O título é equívoco. Os primeiros fantasmas, eu os 
experimentei na abertura para o sótão dentro do meu quarto, onde o 
maldito caseiro nunca a fechava completamente. 
Por ali desfilava, no prelúdio do sono, os mais horripilantes fantasmas que podem assustar o ser indefeso que eu era. O lobisomem, a bruxa que comia criancinhas, a mula-sem-cabeça que eu insistia em representá-la com um grande focinho de asno cuspindo fogo pelos olhos vermelhos; todas estas imagens desfilavam pela fresta do sótão ao sabor da brisa noturna que ali escoava. Ainda um broto hirto e trêmulo, minha razão reagia: “é o vento, é o vento quem trás todas estas imagens para dentro do meu quarto.” Agora só havia uma entidade perversa a me atormentar: o vento. Ele estava lá fora rondando a casa, trazia em teu seio uma coleção de simulacros rodopiando e tinha a malévola intenção de me assustar...
Por ali desfilava, no prelúdio do sono, os mais horripilantes fantasmas que podem assustar o ser indefeso que eu era. O lobisomem, a bruxa que comia criancinhas, a mula-sem-cabeça que eu insistia em representá-la com um grande focinho de asno cuspindo fogo pelos olhos vermelhos; todas estas imagens desfilavam pela fresta do sótão ao sabor da brisa noturna que ali escoava. Ainda um broto hirto e trêmulo, minha razão reagia: “é o vento, é o vento quem trás todas estas imagens para dentro do meu quarto.” Agora só havia uma entidade perversa a me atormentar: o vento. Ele estava lá fora rondando a casa, trazia em teu seio uma coleção de simulacros rodopiando e tinha a malévola intenção de me assustar...
O
 fantasma em questão era de carne e osso, precisamente, só de osso e 
ninguém poderia prevê-lo na linda manhã de primavera, anos atrás, no 
salão do colégio onde  u’a maçante reunião se dava. Ali ouvíamos todos, 
em silêncio, a palestra do diretor, um fascista cuja brilhantina nos 
cabelos à luz do vigoroso sol pela janela, mais do que a sua retórica 
empolada, ofuscava os ouvintes inquietos. O diretor estava eufórico. 
Havia lido recentemente um autor alemão de nome Baden, um prosélito do 
escotismo, e estava decidido a fundar um clube de escoteiros entre os 
alunos do colégio. Após a palestra inflamada pediu a minha opinião como 
presidente do grêmio estudantil. Todas as atenções se voltaram para mim.
 Arrogante, prepotente, espirituoso e inteligente - meu quadrunvirato 
dos treze anos que hoje nem sombras sequer deixou - respondi:
-
 Escotismo para mim, senhor diretor, é um grupo de crianças imbecis 
guiadas por um imbecil criança! - Concluí com ironia - a menos que o 
senhor esteja se referindo à filosofia de Duns Scott.
Um
 silêncio brutal desabou sobre o auditório. Uma das professoras que 
nutria por mim grande simpatia convidou-me para sair. Em poucas palavras
 pediu-me que arrumasse a pasta e fosse para casa. Ao dobrar a esquina 
da minha rua vi os meus pais esperando-me na porta de casa. Um 
telefonema adiantara-lhes a trágica notícia: eu estava expulso do 
colégio. Estive a ponto de pular de alegria mas contive-me em respeito 
ao meu pai. Ele era um eminente membro da maçonaria e sua intervenção 
diplomática fizera o diretor do colégio reconsiderar a minha expulsão. 
Eu seria readmitido no seio da augusta instituição sob a condição de 
ingressar-me nas fileiras do escotismo demonstrando com esse gesto a 
intempestividade das minhas opiniões. Não tive escolha nem pude evitar 
as longas noites insones quando a minha mente laboriosa carpia as mais 
terríveis vinganças... “Otiosa Mens, Labro Demos.”
