terça-feira, 14 de maio de 2024

No Balão Mágico da Atmosfera Literária!

  


   Um dos mais robustos critérios de avaliação em um filme ou romance, critério este revelador de fascínio e arrebatamento, é a existência de uma volumosa “entourage” a banhar as personagens com uma desconhecida e presciente realidade vivida. Tomemos como exemplo a magistral obra de J. R. R. Tolkien, O Senhor Dos Anéis: Logo no início, assim que nos familiarizamos com o universo de magia e encantamento, tão logo as personagens desenhem para nós suas características e atributos, experimentamos recorrentes descrições de lugares para além das prístinas e azuladas montanhas, de eras anteriores e míticos antepassados em linhagens a se perderem nas neblinas do tempo. Estas dimensões são como camadas de tinta encorpando o relevo de uma paisagem pintada ou uma corrente de ar fresco insuflando nossa imaginação com vívidas possibilidades venturosas! É nestas dimensões imaginárias e vagamente sugeridas que tais personagens lançam raízes e galhos no estofo de nossa credibilidade, transportando-nos na carruagem feérica da empatia, voando sobre as doravante suprimidas leis da realidade cotidiana. Contra os limites das descrições e definições asfixiantes dos documentos e relatórios científicos, a ficção abre as janelas das mansardas, atiça os fantasmas do sótão e acende as estrelas da fantasia, furos no teto do céu por onde goteja drops de aventuras e emoções desconhecidas. Também em nossas vidas “reais” precisamos deste “surplus” de possibilidades, deste corredor que ventile nossas existências com o que o filósofo Kierkgaard chamava de oxigênio do possível; ainda que seja o rarefeito oxigênio das obras de arte, com suas lufadas de contrabando e suas possibilidades imaginárias. Viajar além das paisagens de um livro ou filme, respirar o aroma floral dos vales onde nasceu os avós de uma heroína, lutar em batalhas com descendentes primevos de uma terra encantada… Se uma obra consegue projetar nossa atenção para além do palco brechtiniano onde uma ação ocorre com rude desencanto e desmascaramento – a assinatura de uma ficção medíocre -, mergulhando-nos no indizível do não-escrito e do não-pensado, tal qual um balão preso por um tênue cordão nos rarefeitos oceanos de possibilidades que neste mundo digital não existe mais – as linhas de fuga foram borradas por uma tela de led – você conseguirá reviver consideráveis pacotes de uma vida intensa e selvagem, conseguirá se projetar de corpo e alma nas páginas de um grande livro, de um filme inesquecível, nas épuras de uma sinfonia que nada mas é do que a música, o livro, o filme da sua vida, visto que toda experiência se mistura com outras como os fios de uma corda com que tecemos a nossa vida, e quanto mais vastos os fios, maior o peso da existência que conseguimos transportar no balão mágico da atmosfera literária! 

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