segunda-feira, 12 de outubro de 2015

RECUERDOS DE UM PROFESSOR CARIOCA!


A) UM DÂNDI VINGATIVO!
Em 1996 eu dava aulas particulares de filosofia para a embaixatriz Cristina de Castro, apaixonada por Henri Bergson, filósofo de quem ela crescera ouvindo seu pai falar, em sua elegante residência no Alto Gávea, próximo ao Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Eu morava então em um hotel no Catete e gostava de arrotar suntuosidade quando o motorista dela aparecia para apanhar-me em um carro preto de chapa branca. Eu costumava deixar o motorista esperando por cerca de meia hora, só para dar tempo a vizinhança toda vê-lo e a mim, finalmente, entrando com minha pasta de livros e minha echarpe de dândi! Eu fazia questão que o motorista abrisse a porta para mim, ele relutava, e a partir disso e de outras altercações, nasceu entre nós uma profunda antipatia ( Ele não sabia o que eu fazia durante horas nos aposentos da Embaixatriz e me imaginava amante dela, ou era bicha e tinha tesão no cu por mim... Sei lá!). Certo dia, estando perto da sua residência e próxima a hora de nossas aulas, fui de táxi ao encontro e, tão logo cheguei - nos bons tempos em que não havia as paranóicas grades e sistemas eletrônicos de segurança, fui logo entrando pelo jardim e me enfiando sala a dentro. O motorista me viu entrar e avançou sobre mim, segurando-me pelo braço e dizendo-me rispidamente:

_ Hoje vocês não podem se encontrar! O patrão – Cecília era casada – está em casa! Melhor você se cuidar!
_ ME solte, seu verme! – Minha mão já desenhava no ar a bofetada que lhe daria quando Cecília assomou na porta do quarto e viu toda a cena. Indignada com a estupidez do seu motorista e lacaio serviçal, ela o admoestou, me convidou para conhecer seu marido, homem de negócios sempre viajando, mas antes me perguntou:
_ Estou inconsolável com a atitude desse rapaz que meu esposo contratou!Você quer que eu o demita?
Era meados de dezembro. Olhei para a cara do sujeito e percebi no sebo da sua pele e na sua proeminente barriga, os traços inconfundíveis e lombrosianos de um glutão:
_ Não precisa! Mas corte as castanhas e o queijo de sua cesta de Natal!

B) O CÚMULO DA ELASTICIDADE

Um pensamento pode ser pertinente e adequado e mesmo assim apresentar uma franja de incoerência quando sua matéria (a coisa pensada) possuir em si mesma uma natureza muito disparatada. Tive tal impressão quando, durante uma palestra, ouvi de um aluno uma bizarra, porém muito adequada, ilustração de um pensamento meu. Eu falava sobre como nossas crenças interferem na interpretação de um fato objetivo e, como exemplo, citei o caso das tumbas arqueológicas onde os antigos déspotas eram enterrados com muitas riquezas e com dezenas de súditos sacrificados a lhes acompanhar. Os arqueólogos, até hoje, vivem à turras discutindo se estes cadáveres ao lado do déspota eram realmente serviçais que pretensamente morreram de boa vontade para acompanhar seu líder no além e lá continuar servindo-os como fiéis e dedicados súditos, ou se seriam estes mortos os construtores do mausoléu que, para não revelarem depois aos ladrões de tumbas o local secreto, eram sistematicamente assassinados e ali mesmo, no interior dos túmulos reais, desovados. Exatamente nesse instante um garoto, no fundo da sala, me interpelou e disse:

_ Isso acontece também com uns amigos meus que viviam discutindo um fato muito comum lá no meu interior, Mauá: trata-se desses caminhos, dessas picadas que vemos no pasto, na grama dos terrenos da zona rural. Onde há o costume de passar gente, nas primeiras semanas de trânsito, o capim morre, a terra seca e imediatamente a estrada, a trilha de terra nua se desenha, nunca mais nascendo nada ali até que as pessoas parem de andar no local por muitos meses de descanso; entretanto, o animal – me refiro acentuadamente aos bois, vacas, carneiros, jumentos e cavalos – também desenvolvem hábitos de seguir pelo mesmo percurso ao pastar ou ir beber água, entretanto, nunca acontece do animal destruir a vegetação por onde transita. Algumas pessoas, místicas e supersticiosas, afirmam que isso se deve a energia do ser humano, um ser tão ruim na face da terra que mata até a vegetação por onde pisa. Outras pessoas, mais naturalistas, alegam que isso ocorre por conta de algum instinto no animal que, para não destruir o pasto que lhe alimenta, procura sempre pisar nos pedregulhos, nos ramos mais fortes da erva, evitando sempre esmagar o broto frágil que lhe servirá um dia de alimento! 

Seu exemplo havia sido mesmo de uma profunda pertinência com o que eu havia sugerido, mas arrastava consigo alusões tão disparatadas que, conseguir emendá-las e dar prosseguimento à palestra me exigiria uma elasticidade de pensamento tal que, no plano físico, seria o equivalente a pôr um pé no Pão-de-Açúcar, outro no Corcovado e lavar o saco na Baía da Guanabara!

@ Cassiano Santos Dumont
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