Felisberto era um mascate conhecedor profundo dos Sertões. Sem
saber que fora a sua classe, a dos comerciantes, quem promovera o surgimento
das civilizações, ao provocar o contato entre culturas e povos diferentes,
aprendendo suas línguas e costumes, ele visitava as mais distantes cidades do
interior do Nordeste levando notícias, ouvindo histórias e contando causos por
onde passava. Um deles impressionava sobremaneira seus ouvintes ingênuos
sentados na porta dos hotéis e casarões por onde ele se hospedava em imorredouras
noites de luar! Conta ele que uma vez, viajando com uma carga de caríssimos
chapéus panamá, resolvera dormir um pouco após o almoço sob uma barranca à
beira do Rio Pajeú, na boca de uma matinha verdejante e cheia de passarinhos
canoros. Mal cochilou e fora surpreendido por uma quadrilha de sorrateiros
assaltantes. Um bando de macacos-prego, saindo da mata, atacou o caçuá onde
estava sua preciosa carga de chapéus. Talvez, por vê-lo dormindo com o chapéu
no rosto, os macacos - dezenas deles - espalhados pelos galhos próximos, usavam
cada chapéu na cabeça e faziam garatujas indescritíveis e piruetas sem perder o
chapéu. Felisberto quase se desesperou ao ver sua mercadoria assim dispersa
pela mata, mas teve um insight, nessa hora que ainda hoje atribui à uma
inspiração do seu anjo-da-guarda a quem ele não dormia um cochilo sequer sem
implorar sua mercê e graça! Felisberto levantou-se, ajeitou o seu chapéu e
caminhou alguns passos até ficar bem próximo das árvores, então, com grandes
gestos teatrais, retirou o chapéu da cabeça, fez giros de salamaleque com o
braço e jogou furiosamente seu chapéu sobre o mato rasteiro da estrada.
Imediatamente, um macaco, líder talvez do bando, apanhou o chapéu da cabeça,
imitou sua firula e jogou também no chão. Imediatamente, como se obedecessem a
uma indefinida hierarquia, todo o bando repetiu o histriônico gesto e lançou
toda a carga de Felisberto que só teve o cuidado de recolher a carga, limpar
suas bordas e acomodar tudo de novo no seu envernizado caçuá!
Os anos se passaram. Quis o destino que um neto seu, de mesmo
nome, herdasse o comércio do avô e viajasse pelas mesmas cercanias vendendo
todo tipo de mercadoria. Quando passou pelas margens do mesmo Rio Pajeú, ele,
por coincidência, levava consigo uma carga de chapéus (na verdade bonés de
marcas famosas e falsificadas, Nike, Adidas, e Puma, que uma tia sua comprava
em Porto Stroessner, no Paraguai ou ela mesma falsificava no fundo da casa, vai
saber!). Felisberto Neto também sentiu o mesmo sono ao passar pelo bosque, ou o
que restara dele, e também dormiu um pouco no mesmo local que seu avô havia
dormido, embora não soubesse disso. Também foi acordado pelos guinchos
estridentes e viu sua carga de bonés importados assaltada e espalhada pelos
galhos na cabeça de incontáveis macacos-prego. Não precisou de inspiração ou
anjo da guarda para se lembrar da história que seu avô contava para todos os
clientes e visitas! Imediatamente, Felisberto se adiantou até um enorme jatobá,
mais enfeitado de macaco abonezado do que uma árvore de natal, de bolas. Tirou
o boné da cabeça, fez gestos circenses e atirou com ímpeto seu boné sobre a
relva. Demorou um pouco, o tempo de um pífio suspense e um pequeno macaco
desceu sorrateiro pelo tronco de outra árvore. Aproximou-se esgueirando do boné
atirado no chão, apanhou-o e rapidamente ganhou um distante galho sobre o pobre
e boquirroto Felisberto que espera uma chuva de bonés que logrou não acontecer.
O Macaquinho segurou seu boné na cabeça, puxou a aba para o lado, à moda hip-hop
e disse em alto e castiço português sem sotaque:
_ O MAL DOS HUMANOS É PENSAR QUE SÓ ELES APRENDEM COM SEUS
ANTEPASSADOS! OREBA!
E saiu deslizando pelo galho, de costas, como se imitasse um passo
de Michael Jackson! POR ESSA LUZ QUE ME ALUMIA!
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