segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A FERA NA SELVA


Uma das maiores e mais antigas querelas filosóficas de todos os tempos diz respeito ao debate Realismo versus Nominalismo: as ideias são reais ou são apenas nomes? Existe a marmita ideal, a virgem imaculada, a égua eterna, ou tudo que existe seria apenas esta marmita, esta virgem, aquela égua... Esse debate começa entra Platão (Realismo) e Aristóteles (nominalismo).
Alguns afirmam que Aristóteles ocuparia um meio termo: o conceito, no estagirita, seria algo mais do que um nome, seria um universal concreto (essa é a leitura de Hegel), mas mesmo assim, por ser inseparável da linguagem que o significa e, principalmente, por ser inseparável da psicologia que o engendra, pode bem ser colocado ao lado dos nominalistas, pelo menos para o que nos interessa aqui. Cada filósofo, a seu modo, vivencia esse dilema quando está formando sua filosofia pessoal e precisa optar por uma destas linhas fulcrais. Por muito tempo, fui um nominalista, marcado profundamente por Wittgenstein, até o dia em que, no cemitério do Caju, no Rio de Janeiro, pondo flores para uma namorada falecida em meus braços – e a quem nunca deixei de amar – me despertei para o fato de que não se pode amar algo que não existe, ou que existiu e não exista mais. Ela, S. Sartori continuava, para o meu amor, tão viva como sempre, ou até mesmo muito mais, pois, convertida em pura ideia (alma, se quiserem usar essa bela palavra), havia perdido as limitações que antes lhe impedia de receber e inspirar todo o meu mais puro amor. Ficou evidente para mim, apesar dos olhos obnubilados naquele instante em que tive esse insight, que as ideias não apenas são reais, mas gozam de um “surplus” de realidade que as coisas apenas físicas jamais podem gozar. Os místicos identificam o Ser ao amor e este amor empresta realidade e substância a tudo que toca. Todo mundo, toda viúva ou órfão na face da terra sabe que o amor pelos seus entes queridos, o amor vivido em forma de luto, não se reporta a uma lembrança, uma imagem ou um conceito abstrato. O luto é justamente a presença de uma ausência, a vivência do coração suspirando por outro coração que, de algum modo inexplicável, ainda pulsa. Espinoza dizia que a alegria é o afeto que decorre do nosso aumento de potência, do entendimento que vamos adquirindo na vida com o exercício do pensamento. Eu me tornei um platônico e um realista pela mais pura tristeza, tristeza que os anos vão destilando em um afeto mais suave e melancólico a que chamamos de saudade. A saudade que Platão sentia pela primeira manhã quando as ideias (deusas) estiveram por aqui moldando nosso mundo eu a tenho pela minha namorada morta! Ela é a ideia que me abre as portas para outras ideias e a expressão: ESTÁ MORTA, LOGO PENSA, é a fórmula do meu fúnebre cógito.
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