sexta-feira, 8 de abril de 2022

Milagres no Brejo Sem Água!



Os racionalistas, por séculos, imputavam às leis da natureza um caráter absoluto, apodítico, onde não haveria espaço para exceções de nenhuma espécie sob risco de ruir todo o arcabouço que sustenta o universo tal como o conhecemos; basta pensar como seria impossível a vida caso houvesse a mais discreta variação nas constantes universais, Gravidade, Força eletromagnética, Força Nuclear forte, etc... Como bem argumenta o assim chamado princípio antrópico. Com isso, a ciência expulsou da empiria os chamados milagres, atribuindo-os ao reino do sobrenatural, para não dizer, do delírio e da superstição; mas uma leitura mais refinada de muitas destas leis, principalmente com a emergência da mecânica quântica no paradigma científico da modernidade, é possível oxigenar um pouco o deserto epistêmico do materialismo científico, permitindo brotar as hênades de uma nova espiritualidade. Refiro-me ao caráter aleatório das partículas subatômicas. Nelas, o que impera é a absoluta probabilidade, as leis da natureza sendo apenas um questão de costumes e hábitos, como também não deixa de ser na vida social dos seres humanos, onde a lei, antes de ser um códex vetusto, costuma ser meramente um rito, uma ordália, uma simples e sempiterna tradição. Para as partículas  que compõem a água de um oceano, por exemplo, se comportar como um fluxo laminar no interior de um agitado turbilhão de choques e oscilações brownianas é uma regra quase imperiosa. Digo "quase", pois, habita ali, no coração de cada molécula, uma probabilidade da ordem de 10³ºº dela se comportar de modo espiralado, errático, arrevesado, em outras palavras, o clinâmen lucreciano, não sendo mais um atributo essencial dos átomos epicuristas, ainda latejaria como uma segunda natureza! Isso se ocorresse em todas as gotículas de uma parte do oceano, simultaneamente (é só multiplicar a probabilidade do desvio pela quantidade de gotas e pela quantidade de segundos que tem todo o tempo transcorrido até hoje, provavelmente um gugol, número astronômico de onde se origina o nome Google) e teríamos assim um hiper natural fenômeno de um oceano se abrindo para nele passar um povo fugindo do cativeiro! Se vivo estivesse, Leibniz  veria com açucarados olhos essa tese - se é que ele não a tivesse secretamente: ao criar o mundo, o nosso Deo Mathematicus, fez as séries de acontecimentos ajustadas de tal modo para que um fenômeno deste, assim como milhares de outros improváveis mas não impossíveis, coincidissem exatamente com as súplicas e as orações dos seus santos! Pernas paralíticas voltando a andar, caroços sendo absorvidos pela corrente sanguínea, Lázaros ressuscitando com um novo e inopinado rearranjamento dos seus átomos... e eu, no mais improvável local do planeta, no curuzu do lajedo bronco do sertão baiano, revelando ao mundo as mais loucas teses de metafísica! Sim! Nós cremos em milagres!

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