Com
 o plano de vingança arquitetado fui um entusiasta defensor do escotismo
 e o projeto de uma excursão até as ruínas do povoado que dera origem a 
nossa cidade coroou-se com as filigranas da minha retórica e com o 
clamor dos meus aplausos. A construção de uma rodovia em meados do 
século fizera com que os habitantes se mudassem para as margens da 
estrada núncia do progresso e em breve o bosque se apossou das velhas 
casas abandonadas atrás da serra. Iríamos até lá, intrépidos escoteiros,
 prestarmos uma homenagem aos heróicos antepassados. Sugeri que a 
bandeira do nosso clube fosse fincada no antigo cemitério onde repousava
 os ossos imortais dos bandeirantes primevos. O diretor exultou-se com 
esta venerável sugestão e a excursão sairia no próximo domingo. O meu 
plano de vingança era ingênuo e inescrupuloso. No sótão da minha casa, 
dentro de um baú, as fantasias que a família usava nos antigos e 
suntuosos bailes de carnaval descansavam em paz. Entre elas havia uma 
roupa de esqueleto,  u’a malha preta que vestia o folião da cabeça aos 
pés e pintado sobre ela, em branco fluorescente, um esqueleto humano que
 era tudo a se ver quando o usuário desfilava por um corredor escuro. 
Senti estar exumando um cadáver quando retirei aquela fantasia do baú lá
 no sótão tenebroso. As lembranças da minha infância aterrorizada 
percorreram minhas vértebras como asas de um morcego. Desci as escadas 
correndo com a fantasia na mão e chamei Esmeraldo, o filho da minha ama 
que vivia entre nós como um irmão.
- Quero que 
você use isso no domingo. Espere-nos lá no cemitério da vila antiga e 
quando a escuridão cair sobre o acampamento, uive, grite todos os 
palavrões que souber, quero meus colegas idiotas e o nosso guia com o 
crânio arrepiado de tanto pavor. - Dizendo-lhe assim ensaiamos toda uma 
noite as fantasmagorias que iriam celebrar minha vingança.
No
 domingo partimos. Eu estava ridículo com aquela roupa de escoteiro e 
elido assim todas as imagens do passeio. No final da tarde, cansados e 
famintos, chegamos às ruínas do povoado. Erguemos o acampamento próximo 
ao cemitério onde, na manhã seguinte, iríamos fincar a gloriosa 
bandeira. Ao entardecer, após um banho de cachoeira, tratamos de acender
 uma fogueira e em volta dela comecei a contar estórias de terror 
visando preparar o espírito de minhas vítimas:
- ...Tenho
 um tio que mora no Peru e trabalhou na Universidade de Lima como 
assistente de um famoso arqueólogo, Juan Hernandez Cavahuesos. Um dia 
foram os dois explorar uma gruta onde havia fortes indícios de um 
cemitério Inca. Os feiticeiros deste povo eram enterrados em grutas 
distintas, separados dos mortais comuns. Começara a escurecer quando os 
dois descobriram a entrada da gruta e, ansioso, Juan Hernandez não quis 
esperar o dia seguinte em explorá-la. Os conselhos do meu tio soaram em 
vão. Hernandez desceu com uma lanterna. Meu tio Gomes segurava a ponta 
da corda e um microfone que permitia a ambos comunicarem-se. Após 
angustiantes minutos de silêncio meu tio ouviu a voz do Arqueólogo:
- É assombroso, Gomes!
- Que passa?
- Não acredito! Estão se movendo! Múmias! Meu Deus!
-Hernandez ! Volte! - Meu tio gritava ao microfone. Pela voz do arqueólogo pressentia-se algo abominável.
-
 DEUS ME DEFENDA! SOCORRO! NÃO! AHHH!...Seguiu-se um abrupto silêncio 
como uma ducha subitamente desligada. A corda tremia nas mãos do meu 
tio; ele quis descer, mas, congelado de pavor, tudo o que conseguia era 
gritar ao microfone com voz hebefrênica:
 -
 HERNANDEZ! HERNANDEZ! HERNANDEZ!-
Quando então ele ouviu pelo microfone
 a voz que o atormenta até hoje na clínica onde está internado tratando 
dos nervos. Uma voz inumana como se provinda das mais recônditas e 
maléficas estrelas:
- HERNANDEZ ESTÁ MORTO, SEU BOSTA!
-
 Meu tio, em estado de choque, puxou a corda. Seus instintos fizeram 
isso e ele viu surgir na outra extremidade o esqueleto do jovem 
professor ainda pingando sangue...
