segunda-feira, 12 de outubro de 2015

TANGERINA MECÂNICA!




Assim como, no meio de uma pancadaria, você precisa dar um tiro pra cima para por ordem na casa, devo doravante escrever crônicas de alta violência para me sobressair nesse pandemônio de pré-guerra civil em que se encontra o meu país! A violência sempre me foi inata.
Minhas primeiras e cruéis lembranças se reportam aos dois anos de idade quando, usando uma vistosa botinha ortopédica, ia para o fundo do quintal a procura de uma ninhada de pintinhos recém-nascidos. Mal avistava e começava a esmagá-los com a frieza de um Chuck, o boneco assassino! Infindas e enfadonhas as brigas colegiais, no futebol de campinho e no meio da feira. Salto para um episódio mais grotesco para começar logo assustando as leitoras românticas. Um dileto amigo de colégio, Dirceu Achy Carneiro, fora estudar em Salvador. Eu fiquei, pois, menino pobre, tive que terminar o colegial pelo interior mesmo. Nas férias e feriados prolongados, esse meu amigo voltava da capital e fazia uso de uma expressão idiota que lá aprendera, e que usava para nos humilhar. Dizia sempre que houvesse oportunidade: A TURMA DA PITUBA É TCHAN! A Pituba era o bairro elitista onde ele estudava e os colegas dele usavam dessa expressão jocosa e de mal gosto para humilhar os periféricos de Salvador. Eu não me importava muito, levava na esportiva, com essa largueza de alma que possui os adolescentes, mas uma noite, ele passou dos limites. Durante uma festa em uma boate local, aconteceu de ele e eu cobiçarmos uma mesma garota, recém chegada na cidade - carne fresca, como gostávamos de falar, poéticos como um pau-de-bosta. Por não ter muito juízo, ou tê-lo em excesso, a galega acabou por escolher ele, e os dois começaram a namorar. Eu, derrotado, enterrei a cara no uísque e me embebedei. A certa altura ele passou por mim, abraçado com a linda galega. Virou-se então para a mesa onde eu me afundava e, com ares de esnobe garanhão, cuspiu no chão bem na barra da minha calça, dizendo com desprezo e desdém:

_A TURMA DA PITUBA É TCHAN!
   
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Aquilo me enfureceu profundamente. Levantei-me vendo o mundo rodar e retornei para casa, disposto a pegar a arma do meu pai e descarregar o tanque nos peitos do amigo insolente. Creditem 0,5 por cento dessa psicopatia ao uísque paraguaio que fervia em meu sangue. Dito e feito. Entrei em casa. Meu pai dormia. Apanhei sua arma sob a cama e voltei ao clube vibrando antecipadamente com os tiros que daria nos peitos de Cecêu (o apelido do amigo que ia morrer). Para a felicidade dele, caí de bêbado no jardim do Banco do Brasil, bem perto do local da festa e lá desfaleci, quase em coma alcoólica. Alguém me socorreu. Levaram-me para casa, enfiaram-me debaixo de um chuveiro e foi assim que, até hoje, ainda respira faceiro o meu amigo Dirceu, sem ter a mínima ideia de que quase morrera por uma inocente presepada. Nunca lhe contei!
     
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Um ano depois, também fui estudar em Salvador. A violência deu de me acompanhar! Em meu primeiro emprego,como agente de Alfândega, no porto de Salvador, tive rixas homéricas com contrabandistas e colegas corruptos, fatos que contarei em outra oportunidade. Nesse esboço estou focando apenas em fatos para os quais posso apresentar testemunhas. Me vejo agora saindo de um cinema, a sala Walter da Silveira, nos Barris e sendo assediado por um produtor cultural chamado Luís Portugal. Enciumado porque uma tal de Tininha, sua namorada, andava louca pra me dar, ele partiu pra cima de mim com o braço ameaçador em meu pescoço, cobrando-me satisfações na frente de todos os meus amigos e conhecidos. Com uma mão, eu afastei seu braço, com a outra, desferi um soco brutal visando o osso do nariz (um osso solto que, quando bem colocado e com força suficiente, um soco pode fazê-lo entrar no cérebro). Pegou no queixo e o mel desceu. Ao ver o sangue escorrer, Portugal perdeu o juízo e partiu pra cima de mim sem nenhuma técnica. Fácil me foi desviar seus golpes histéricos e lhe aplicar mais uns dois socos. foi quando ele decidiu fazer uso de uma pilha de paralelepípedos providencialmente empilhados ali perto, na porta da Fundação. A mim só cabia esperar o lançamento e me esquivar perigosamente dos arremessos. Se pegam, me quebrariam um osso. Nesse momento, uma namorada minha , de nome Dôra, começou a gritar:
   
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_DE PEDRA, NÃO! DE PEDRA NÃO VALE!
             
