Em
Ygdrasil, uma outra dimensão espacial, paralela a esta que vivemos, a
força da gravidade era milhares e milhares de vezes menor do que a que
aqui experimentamos.
Para que um corpo como o nosso pudesse ter a mesma
experiência de peso que temos aqui na terra, seria preciso que toda a
matéria deste universo estivesse unida em um grande e infinito (até onde
pudesse ser medido) corpo planetário. E
era o que de fato acontecia por lá. Não sendo a gravidade forte o
suficiente para curvar o espaço, o gigantesco e ilimitado planeta de
mesmo nome se estendia por vastidões inconcebíveis de se imaginar. Uma
terra plana, que ninguém saberia dizer onde terminaria, nem onde
começava. Diferente do nosso, formado por galáxias e aglomerados de
galáxias sem fim, onde predomina a forma circular, Ygdrasil era
eternamente plana, com toda a massa cósmica agrupada em um platô
absurdamente extenso. Não sendo capaz de curvar o espaço, como já
dissemos, a gravidade não se concentrava em um ponto central do planeta,
mas se distribuía uniformemente por todo o corpo sideral (algo parecido
com a força forte que une os nêutrons no núcleo do átomo, mas que, a
partir de uma certa quantidade de partículas agrupadas, se enfraquece,
torna o núcleo do átomo instável e desaparece, pondo limites ao tamanho e
natureza do átomo). A matéria de Ygdrasil era praticamente como a
nossa, assim também como seus átomos, moléculas, e compostos orgânicos,
pelo menos até onde se pudesse saber, pois, sua condição de ilimitado
deixava sempre em aberto a possibilidade de algo diferente existir para
além dos bilhões e bilhões de quilômetros de um simples continente ou
oceano que por lá houvesse. O céu também era parecido com o nosso, com a
diferença de não haver astros, estrelas ou outros planetas pendurados
por lá, visto que toda a matéria estava coesa em um único aglomerado.
Havia, entretanto, no lugar de sóis, luas e estrelas, infinitos jatos de
matéria luminosa e flamejante que era justamente a matéria dessa nossa
dimensão, onde se localiza a terra, que, tragada pelos nossos
incontáveis buracos negros, era despejada em turbilhões e fornalhas
incandescentes por todo o céu de Ygdrasil, formando simulacros de sóis e
estrelas de beleza indescritível e iluminando, em graus que dependia da
proximidade de um desses buracos-brancos, vastas dimensões do chão
Ygdrasiense. Talvez isso pudesse explicar como a matéria de Ygdrasil era
absolutamente a mesma do nosso universo, ou talvez fosse apenas a
superfície que possuísse a matéria decantada durante bilhões de anos em
suave queda gravitacional, enquanto por baixo, a centenas de metros da
superfície, habitasse outra coisa diferente, ignominiosa e brutal.
Quando muito próximo, o buraco branco parecia um sol e, como tal,
iluminava e aquecia milhões de quilômetros quadrados de área onde a vida
poderia pulular e efervescer, mas poderia haver buracos brancos muito
próximos do solo ( vimos que a gravidade não era capaz de grandes coisas
por lá) e outros milhões de quilômetros serem ressequidos, torrados e
eternamente em chamas como continentes infernais. Em outros quadrantes,
poderia não haver sol nenhum, noites eternas pontilhadas de buracos
brancos distantes, e outros quadrantes onde brilhasse um sol no
horizonte, para todo sempre mergulhado em um crepúsculo glacial. O tempo
que a matéria jorrada pelos buracos brancos levava para cair no solo de
Ygdrasil, considerando a razão quase infinitesimal de sua gravidade no
espaço, permitia que esses jatos de luz durassem uma eternidade. Em
tese, considerando sua extensão ilimitada e o número gigantesco de
espécies vivas que já existiram aqui no nosso planeta, podemos dizer que
lá haveria espaço para toda e qualquer forma de vida imaginável
existir, planícies e cordilheiras tão astronomicamente longas que um
tigre dente de sabre poderia habitar seus vales e, antes de terminar tal
recorte geográfico de milhões de milhas quadradas, já ter evoluído para
um tigre de bengala na extremidade oposta, sem contudo ter extinto o
dente-de-sabre que ficara para trás. Quem saberia onde iria desembocar
tal rio e, neste oceano onde ele viesse a desaguar, qual seria a próxima
margem? Quando uma cordilheira mergulhava no mar, quem saberia
responder se ela não ressurgiria vinte milhões de kilômetros depois, em
outra placa terrestre, sob uma nova lua violácea, habitada por pássaros
abomináveis? Quantos povos, e povos eram fatos comprovados pelas ruínas
encontradas de cidades rudimentares nos desertos de Asklethor, estariam
hoje migrando a mundos e mundos além de terra e mar e ilhas e
pastagens, mudando de carroças para carros motorizados, e destes para
aviões e naves, evoluindo, se desenvolvendo como civilização sem nunca
encontrar um ponto de repouso, há milhões de anos nessa aventura capaz
de fazer dos nossos polinésios e suas jangadas no pacífico um mero
arremedo de turismo ou brincadeira de crianças no quintal? E se duas
civilizações viessem a se encontrar em seus fluxos migratórios, sem que
tivessem tido uma origem comum, ou vindos de braços separados na aurora
dos tempos a bilhôes de kilômetros e milhôes de anos atrás? Se
reconheceriam pelo menos visualmente? Provavelmente ocupariam áreas
circulares no espectro de um grande sol que os aquecesse e mantivesse as
condições de vida favoráveis, em milênios de adaptação e evolução, até
conseguirem a tecnologia para se aventurarem pelas vastidões de terra
escura e congelada onde nenhum buraco-branco brilhasse por perto, já
sabendo onde haveria um outro, e outros pedaços infinitos de mundo para
habitar, quem sabe mesmo usando de foguetes e sondas espaciais para
sobrevoar os inconcebíveis oceanos de peixes bizarros, vistos por uma
segura escotilha de uma astronave a deslizar? As respostas para estas
questões, ou pelo menos para alguma delas, iremos encontrar se seguirmos
os passos daquele humanóide coberto com um longo manto acetinado, feito
um monge, montado em um equino de seis patas, cruzando o deserto de
Asklethor. É um imortal. Caçadores de uma rara planta de frutos amarelos
cujo sumo é capaz de prolongar por várias décadas a vida de quem sabe
colher e prepará-lo. Tempo suficiente até que ele possa encontrar outra e
quem sabe descobrir qual a razão delas não serem cultiváveis, só
nascendo exatamente em determinados e inexplicáveis locais. Quem
descobrisse o segredo dessa planta conquistaria a imortalidade
definitiva. Dizem, inclusive, que já foi descoberta, e que haveria uma
comunidade de imortais ao longo de um escuro vale nos contrafortes de
Tub-shakringar, e parece que era para lá que o monge se dirigia, mas
antes ele deveria encontrar outro exemplar dessa planta, Hyluína, como
era chamada, para ter uma sobrevida que lhe permitisse, a ele e a seu
cavalo, viver o tempo de atravessar a península escura de Brenthior,
onde o sol espiralado não brilhava mais e chegar, 30 anos depois, aos
vales escuros de Tub-Shakringar.
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₢ Cassiano Ribeiro Santos Dumont.
₢ Cassiano Ribeiro Santos Dumont.
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