ORGANOGRAMA DE EXECUÇÃO
PRODUTOR EXECUTIVO (Rada Rezedá): Articular contatos e consultas com produtoras do Brasil e
do Exterior. No âmbito das Comemorações do iminente Bicentenário da Independência
do Brasil, vender um projeto de cunho ufanista, glorificando a memória e a
cultura do Norte-Nordeste Brasileiro (onde, de fato, aconteceu a sangrenta Independência
do Brasil); Administrar o uso dos recursos e da prestação de Contas, dividindo
minoritariamente com o Proponente a responsabilidade pela gestão adequada e
eficiente destes recursos; Acompanhar o desenvolvimento do Projeto em sintonia
com a SECULT e representá-lo em pitchings e rodadas de negócios em eventos do
Audiovisual (Sobre a sua remuneração incidirá os gastos com uma viagem, em data
propícia e dentro do calendário estabelecido, a outro estado da Federação para
apresentação do Roteiro e Projeto quando finalizado. Incluem-se nessa reserva
todas as despesas à viagem associadas) e, opinar, durante a elaboração do
Roteiro, sobre a viabilidade e adequabilidade deste em função de orçamentos
futuros de produção e vieses temáticos pressupostos por eventuais parceiros
(incluindo “merchandising”!)
DIRETOR(a) (Tábita Rezedá) – Reunir a equipe virtualmente e definir as
pautas de trabalho. Coordenar à distância as fases interativas de elaboração do
Roteiro. Gerenciar a produção do material gráfico e sua posterior distribuição
a um cast de produtoras nacionais e internacionais (sob sua remuneração
incidirá os custos de postagem de 50 cópias do Roteiro finalizado e produzido com
recursos de rubrica própria, constante no orçamento apresentado); Agenciar
imprevistos e ações relativas à produção do projeto, como deslocamentos,
arquivamento e back-ups, providenciar editoração e administrar o conteúdo da
divulgação em sintonia com a assessoria de Imprensa. Supervisionar as fases de
Revisão e tradução do Roteiro finalizado.
STORY-BOARD (Salomão Zalcbergas) – Produzir decupagens da cenas do Roteiro e
desenhar os componentes desta em função de funções específicas de posterior
produção e filmagem, como ângulos e deslocamento de câmera, adereços e
vestuário, continuísmo de edição e iluminação. O Story-Board deve também
funcionar como uma ilustração fidedigna do Roteiro facilitando a sua apreciação
e compreensão por parte de eventuais produtores, daí sua imperiosa inclusão no
material gráfico finalizado e distribuído.
ROTEIRISTA & PROPONENTE (Cassiano Ribeiro Santos)): Ser o responsável por definir
as táticas de desenvolvimento do roteiro. Seu objetivo principal é conseguir um
roteiro que conte uma história que resulte interessante ao público-alvo definido
pelo Produtor Executivo (e que logo se concretizará no plano de marketing). Elaborar
perfis biográficos das personagens, pesquisar e criar as cenas em sua
completude, cuidando da organicidade das cenas e responsável pela coerência e
assimilação da narrativa. dar o formato adequado à premissa, à sinopse, ao
tratamento, à escaleta e ao roteiro cinematográfico, atento a função e a finalidade
de cada documento, assim como conduzir a narrativa cinematográfica em sintonia
com os conceitos básicos de produção, direção, arte, sonoplastia, fotografia e
montagem.
ASSESSORIA DE IMPRENSA (Yin Yee Ng Carneiro de Souza) – Gerenciar a criação, conteúdo e manutenção do site sobre o Projeto e sua
divulgação neste site específico, nas redes sociais e nos órgãos institucionais
criar uma network de discussão e envolvimento do projeto com a classe artística
e produtora do Audiovisual local e nacional. Elaborar releases e comunicação
com a Secult.
PENTESILÉIA
₢ Domínio público
NA ADAPTAÇÃO PRETENDIDA DESTA PEÇA PARA
O PROJETO DE LONGAMETRAGEM
“AMAZONAS NO SERTÃO”, AS PERSONAGENS
SERÃO SUBSTITUÍDAS PELOS
PROTAGONISTAS DO CANGAÇO, COM LIBERALIDADE NO ENREDO, NOS DIÁLOGOS E
NOS CENÁRIOS SEMPRE VISANDO A MIMESIS DA
OBRA CLÁSSICA EM FUNÇÃO
DA HISTÓRIA BRASILEIRA!
ATO I: PRÓLOGO
cena 1.
Seguidos por seus séquitos, entram Ulisses, por um
lado, e Antíloco, pelo outro. Depois Diomedes e, mais tarde, Aquiles com
mirmidões.
Antíloco. Salve, rei! Como está indo a guerra desde que nos separamos nas
muralhas de Tróia?
Ulisses. Mal, Antíloco. Olhe a planície! As tropas das amazonas e dos
gregos sangram-se como lobas raivosas sem nem mesmo saber por quê. Se os deuses
não pararem a carnificina, elas vão se despedaçar sem arredar pé, os dentes de
uma cravados na garganta da outra.