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Foi ali, no meio de uma briga mortal, que decidi terminar com ela, pois olhava a Dôra dizer isso com uma frieza imensa e descobri que ela não me amava! Uma mulher quando ama um homem entra na briga; jamais fica pondo regras como um juiz imparcial! Quer dizer então que, se fosse na mão, podia me bater? Ora! Ora, Pois, Pois!
   
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Não sabia eu que o Portugal possuía uma ascendência muito grande sobre um famoso Punk de Salvador, Cabeça de Comprimido, vulgo RUPINOL (abro um parênteses para falar um pouco dele. Basta dizer que, brincando de roleta russa com um grande amigo dele, um jornalista de nome Gouveia, esse punk disparou um tiro na testa do amigo que morrera no ato! Rupinol alegou ter sido um acidente. Conseguiu, não sei como, fugir e, soube muito depois, mora hoje no Vale do Capão, Chapada Diamantina, fazendo o quê não me interessa. Que Deus tenha misericórdia da sua alma!). No dia posterior a minha briga com Portugal, na porta do Bar Boêmia, no bairro do Canela, eu estava encostado em um carro e bebendo uma dose dupla de gim. Gostava de imitar o Buñuel em sua bebida favorita, menos nas três azeitonas que sempre achei coisa de bicha! Rupinol aproximou-se e me pediu um isqueiro. Emprestei o meu, inocentemente. Foi o tempo dele, fingindo acender o cigarro, apertar o isqueiro na mão, deixando uma ponta providencial para fora da mão e me aplicando um soco medonho no canto da boca. O sangue esguichou. Dizem que o tigre é o animal mais covarde em uma luta com outros felinos ou humanos, mas se você fere um tigre e ele prova do sangue.... São famosos os casos de populações inteiras na Índia fustigadas por um tigre ferido e sedento de vingança! O punk correu para dentro do bar lotado de fregueses. Eu saltei o balcão e comecei uma frenética perseguição ao canalha, derrubando mesas e provocando gritos histéricos dos estudantes de teatro, frequentadores assíduos do local (e que bem poderiam estar encenando como paranoicamente pensei). Pouco me importava. Só queria o verme. Ele conseguiu sair do bar e fugir ao longo da parede. Eu desenhei no ar uma tesoura e o acertei em cheio no ombro fazendo-o ralar o rosto e o tronco no cimento chuviscado do muro, a carne exposta e ferida! Ia matá-lo, quando um outro cupincha de Portugal abriu uma pochete, puxou dela uma arma e ameaçou atirar-me caso eu espancasse o punk. O golpe já havia me saciado. Resolvi ceder e deixar pra lá, sem contudo esboçar nenhum medo do sujeito com a arma na mão. Simplesmente me desloquei para o banheiro do bar a limpar o sangue que ensopava minha camisa. Passei pelo esbirro cuja arma na mão parecia tremer e olhei para ele com um desprezo imenso, dando-lhe as costas e o meu desdém. Logo o ambiente voltou à normalidade de sempre. Me recordo de que algumas amigas ainda tentaram me limpar o sangue e me ofereceram carona para uma outra festa, em um bairro distante. Uma dessas amigas se chama
Julienne Costa Ávila e foi testemunha desse episódio grotesco. Uma outra amiga nossa, de nome Gisele, chegou a comentar:    
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_ CASSIANO É MUITO NIETZSCHIANO!
       
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E eu, forçando uma espirituosidade que só depois, miseravelmente, consegui desenvolver, comentei como resposta:
            
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_ Discordo! O Nietzsche é que, talvez, fosse muito cassiânico!
 
Naquela época eu vivia em uma encruzilhada sem saber se iria me tornar um filósofo ou um brutamontes. Virei um brutamontes. Esse texto cru, sem nenhuma poesia, é a prova cabal de que só sou capaz de pensar com meus músculos e com os ferros que trago embaixo da minha fronha!

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3 comentários :

Renato Jorge Araujo disse...

O nome do jornalista era Eduardo Gouveia e há até uma música sobre o fato:
https://www.youtube.com/watch?v=ybv3iWoYKNg

Blog do Cassi disse...

Só vi agora o seu comentário, Renato Araújo. Mande mais detalhes da música!

Renato Jorge Araujo disse...

O link dela eu mandei no comentário.