domingo, 3 de abril de 2022

OSCAR UÁI, Um Dândi no Sertão!


 

CENA ÚNICA – 03:00

DIA – CAATINGA DESERTA

Oscar Uái é um homem muito bem vestido. Usa terno, gravata e sapatos finos. Possui longos cabelos assanhados e sujos de terra, assim como o rosto coberto de poeira. Segura uma pasta executiva na mão direita e caminha desolado pela caatinga. Parece estar sem rumo e à procura de algo. Sobe em barrancos, desce ravinas, sempre mirando algo distante. A fotografia é preto-e-branco e a paisagem é pedregosa, árida, composta por arbustos secos, terra e árvores ressequidas. Cruza a câmera várias vezes. É visto de perto, em plano médio e à distância. Após um minuto e meio, ele parece avistar algo no horizonte. Acelera o passo. Corre em direção a esse algo avistado e que é também a câmera fixa, registrando Oscar se aproximar. A 50 metros da câmera, larga a maleta e corre desesperado, se ajoelhando aos pés da câmera onde existe uma pequena poça d’água. Oscar toca as duas mãos na poça agitando a água que, a essa altura, é todo o enquadramento da câmera. A agitação dela servirá para um discreto, quase imperceptível corte. Uma nova cena será emendada com a câmera sobre uma poça d’água agitada e as mãos de Oscar. Ele apanha um pouco do liquido e molha o rosto. Apanha um lenço do bolso e limpa a poeira da face. Guarda o lenço. Em seguida, apanha com as duas mãos a água e molha com ela os cabelos. Tira do outro bolso um pente e começa a pentear os cabelos. A essa altura, a água, menos agitada, permite a ele olhar nela como em um espelho (sua face aparece invertida, pois que é o seu reflexo na água, água esta que é todo o enquadramento). Ele penteia os cabelos com ar de grande satisfação. Guarda o pente. Conserta os fios por trás da orelha. Sorri. Ajeita a gravata. Seu rosto está limpo e os cabelos arrumados. Durante esse processo, as cores surgem lentamente até o colorido normal. A câmera também se afasta e... NÃO É MAIS A CAATINGA, MAS SIM UM VALE VERDEJANTE, COM CACHOEIRAS, ÁRVORES ROBUSTAS, FLORES E JARDINS CULTIVADOS. Fixa em uma grua, a câmera sobe, ampliando e focando todo o vale transformado e o corpo de Oscar Uái, de braços abertos, girando e contemplando todo aquele esplendor da natureza! Desce os créditos!

MENSAGEM: Ao embelezar a si mesmo, Oscar finda por embelezar o mundo ao redor. Construiu, com sua ação inusitada, um novo e florido caminho. Essa era a proposta dos dândis e flaneurs do começo do século vinte, que procuravam fazer arte com a própria vida e não mais com as matérias tradicionais da arte, pincéis, papeis, fotografias... É essa proposta, hoje esquecida, que o filme quer resgatar.


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