Uma das maiores e mais antigas querelas filosóficas de todos os tempos
diz respeito ao debate Realismo versus Nominalismo: as ideias são reais
ou são apenas nomes? Existe a marmita ideal, a virgem imaculada, a égua
eterna, ou tudo que existe seria apenas esta marmita, esta virgem,
aquela égua... Esse debate começa entra Platão (Realismo) e Aristóteles
(nominalismo).
Alguns afirmam que Aristóteles ocuparia um meio termo: o
conceito, no estagirita, seria algo mais do que um nome, seria um
universal concreto (essa é a leitura de Hegel), mas mesmo assim, por ser
inseparável da linguagem que o significa e, principalmente, por ser
inseparável da psicologia que o engendra, pode bem ser colocado ao lado
dos nominalistas, pelo menos para o que nos interessa aqui. Cada
filósofo, a seu modo, vivencia esse dilema quando está formando sua
filosofia pessoal e precisa optar por uma destas linhas fulcrais. Por
muito tempo, fui um nominalista, marcado profundamente por Wittgenstein,
até o dia em que, no cemitério do Caju, no Rio de Janeiro, pondo flores
para uma namorada falecida em meus braços – e a quem nunca deixei de
amar – me despertei para o fato de que não se pode amar algo que não
existe, ou que existiu e não exista mais. Ela, S. Sartori continuava,
para o meu amor, tão viva como sempre, ou até mesmo muito mais, pois,
convertida em pura ideia (alma, se quiserem usar essa bela palavra),
havia perdido as limitações que antes lhe impedia de receber e inspirar
todo o meu mais puro amor. Ficou evidente para mim, apesar dos olhos
obnubilados naquele instante em que tive esse insight, que as ideias não
apenas são reais, mas gozam de um “surplus” de realidade que as coisas
apenas físicas jamais podem gozar. Os místicos identificam o Ser ao amor
e este amor empresta realidade e substância a tudo que toca. Todo
mundo, toda viúva ou órfão na face da terra sabe que o amor pelos seus
entes queridos, o amor vivido em forma de luto, não se reporta a uma
lembrança, uma imagem ou um conceito abstrato. O luto é justamente a
presença de uma ausência, a vivência do coração suspirando por outro
coração que, de algum modo inexplicável, ainda pulsa. Espinoza dizia
que a alegria é o afeto que decorre do nosso aumento de potência, do
entendimento que vamos adquirindo na vida com o exercício do pensamento.
Eu me tornei um platônico e um realista pela mais pura tristeza,
tristeza que os anos vão destilando em um afeto mais suave e melancólico
a que chamamos de saudade. A saudade que Platão sentia pela primeira
manhã quando as ideias (deusas) estiveram por aqui moldando nosso mundo
eu a tenho pela minha namorada morta! Ela é a ideia que me abre as
portas para outras ideias e a expressão: ESTÁ MORTA, LOGO PENSA, é a
fórmula do meu fúnebre cógito.
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