasse mais ainda o local da sua alma! Do saco, sentindo que eu o acariciava com meus lábios vaginais, quase ao ponto de engolir as bolas com peru e tudo, ele recuou sua alma e a alojou na porta do cu! Foi então que dei meu golpe mortal. Com dois dedos lubrificados de pralina, mandei uma dedada dupla e escalafobética no olho do seu toba enterrando falange, falanginha, falangeta e o escambau nos ofra do sujeito! Sua alma, ali recolhida e franzida como um cravo roxo sentiu o golpe e disparou convulsa uma carretilha de gozos feito um foguete prolapsando seu combustível, bufando jatos de fogo e gozo pelo rabo tal qual uma mula-sem-cabeça que perdera o juízo de tanto gozar...
Gilda Melasso contava isso imitando Jotagê convulso, tendo um orgasmo anal com dois dedos no furico enterrados. O público composto por Tenente Petrônio, as prostitutas e alguns clientes mais próximos, contorciam de tanto rir e, animados, arrastavam seus pares para o quarto, animados com a brincadeira pervertida que perdurou por muitos anos como uma promessa de felicidade e um remédio para o tédio daquelas vidas condenadas!
Antes de encerrar, sob risco de diluir o impacto de um Grand Finale, sinto-me obrigado a narrar a versão de Jotagê, visto que ele, duas décadas depois, enviou-me uma carta escrita tão logo soube que eu estava pesquisando a vida de Gilda Melasso para um filme pornográfico. Disse-me que não era nenhum atleta do sexo, era até mesmo um fracasso sexual nesse quesito de meias-madeiradas, nome que ele dava à arte de reter o orgasmo (no relato detalhado, eu substituo o jargão pelo termo kundaline, extraído das técnicas hindus do Tantra-Yoga), atribuindo sua inépcia aos anos de onanismo, causa também de suas ejaculações precoces e poluções noturnas. O Sucesso de suas performances sexuais foi fruto exclusivamente do acaso Durante os anos que morou em São Paulo, Jorge Gitão trabalhou em uma fábrica de baralhos e com muito estudo e afinco, conseguiu um jeito de marcar as lâminas de corte da gráfica, de maneira que era possível para ele, ao manusear as cartas, reconhecer minúsculas ranhuras específicas na cartolina dura das cartas e assim adivinhar o número e o naipe. Em poucos anos, graças ao monopólio desta empresa, todos os baralhos espalhados pelo país eram passíveis de serem, por ele, identificados com um simples deslizar dos dedos. Largou então o emprego e saiu viajando pelo país em busca de casas de jogo, cassinos clandestinos e clubes de carteado. Amealhou uma fortuna incalculável em menos de cinco anos. Aquilo que perdera no Anel de Tuxa, fora uma quantia insignificante. Quanto à dedada... Sua explicação era muito prosaica e de uma simplicidade que, a mim, sempre fora índice da verdade. Disse-me que, justamente por conta da sua ejaculação precoce, desenvolvera um artifício mental de pensar em soldados da PM a iminência de invadir o quarto e levá-lo preso, seus golpes no jogo de cartas descoberto e denunciado. O fato de estar comendo todas aquelas putas através desse criminoso artifício só fazia acrescentar mais realismo e eficácia à técnica do segura-orgasmo. Foi justamente quando, no auge desse esquematismo imaginário, sua mente conseguindo esquecer o veludo vaginal ardente da Gilda em volta da sua piroca e acreditando que um soldado se aproximava com um fuzil de baioneta para enterrá-lo em seu elevado rabo, justamente nessa hora a piranha, sem que ele soubesse ou pedisse, lhe enterrara dois dedos gigantescos e histéricos dentro do seu bufante. Sabem os especialistas que a morte quase sempre é precedida de um violento orgasmo como se os instintos, diante da iminente aniquilação e desesperados, quisessem lançar suas sementes ao acaso e gerar sua perpetuidade. Os enforcados derramam sêmen no solo quando estertoram e entregam suas vidas (daí a lenda de que a mandrágora, raiz em forma de genitália masculina, nasce embaixo de árvores onde homens foram enforcados), afogados e atropelados... O próprio Dostoievsky confessa em uma carta que, segundos antes de ser salvo do fuzilamento, com as armas do pelotão já apontadas para ele, teve um gozo tão violento que seu uniforme ficou todo engomado e, desse dia em diante, ele desenvolveu uma epilepsia que nada mais era do que um tipo de orgasmo incontrolável e desenvolvido automaticamente nele por conta dessa experiência morbo-sexual! Foi por isso, Cassiano, concluía Jotagê a sua carta emocionada, foi apenas por isso que eu gozei com aquela dedada no rabo, inconscientemente achando que iria morrer com uma baioneta de soldado nas minhas costas enterradas. Com certeza você também gozaria, como tenho certeza que gozará, segundos antes de eu te matar, se você revelar ao povo de Itambé-Ba esse triste episódio da minha vida de lambanças e fudelanças incontroláveis!


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