segunda-feira, 12 de outubro de 2015

AO INFINITO E ALÉM - I PARTE


Em Ygdrasil, uma outra dimensão espacial, paralela a esta que vivemos, a força da gravidade era milhares e milhares de vezes menor do que a que aqui experimentamos.
Para que um corpo como o nosso pudesse ter a mesma experiência de peso que temos aqui na terra, seria preciso que toda a matéria deste universo estivesse unida em um grande e infinito (até onde pudesse ser medido) corpo planetário. E era o que de fato acontecia por lá. Não sendo a gravidade forte o suficiente para curvar o espaço, o gigantesco e ilimitado planeta de mesmo nome se estendia por vastidões inconcebíveis de se imaginar. Uma terra plana, que ninguém saberia dizer onde terminaria, nem onde começava. Diferente do nosso, formado por galáxias e aglomerados de galáxias sem fim, onde predomina a forma circular, Ygdrasil era eternamente plana, com toda a massa cósmica agrupada em um platô absurdamente extenso. Não sendo capaz de curvar o espaço, como já dissemos, a gravidade não se concentrava em um ponto central do planeta, mas se distribuía uniformemente por todo o corpo sideral (algo parecido com a força forte que une os nêutrons no núcleo do átomo, mas que, a partir de uma certa quantidade de partículas agrupadas, se enfraquece, torna o núcleo do átomo instável e desaparece, pondo limites ao tamanho e natureza do átomo). A matéria de Ygdrasil era praticamente como a nossa, assim também como seus átomos, moléculas, e compostos orgânicos, pelo menos até onde se pudesse saber, pois, sua condição de ilimitado deixava sempre em aberto a possibilidade de algo diferente existir para além dos bilhões e bilhões de quilômetros de um simples continente ou oceano que por lá houvesse. O céu também era parecido com o nosso, com a diferença de não haver astros, estrelas ou outros planetas pendurados por lá, visto que toda a matéria estava coesa em um único aglomerado. Havia, entretanto, no lugar de sóis, luas e estrelas, infinitos jatos de matéria luminosa e flamejante que era justamente a matéria dessa nossa dimensão, onde se localiza a terra, que, tragada pelos nossos incontáveis buracos negros, era despejada em turbilhões e fornalhas incandescentes por todo o céu de Ygdrasil, formando simulacros de sóis e estrelas de beleza indescritível e iluminando, em graus que dependia da proximidade de um desses buracos-brancos, vastas dimensões do chão Ygdrasiense. Talvez isso pudesse explicar como a matéria de Ygdrasil era absolutamente a mesma do nosso universo, ou talvez fosse apenas a superfície que possuísse a matéria decantada durante bilhões de anos em suave queda gravitacional, enquanto por baixo, a centenas de metros da superfície, habitasse outra coisa diferente, ignominiosa e brutal. Quando muito próximo, o buraco branco parecia um sol e, como tal, iluminava e aquecia milhões de quilômetros quadrados de área onde a vida poderia pulular e efervescer, mas poderia haver buracos brancos muito próximos do solo ( vimos que a gravidade não era capaz de grandes coisas por lá) e outros milhões de quilômetros serem ressequidos, torrados e eternamente em chamas como continentes infernais. Em outros quadrantes, poderia não haver sol nenhum, noites eternas pontilhadas de buracos brancos distantes, e outros quadrantes onde brilhasse um sol no horizonte, para todo sempre mergulhado em um crepúsculo glacial. O tempo que a matéria jorrada pelos buracos brancos levava para cair no solo de Ygdrasil, considerando a razão quase infinitesimal de sua gravidade no espaço, permitia que esses jatos de luz durassem uma eternidade. Em tese, considerando sua extensão ilimitada e o número gigantesco de espécies vivas que já existiram aqui no nosso planeta, podemos dizer que lá haveria espaço para toda e qualquer forma de vida imaginável existir, planícies e cordilheiras tão astronomicamente longas que um tigre dente de sabre poderia habitar seus vales e, antes de terminar tal recorte geográfico de milhões de milhas quadradas, já ter evoluído para um tigre de bengala na extremidade oposta, sem contudo ter extinto o dente-de-sabre que ficara para trás. Quem saberia onde iria desembocar tal rio e, neste oceano onde ele viesse a desaguar, qual seria a próxima margem? Quando uma cordilheira mergulhava no mar, quem saberia responder se ela não ressurgiria vinte milhões de kilômetros depois, em outra placa terrestre, sob uma nova lua violácea, habitada por pássaros abomináveis? Quantos povos, e povos eram fatos comprovados pelas ruínas encontradas de cidades rudimentares nos desertos de Asklethor, estariam hoje migrando a mundos e mundos além de terra e mar e ilhas e pastagens, mudando de carroças para carros motorizados, e destes para aviões e naves, evoluindo, se desenvolvendo como civilização sem nunca encontrar um ponto de repouso, há milhões de anos nessa aventura capaz de fazer dos nossos polinésios e suas jangadas no pacífico um mero arremedo de turismo ou brincadeira de crianças no quintal? E se duas civilizações viessem a se encontrar em seus fluxos migratórios, sem que tivessem tido uma origem comum, ou vindos de braços separados na aurora dos tempos a bilhôes de kilômetros e milhôes de anos atrás? Se reconheceriam pelo menos visualmente? Provavelmente ocupariam áreas circulares no espectro de um grande sol que os aquecesse e mantivesse as condições de vida favoráveis, em milênios de adaptação e evolução, até conseguirem a tecnologia para se aventurarem pelas vastidões de terra escura e congelada onde nenhum buraco-branco brilhasse por perto, já sabendo onde haveria um outro, e outros pedaços infinitos de mundo para habitar, quem sabe mesmo usando de foguetes e sondas espaciais para sobrevoar os inconcebíveis oceanos de peixes bizarros, vistos por uma segura escotilha de uma astronave a deslizar? As respostas para estas questões, ou pelo menos para alguma delas, iremos encontrar se seguirmos os passos daquele humanóide coberto com um longo manto acetinado, feito um monge, montado em um equino de seis patas, cruzando o deserto de Asklethor. É um imortal. Caçadores de uma rara planta de frutos amarelos cujo sumo é capaz de prolongar por várias décadas a vida de quem sabe colher e prepará-lo. Tempo suficiente até que ele possa encontrar outra e quem sabe descobrir qual a razão delas não serem cultiváveis, só nascendo exatamente em determinados e inexplicáveis locais. Quem descobrisse o segredo dessa planta conquistaria a imortalidade definitiva. Dizem, inclusive, que já foi descoberta, e que haveria uma comunidade de imortais ao longo de um escuro vale nos contrafortes de Tub-shakringar, e parece que era para lá que o monge se dirigia, mas antes ele deveria encontrar outro exemplar dessa planta, Hyluína, como era chamada, para ter uma sobrevida que lhe permitisse, a ele e a seu cavalo, viver o tempo de atravessar a península escura de Brenthior, onde o sol espiralado não brilhava mais e chegar, 30 anos depois, aos vales escuros de Tub-Shakringar.

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₢ Cassiano Ribeiro Santos Dumont.
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