- Alguns conceitos andam juntos e os antigos chamavam díade aos
pares de conceitos cujo sentido implica e explica o outro; parece ser assim com
os belos conceitos de Caos e Cosmos. Correlatos às noções de ordem e desordem,
eles padecem das tendências espacializantes da inteligência pois costumamos
associar Cosmos com simetria e Caos com distribuições aleatórias de corpos no
espaço. Estas associações nos parecem ilegítimas pois é possível haver desordem
em espaços simétricos e ordem nos turbilhões, por exemplo: suponhamos u'a mesa
circular com oito pratos distribuídos em milimétrica simetria; os talheres são
dispostos no exato intervalo entre estes pratos. Oito comensais estrangeiros,
ignorantes de qualquer etiqueta, sentam-se nesta mesa sem saber qual talher
usar – à esquerda ou à direita. Até que a fome faça um deles apanhar
aleatoriamente um talher, dando assim um sentido ao manuseio, o Caos estará instalado
na mais perfeita (circular) simetria. Os labirintos costumam ser ao mesmo tempo
uma obra-prima de simetria e uma alegoria perfeita do Caos. Um último e
excessivo exemplo encontramos no cinema, em um antigo filme de M. Scorcese,
After Hours: Em uma das cidades mais simétricas do mundo, Nova York, com suas
avenidas coordenadas, ruas ortogonais e edifícios retilíneos, uma personagem
vive uma série de situações insólitas e disparatadas devido à desordem com que
as coisas acontecem. Os filólogos que traduzem a palavra grega Kosmos por
Beleza cometem um equívoco semelhante ao associar sua ordem intrínseca com
simetria quando Kosmos significava apenas, na origem, regularidade de órbita e
sucessão de movimentos. A simetria nos dá somente o eixo e a direção possível
dos movimentos, sendo a presença ou ausência de sentido nos móveis quem define
Cosmos e Caos. É um pouco como Alice no Pais das Maravilhas, quando Alice,
entre tantas direções possíveis, pergunta sempre: Em que sentido? Em que
sentido? . As questões de Alice quase sempre se reportam a ordem dos
acontecimentos ( primeiro o bolo e depois o chá, ou primeiro o chá e depois o
bolo?) ou ao sentido (o talher na mão esquerda e o guardanapo na direita ou
vice-e-versa?) Aparentemente de natureza especulativa, esta questão do sentido
parece mergulhar nas próprias origens da vida. Sabe-se que, no ambiente que os
biólogos chamam de sopa primordial, onde apareceram os primeiros esboços de
vida sobre a terra, certas moléculas exerceram um papel crucial. Chamadas de dextrógeras
e levógeras, estas moléculas apresentavam a propriedade de reagir à luz
polarizada girando para a direita (dextrógeras) ou para a esquerda (levógeras);
com isso tornou-se possível a vida traçar um plano espacial onde as estruturas
orgânicas pudessem ser arquitetadas. Sabe se hoje da importância, no
desenvolvimento embrionário, de certos genes chamados genes hox, capazes de
coordenar a localização dos órgãos embrionários através da inibição ou do
estímulo de proteínas. Como precipitada conclusão, nos parece não ser
suficiente a ordem dos corpos no espaço para que o sentido emerja como pensava
o naturalismo estoico. 0 sentido vem de fora, como uma força que se apropria dos
corpos e os fazem girar e gerar ordem, como um atrator estranho a instaurar, no
caos, elegantes simetrias....
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022
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