Os 
escoteiros mais jovens, chamados lobinhos, ficaram de olhos arregalados.
 Os mais velhos sorriram sem disfarçarem, contudo, a inquietude 
inspirada menos pela minha estória, mais pela atmosfera noturna cujas 
trevas começavam a envolver o cemitério. O diretor estava ocupado demais
 com o jantar que borbulhava no caldeirão não emitindo nenhum sinal de 
atenção às minhas fábulas. Quando estávamos todos em fila indiana com as
 tigelas na mão ouvimos um ruído de correntes arrastando-se sobre as 
pedras dos túmulos. O diretor deixou cair a colher no chão. Um grito de 
dor rasgou o rocio da noite:
- UHHHH! Salvem a minha alma! Uhhh... - Era Esmeraldo começando o seu número.
- Quem está aí? - Gritou o corajoso diretor.
-Alguém que não tem paz, tão quente é o azeite derramado sobre a minha alma lá no inferno, uhhh!...
Os
 escoteiros agruparam-se incontinentes em volta do diretor. Súbito, 
sobre as pedras, surgiu o esqueleto fluorescente à trinta metros de 
distância. Ele blasfemava, invocava legiões de demônios e arrastava a 
corrente sonante. No fundo negro do bosque o esqueleto configurava 
danças macabras e parecia estar se aproximando. O diretor, talvez por 
não acreditar na proteção daquelas frágeis criaturas, seus alunos, foi o
 primeiro a sair correndo pelo matagal - derrubou as panelas do jantar e
 duas barracas de dormir. Os escoteiros abandonados reagiram como era de
 se esperar. Fugiram em pânico por todas as direções embrenhando na mata
 suas faces transtornadas pelo horror. Eu não conseguia conter o riso. 
Dirigi-me aos fundos do cemitério, atrás do muro em ruínas onde combinei
 encontrar Esmeraldo e dividir com ele o mel da vingança. Esperei um 
longo tempo e ele não apareceu. Deveria estar nas ruínas do vilarejo 
trocando de roupas, pensei. Sabia em que direção ficava o vilarejo e 
resolvi ir até lá. O mato era cheio de trilhas e aventurei-me por uma 
delas. Lamentei depois não ser um verdadeiro escoteiro, pois não 
demorei  muito naquela noite sem luar para descobrir-me perdido. 
Definitivamente não sabia onde estava a antiga vila nem o caminho de 
volta ao cemitério. Pensei em gritar socorro e percebi ser vítima da 
minha própria vingança: meus gritos só iriam acentuar o pânico entre 
eles, os escoteiros, e nenhum socorro haveria. Era melhor esperar um 
pouco. Não fosse a fome torturante e eu poderia esperar até o sol raiar.
 Sentei-me sobre uma pedra coberta de musgo próxima de um filete de 
água, levemente arrependido de minhas perversões. Então, como se tivesse
 saído de dentro do minúsculo riacho, vi um esqueleto curvado sobre a 
água. Era Esmeraldo saciando a seda que a malha quente provocava, 
pensei.
- Obrigado por dar-me a vida! - Disse-me ele com uma voz cadavérica.
- Sou eu, Esmeraldo, pode tirar a máscara. O plano funcionou melhor do que esperávamos.
O
 vulto aproximou-se na escuridão. Seus ossos não brilhavam como antes, 
talvez pela ausência absoluta de luz. Próximo de mim Esmeraldo pediu: 
- Acenda o meu cigarro! 
Só
 restava-me um palito de fósforo e nem me lembrei que Esmeraldo não 
fumava. Acendi o fósforo e então... Oh, Deus! Oh, visão maldita e 
inesquecível! Dentro da ilha de luz envolvendo o cigarro vi os ossos  
envelhecidos  sem nenhuma carne ou malhas a envolvê-los. Um arrepio 
subindo pelas vértebras atingiu-me a raiz dos meus cabelos. “Isto é um 
pesadelo!”, Quis gritar, mas não consegui. O esqueleto tocou no meu 
rosto seus ossos frios e pontiagudos. Disse-me com voz agradecida:
- Obrigado, meu pai!
