segunda-feira, 4 de abril de 2022

MACACOS ME MORDAM!

 



   Felisberto era um mascate conhecedor profundo dos Sertões. Sem saber que fora a sua classe, a dos comerciantes, quem promovera o surgimento das civilizações, ao provocar o contato entre culturas e povos diferentes, aprendendo suas línguas e costumes, ele visitava as mais distantes cidades do interior do Nordeste levando notícias, ouvindo histórias e contando causos por onde passava. Um deles impressionava sobremaneira seus ouvintes ingênuos sentados na porta dos hotéis e casarões por onde ele se hospedava em imorredouras noites de luar! Conta ele que uma vez, viajando com uma carga de caríssimos chapéus panamá, resolvera dormir um pouco após o almoço sob uma barranca à beira do Rio Pajeú, na boca de uma matinha verdejante e cheia de passarinhos canoros. Mal cochilou e fora surpreendido por uma quadrilha de sorrateiros assaltantes. Um bando de macacos-prego, saindo da mata, atacou o caçuá onde estava sua preciosa carga de chapéus. Talvez, por vê-lo dormindo com o chapéu no rosto, os macacos - dezenas deles - espalhados pelos galhos próximos, usavam cada chapéu na cabeça e faziam garatujas indescritíveis e piruetas sem perder o chapéu. Felisberto quase se desesperou ao ver sua mercadoria assim dispersa pela mata, mas teve um insight, nessa hora que ainda hoje atribui à uma inspiração do seu anjo-da-guarda a quem ele não dormia um cochilo sequer sem implorar sua mercê e graça! Felisberto levantou-se, ajeitou o seu chapéu e caminhou alguns passos até ficar bem próximo das árvores, então, com grandes gestos teatrais, retirou o chapéu da cabeça, fez giros de salamaleque com o braço e jogou furiosamente seu chapéu sobre o mato rasteiro da estrada. Imediatamente, um macaco, líder talvez do bando, apanhou o chapéu da cabeça, imitou sua firula e jogou também no chão. Imediatamente, como se obedecessem a uma indefinida hierarquia, todo o bando repetiu o histriônico gesto e lançou toda a carga de Felisberto que só teve o cuidado de recolher a carga, limpar suas bordas e acomodar tudo de novo no seu envernizado caçuá!

Os anos se passaram. Quis o destino que um neto seu, de mesmo nome, herdasse o comércio do avô e viajasse pelas mesmas cercanias vendendo todo tipo de mercadoria. Quando passou pelas margens do mesmo Rio Pajeú, ele, por coincidência, levava consigo uma carga de chapéus (na verdade bonés de marcas famosas e falsificadas, Nike, Adidas, e Puma, que uma tia sua comprava em Porto Stroessner, no Paraguai ou ela mesma falsificava no fundo da casa, vai saber!). Felisberto Neto também sentiu o mesmo sono ao passar pelo bosque, ou o que restara dele, e também dormiu um pouco no mesmo local que seu avô havia dormido, embora não soubesse disso. Também foi acordado pelos guinchos estridentes e viu sua carga de bonés importados assaltada e espalhada pelos galhos na cabeça de incontáveis macacos-prego. Não precisou de inspiração ou anjo da guarda para se lembrar da história que seu avô contava para todos os clientes e visitas! Imediatamente, Felisberto se adiantou até um enorme jatobá, mais enfeitado de macaco abonezado do que uma árvore de natal, de bolas. Tirou o boné da cabeça, fez gestos circenses e atirou com ímpeto seu boné sobre a relva. Demorou um pouco, o tempo de um pífio suspense e um pequeno macaco desceu sorrateiro pelo tronco de outra árvore. Aproximou-se esgueirando do boné atirado no chão, apanhou-o e rapidamente ganhou um distante galho sobre o pobre e boquirroto Felisberto que espera uma chuva de bonés que logrou não acontecer. O Macaquinho segurou seu boné na cabeça, puxou a aba para o lado, à moda hip-hop e disse em alto e castiço português sem sotaque:

_ O MAL DOS HUMANOS É PENSAR QUE SÓ ELES APRENDEM COM SEUS ANTEPASSADOS! OREBA!

E saiu deslizando pelo galho, de costas, como se imitasse um passo de Michael Jackson! POR ESSA LUZ QUE ME ALUMIA! 

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