Antíloco.
Mas o que querem essas amazonas?
Ulisses. Aconselhado por Agamemnon, eu e Aquiles, o filho de Peleu,
partimos com a tropa dos mirmidões. Corria o boato que Pentesiléia tinha saído
das florestas da Cítia com suas amazonas - suas guerreiras protegidas por peles
de serpente - e trazia para Tróia seu bando ávido de sangue para libertar
Príamo. Chegando à margem do Escamandro, soubemos que Deífobo, o filho de
Príamo, acabava de sair de Tróia com sua tropa para saudar a
rainha que veio em sua ajuda. Redobramos o passo, a noite inteira, para impedir
essa perigosa aliança. Sabe, Antíloco, o que vislumbramos ao primeiro raio da
manhã? Num grande vale, bem à nossa frente, o exército das amazonas em luta
contra os troianos de Deífobo. Como um furacão rasgando as nuvens, Pentesiléia
estraçalha as fileiras troianas.
Antíloco.
É muito estranho!
Ulisses. Cerramos fileiras, para agüentar o choque dos troianos em fuga.
Vendo isso, Deífobo, desconcertado, pára. Após rápida deliberação, decidimos
saudar a rainha das amazonas. Se ela havia suspendido sua corrida vitoriosa,
não era a coisa mais acertada a fazer? Essa jovem que nos cai do céu, pronta
para o combate, e se mete em nossa briga, deve tomar partido por um dos lados.
Se ela se revela inimiga dos troianos, somos obrigados a pensar que é nossa
amiga.
Antíloco.
É evidente!
Ulisses. Espere...! Aquiles e eu encontramos a heroína da Cítia adornada
de luz guerreira, como para uma festa. Por um momento, ela nos olha, pensativa,
sem expressão, como se fôssemos estátuas de pedra. De repente, o seu olhar cai
sobre o filho de Peleu e ela fica vermelha como se o mundo a sua volta
estivesse em chamas. Num impulso, ela pula do cavalo, olha Aquiles com um olhar
sombrio, joga
as
rédeas para a escudeira e pergunta
por que viemos
ao seu encontro com escolta tão pomposa. Explico-lhe que nós, os gregos,
muito nos alegramos em encontrar uma inimiga dos troianos e mostro-lhe as
vantagens, para ela e para nós, de uma aliança. Enquanto falo, noto, surpreso,
que ela nem me escuta. De repente, com o ar de espanto de uma virgem de
dezesseis anos, ela se volta para uma amiga a seu lado e grita: “Protoé, minha
mãe jamais deve ter encontrado um homem assim!”. Perturbada, sua amiga se cala.
Aquiles e eu nos entreolhamos sorrindo. Mas ela, fascinada, não pára de comer
com os olhos a figura luminosa do filho de Peleu, até que ele, discretamente,
se aproxima dela e lembra-lhe que ainda me deve uma resposta. Então – não sei
se de raiva ou de vergonha – seu rosto, seu peito e até sua cintura se tingem de
vermelho. Confusa, orgulhosa, arisca, ela se volta para mim e diz que é
Pentesiléia, a rainha das amazonas, e me dará a resposta a flechadas.
Antíloco. Foi exatamente isto, palavra por palavra, o que disse o seu
mensageiro. Mas ninguém, no campo dos gregos, entendeu nada.
Ulisses. Não sabendo o que pensar dessa provocação, envergonhados e com
raiva, damos meia-volta. Os troianos, que adivinham a humilhação por que
passamos, se reorganizam triunfantes, zombando de nós. Imaginando-se
favorecidos pela sorte e que a ira das Amazonas era um erro que logo seria
desfeito, enviam rápido um arauto para lhes oferecer mão e coração. O
mensageiro nem tinha ainda sacudido a poeira de sua couraça e a Centauro já se
precipita, desembestada, contra eles e contra nós, gregos e troianos, varrendo
uns e outros, juntos, como uma enxurrada.
Antíloco.
Que incrível!
Ulisses. Começa então uma batalha como nunca se viu na terra desde que
reinam as Fúrias. Acossado pelas amazonas, o troiano se esconde atrás do escudo
de um grego, o grego o salva das garras da jovem que o persegue. Esquecido o
rapto de Helena, grego e troiano precisam se unir contra o inimigo comum na
batalha, que, ensandecida, estronda na planície como uma trovoada entre picos
rochosos coroados de florestas.
Antíloco.
E não há meio de saber o que quer essa
filha de Ares?
Ulisses. Não. Às vezes, vendo o estranho furor com que ela procura o corpo
a corpo com Aquiles, parece que tem o peito cheio de um ódio pessoal contra
ele. Uma loba, na neve das florestas, não persegue com mais voracidade a presa
marcada por seu olho cruel. No entanto, há pouco, ela teve sua vida nas mãos e
a devolveu sorrindo; sem Pentesiléia, o filho de Peleu teria encontrado as
sombras.