Dei
 um pulo como se uma descarga elétrica houvesse naqueles dedos. Corri 
com todas as forças dos meus treze anos. Arranquei folhas e arbustos, 
feri o rosto sem senti. Minutos depois, quase sem fôlego, vi as ruínas do
 cemitério e a fogueira do acampamento. Contive o meu terror e simulei, 
não sei como, uma plácida serenidade. Todos me olhavam com expressões 
severas. Esmeraldo estava sentado perto da fogueira vestido apenas com 
um calção.
- Que palhaçada, Cassiano! - 
Repreendeu-me o diretor. - Desta vez não há maçonaria que lhe salve. 
Você está definitivamente expulso do colégio!
- O que aconteceu, Esmeraldo? - Tive a coragem de perguntar.
-
 Um dos meninos, na fuga, caiu dentro de uma vala e torceu o tornozelo. 
Ele gritava de dor e eu me senti muito culpado. Tirei a fantasia e dei 
socorro.
Fiquei em silêncio, depois pedi 
desculpas ao garoto acidentado. Serviram-me um resto de jantar com tanto
 rancor nos olhos que temi estar a comida envenenada. Resignei-me com a 
expulsão irrevogável, mas não consegui dormir aquela noite. A visão que 
tive na floresta havia deixado minha alma insensível a qualquer outro 
problema. Que significava uma expulsão, um tornozelo partido diante da 
visão que a pouco havia tido? A vaga possibilidade de um engano, de ser 
aquela visão uma farsa de meus colegas fazendo-me provar um pouco do meu
 veneno fora a esperança a conciliar-me o sono. Tive pesadelos a noite 
inteira e de volta para casa, no dia seguinte, todos creditavam a 
expressão envelhecida e circunspecta do meu rosto à expulsão definitiva e
 respeitaram o meu silêncio. Meus pais estavam viajando e eu teria 
alguns dias a preparar-lhes o espírito. Recusei o almoço e subi ao meu 
quarto. Tomei um banho frio. Desabei sobre a cama e tive um sono 
profundo, sem sonhos. Acordei já noite feita com um estranho zumbido em 
meus ouvidos. Acendi as luzes do quarto no interruptor ao lado da cama. 
Olhei para a minha escrivaninha e sentado jocosamente sobre ela estava o
 esqueleto. Desta vez eu gritei. Gritei com todas as forças do meu 
peito.
- Pode gritar. Seus pais estão viajando e ninguém nos ouvirá! - Disse-me ele aparentemente limpando invisíveis unhas.
- Você não existe! Isto é um pesadelo! - Corri até a porta do quarto e a encontrei fechada. O esqueleto gargalhava.
-
 Existo sim e por sua causa. Você criou-me com a força da sua 
imaginação. Basta que duas pessoas acreditem numa ficção para ela se 
tornar realidade. E mais de um escoteiro acreditou em mim. Agora eu 
quero alimento para sobreviver.
Descobri que 
aquele ser possuía um poder imenso sobre mim. Um pai que gera um filho 
monstruoso não poderia ter mais náuseas e piedade do que eu. Era 
necessário lhe obedecer.
- Que tipo de alimento? Você não tem estômago!
-
 Eu me alimento de sonhos, seu banana! Vou lhe explicar como é isso. 
Todas as pessoas carregam sonhos consigo e poucas são as que perseveram 
até o fim. A maioria desiste no caminho. Quando isso acontece o sonho 
murcha e como uma seiva volta ao fundo da terra. Dizemos que ele é 
enterrado no local onde se consumou a desilusão e a renúncia. Eu sei 
destes lugares, mas não posso cavar a terra. Apanhe uma pá e venha 
comigo.
Tudo o que ele dizia era grotesco como o 
seu próprio ser. Tanta pertinência só aumentava o grau de realidade. Eu 
não precisava entendê-lo muito bem para obedecer. Meus ossos ressentiam 
uma grande afinidade com aquele ser e encontrei-me servindo seus 
propósitos insólitos. Caminhamos à noite pelos fundos de um quarteirão e
 o ridículo que era ser visto com uma pá nos ombros e falando sozinho 
era pouco constrangimento perto daquele ente cujos ossos estalavam com 
um som nauseante. Chegamos a um jardim. Um cão rosnou, mas ao pressentir
 meu companheiro macabro, arrepiou-se todo e se escondeu nos fundos da 
casa. Era a residência de um comerciante. Sua esposa tinha sido 
bailarina na juventude, mas abandonara a profissão para casar-se com o 
dono do profanado jardim.
