terça-feira, 9 de julho de 2024

EU NÃO PROUST, MAS EU TE AMO ou Mémorias do Roy Rogers Que eu Não Fui!

 




Definitivamente, o ídolo musical da minha geração, onipresente no oceano sentimental que invade feito tsunami nossos corações no final da infância, fora mesmo Sire Elton John. Suas baladas arrebatadoras no começo do século passado formaram os trilhos celestiais onde sentíamos, nos acordes robustos de seu piano, abrirem os portões dos mais excelsos sonhos, antecipando a partida para o futuro! Nos bailes escolares, no rádio e nas vitrolas, nas incipientes TV’s em preto-e-branco, nos lábios do povo que assobiavam com timidez as melodias de um idioma por ele desconhecido – sim, o nosso povo outrora era profundamente musical e feliz … As canções do Elton embalavam o desabrochar dos nossos dias polidos e originais, servindo de cola e liga a fixar de modo indelével as lembranças destes anos dourados, como etiquetas que permanecem conosco, coloridas e viçosas, quando já estioladas as roupas que somos hoje! 

Dito isso, com um pathos pra lá de piegas, admito e registro aqui o meu estupor e comovente surpresa ao ouvir um de seus clássicos daquela mesmíssima época, a canção ROY ROGERS, presente no antológico disco GOODBYE YELLOW BRICKROAD, de 1973, e que jamais a havia ouvido antes, nem quando lançado o disco, nem ao longo de todas estas décadas subsequentes. Ouvi-la fez abrir de súbito um mar vermelho nas águas das minhas memórias sentimentais! Assim como, em um quebra-cabeças, é a casa vazia que permite o movimento das outras peças, a faixa rasante que esta canção desenhou no estofo melódico dos meus idos de outrora tornou-se o próprio sulco no vinil por onde a agulha extraia a coda embriagante de um tempo que não volta mais! Não era, contudo, um mero caso de memórias involuntárias, destas que nos arranca do tempo cardinal para um estado de sonho e enlevo espiritual. Havia nesta experiência um travo amargo e uma sombra escura em seu contorno: minha mente passou, sob a batuta da melodia, a ser invadida por lembranças artificiais que, por obra do meu inconsciente ou por algum feitiço transcendental, encenava fantasiosos episódios que esta canção poderia ter embalado! No paroxismo de reviver momentos nunca vividos, no espanto de um arqueólogo a sentir os frissons consumistas de um viciado em compras quando descobre um tesouro pré-histórico, comecei a experimentar, no caudal jubiloso desta melodia, a lembrança de mil coisas que poderia ter vivido… E não as vivi: os passeios na bicicleta que não ganhei no Natal, os banhos de mar que não os tomei por óbvia e geográfica razão, o beijo que não tive coragem de dar na mais linda garota da cidade, que sentou ao meu lado no cinema e segurou a minha mão, só para depois vê-la no mesmo cinema, de mãos dadas com outro e mais velho rapaz, e até mesmo as horas idílicas ao lado de meus irmãos que só vim a conhecê-los anos depois, criado que fui por tios queridos, assim como eles o foram por outros tios de uma vasta família… Eu me sentia como se perdido por um jardim de caminhos que se bifurcam, na encruzilhada de muitos mundos possíveis, cada um apontando para um destino diferente que um dia existiram e desapareceram, evaporando-se em compossibilidades imaginárias e deixando-me, desgraçadamente, neste destino que hoje é o meu! Decerto que esta “miração” conduzida pelo cancioneiro inglês disfarçado de flautista de Hamelin, findou por encher-me o peito com uma dolorosa nostalgia, chorando não por coisas vividas, mas por toda uma vida que não chegou a existir, contudo, volta e meia ouço novamente a trilha sonora destes caminhos floridos que nunca percorri! Nem devo considerar que a canção a que me refiro fala de um cowboy lendário da TV e do cinema. Se descobrem que minha alma é de cowboy e que todos os sonhos da minha vida se convergem para um dia galopar solitário pelas pradarias da minha terra em um alazão, de volta para os braços da minha amada, serei para sempre chantageado pelos logaritmos da nova ordem digital neste mundo instalada! Sei que este hábito de ouvir músicas antigas é quase sempre um mergulho nas águas frias da tristeza, mas sou também um poeta e, sem o sofrimento e a dor, qual sentido teria a poesia?

Share this post

0 comentários :