CENA ÚNICA – 03:00
DIA – CAATINGA DESERTA
Oscar Uái é um homem muito bem vestido. Usa terno, gravata e sapatos
finos. Possui longos cabelos assanhados e sujos de terra, assim como o rosto
coberto de poeira. Segura uma pasta executiva na mão direita e caminha desolado
pela caatinga. Parece estar sem rumo e à procura de algo. Sobe em barrancos,
desce ravinas, sempre mirando algo distante. A fotografia é preto-e-branco e a paisagem
é pedregosa, árida, composta por arbustos secos, terra e árvores ressequidas.
Cruza a câmera várias vezes. É visto de perto, em plano médio e à distância.
Após um minuto e meio, ele parece avistar algo no horizonte. Acelera o passo.
Corre em direção a esse algo avistado e que é também a câmera fixa, registrando
Oscar se aproximar. A 50 metros da câmera, larga a maleta e corre desesperado,
se ajoelhando aos pés da câmera onde existe uma pequena poça d’água. Oscar toca
as duas mãos na poça agitando a água que, a essa altura, é todo o enquadramento
da câmera. A agitação dela servirá para um discreto, quase imperceptível corte.
Uma nova cena será emendada com a câmera sobre uma poça d’água agitada e as
mãos de Oscar. Ele apanha um pouco do liquido e molha o rosto. Apanha um lenço
do bolso e limpa a poeira da face. Guarda o lenço. Em seguida, apanha com as duas
mãos a água e molha com ela os cabelos. Tira do outro bolso um pente e começa a
pentear os cabelos. A essa altura, a água, menos agitada, permite a ele olhar
nela como em um espelho (sua face aparece invertida, pois que é o seu reflexo
na água, água esta que é todo o enquadramento). Ele penteia os cabelos com ar
de grande satisfação. Guarda o pente. Conserta os fios por trás da orelha.
Sorri. Ajeita a gravata. Seu rosto está limpo e os cabelos arrumados. Durante
esse processo, as cores surgem lentamente até o colorido normal. A câmera também
se afasta e... NÃO É MAIS A CAATINGA, MAS SIM UM VALE VERDEJANTE, COM
CACHOEIRAS, ÁRVORES ROBUSTAS, FLORES E JARDINS CULTIVADOS. Fixa em uma grua, a
câmera sobe, ampliando e focando todo o vale transformado e o corpo de Oscar Uái,
de braços abertos, girando e contemplando todo aquele esplendor da natureza! Desce
os créditos!
MENSAGEM: Ao embelezar a si mesmo, Oscar finda por embelezar o
mundo ao redor. Construiu, com sua ação inusitada, um novo e florido caminho.
Essa era a proposta dos dândis e flaneurs do começo do século vinte, que
procuravam fazer arte com a própria vida e não mais com as matérias
tradicionais da arte, pincéis, papeis, fotografias... É essa proposta, hoje
esquecida, que o filme quer resgatar.
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