- Cave aqui! - Disse-me
 ele apontando um local. 
Obedeci. Vinte minutos depois, gotejando suor, 
vi uma fina coluna de fumaça evolar da terra úmida. Uma névoa se formou e
 dentro dela  u’a moça em trajes de bailarina esboçava movimentos 
etéreos e ritmados. Parecia-me ouvir ao longe uma música feérica. O 
esqueleto saltou sobre a névoa e aspirou-a como um louco “haschinchin” a
 tragar fumaça de cânhamo. A névoa incorporou-se dentro daqueles ossos e
 senti meu hóspede embriagado de alegria dançando passos insanos sob a 
relva do jardim. Durante uma semana esta cena se repetiu. Meu hóspede 
faminto vinha reclamar a ambrosia do espírito e minhas mãos calejadas 
não tinham tempo de descansar. Quase todo mundo tinha seus sonhos 
enterrados no quintal: estrelas de televisão, astros do esporte, 
pintores magníficos... Nada escapava ao apetite do meu onívoro 
companheiro. Embora fascinado pelas fabulosas visões que esta servidão 
me proporcionava, era como um pesadelo que eu a vivia e passei meus dias
 pensando desesperadamente  u’a maneira de ver-me livre. Finalmente uma 
idéia surgiu. Tive um professor de literatura que era o mais mórbido 
homem do meu círculo de conhecidos. Seus hinos em louvor à morte era um 
corrosivo e sublime veneno aos entusiastas da vida e por três vezes ele 
tentara o suicídio tão convicto estava de ser a vida uma esperança 
miserável, um sonho combalido. Vivia apaixonado por  u’a mulher 
misteriosa a quem ele escrevia centenas de cartas sem nunca receber uma 
resposta. Um dia, inadvertidamente, essa mulher apareceu na porta de sua
 casa com duas malas na mão. Havia abandonado tudo para viver com o 
homem que a amara em páginas inesquecíveis. Pela primeira vez o vimos 
sorrir. Suspeitei que os mórbidos sonhos do professor estivessem agora 
soterrados no seu jardim, que a morte tivesse feito ali o seu frio 
ninho. Falei sobre este professor ao meu fóssil ambulante. Sonhos 
literários era o seu prato preferido. Filho de uma cena dramática, meu 
fantasma revelou-se profundamente edipiano. Quando, mentindo para ele, 
falei das grandes tragédias, das comédias, dos roteiros épicos que meu 
professor almejava escrever seus ossos tremeram de desejo.
- Vamos até lá, agora! - Disse-me estalando os ossinhos da mão.
Nesta
 noite cavei como um condenado. Sugeri ao faminto companheiro que 
ficasse bem próximo da escavação para não perder um detalhe sequer da 
obra-prima ali enterrada. Ele aquiesceu filosoficamente:
- Nas obras-primas o saboroso são os detalhes!
Meu
 coração batia acelerado. Esperava religiosamente que a morte estivesse 
ali enterrada a poucos palmos de profundidade. Felizmente eu não me 
enganara. Aos primeiros sinais da névoa onírica o esqueleto caiu com os 
maxilares na terra e, sem permitir que eu visse a cara da morte, sugou 
todos os sonhos como uma velha libertina. Ergueu-se depois com a 
cavidade dos olhos brilhando de ódio e gritou com um timbre medonho:
-
 FUI  ENVENENADO! - Em seguida se desfez em uma branca poeira que a 
brisa noturna cuidou de dispersá-la. 
Escrevi esta estória sem o menor 
entusiasmo. Temo inopinadamente que um jovem leitor venha a crer em tudo
 o que escrevi - então seríamos dois e estaríamos perdidos com esse 
fantasma redivivo. Aos censores do espírito sugiro que ela seja indicada
 como uma fábula escotista.
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
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