Antíloco.
Como? A rainha?
Ulisses. Ela mesma. Ontem, ao cair da tarde, Aquiles e Pentesiléia
voltavam a cruzar espadas. Deífobo aparece, toma o partido da amazona e desfere
um golpe tão brutal que racha a couraça
do filho
de Peleu. Lívida,
a rainha deixa, por um momento, cair os braços. De repente, louca de
raiva, chicoteia com os cabelos seu rosto em chamas, ergue-se na sela e
mergulha sua espada flamejante no pescoço de Deífobo, que desaba aos pés do
filho de Peleu. Este, em sinal de agradecimento, quer fazer o mesmo com ela,
que se esquiva, solta as rédeas do cavalo, olha em volta, sorri e desaparece.
Antíloco.
Inacreditável !
Ulisses.
Mas, Antíloco, diga-me: quais são as
notícias de Tróia?
Antíloco. Agamemnon mandou lhe perguntar se, diante da mudança da situação,
a prudência não aconselha uma retirada. O que importa, disse ele, é derrubar os
muros de Tróia, e não interromper o caminho de uma princesa livre para um alvo
que nos é indiferente. Se Pentesiléia não vai ajudar Tróia, a ordem é voltar
para as trincheiras gregas.
Ulisses. Essa também é minha posição. Você pensa que tenho prazer nesta
carnificina absurda? A primeira coisa a fazer é tirar Aquiles daqui. Assim como
o cão se lança ao pescoço do cervo, assim também faz esse louco desde que viu
tão bela caça no bosque da guerra. Seria possível detê-lo com uma flecha na
coxa; quero ver, Antíloco, o efeito que pode ter sua eloquência com ele
espumando desse jeito.
Antíloco. Tentemos juntos, mais uma vez, enfiar sem violência um pouco de
razão nessa cabeça quente. Astucioso Ulisses, você saberá
encontrar a brecha de sua
couraça. (Olhando para fora) Diomedes
está chegando, pálido e transtornado (entra Diomedes).
Ulisses.
Quais são as novas?
Antíloco.
Alguma mensagem?
Diomedes.
A pior que você já ouviu.
Ulisses. O que é?
Antíloco.
Fale logo!
Diomedes. Aquiles está nas mãos das amazonas; agora é que as muralhas de
Tróia não caem mesmo.
Antíloco.
Ave de mau augúrio!
Ulisses.
Mas quando? Onde?
Diomedes. Como um raio, uma nova ofensiva dessas furiosas guerreiras
destroçava as fileiras dos bravos etólios e as empurrava, como ondas, na nossa
direção. Em vão tentamos deter sua fuga. Como uma torrente impetuosa, ela nos
afasta, no seu turbilhão, do campo de batalha e só conseguimos fincar pé já
longe do filho de Peleu. Cercado de lanças, ele abandona o negro combate,
desce, pé ante pé, da colina e, felizmente, corre em nossa direção. Já o
saudávamos alegremente quando os gritos ficam entalados nas gargantas. Seu
carro tinha estancado na beira de um precipício. Os cavalos se empinam, caem e
se enredam nos arreios, que prendem o filho dos deuses como nas malhas de uma
rede.
Antíloco.
Que loucura !
Diomedes. Antes que ele possa soltar-se, a rainha, na frente de uma tropa
de amazonas triunfantes, lhe corta a saída.
Antíloco.
Pelos deuses !
Diomedes. Em meio a uma nuvem de poeira, pára o cavalo, solta as rédeas e,
parecendo acometida por uma vertigem, segura com as mãos seu rosto vermelho.
Inquietas, as amazonas se precipitam segurando-a pelos braços. Em vão! Com
força e doçura, ela afasta as companheiras e procura, pela ravina, um caminho
para seu desejo, na esperança insensata de por a mão na presa.
Antíloco.
Que hiena cega de furor!
Ulisses.
E Aquiles?
Diomedes. Com o carro desvirado, de um pulo, segura novamente as rédeas.
Começamos a respirar aliviados. Mas, no momento em que movimenta os cavalos, as
amazonas descobrem uma trilha para o alto do penhasco e chamam sua rainha com
gritos de alegria. O filho de Peleu pode ter recuado seus cavalos e fugido, mas
eu o perdi de vista e não sei o que aconteceu.
Antíloco.
Está perdido!
Diomedes.
Amigos, o que vamos fazer?
Ulisses. O que nosso coração ordena. Vamos tirá-lo das mãos da rainha,
mesmo que seja uma luta de vida ou morte. Eu assumo a responsabilidade diante
de Agamemnon.
Antíloco. (olhando ao longe)
Mas olhem! Lá, na crista da montanha, um
elmo emplumado! Uma armadura brilhante! Um cinto de ouro! Parece o sol
resplandecente numa manhã de primavera. É Aquiles! O filho dos deuses! No seu
carro! São e salvo!
Diomedes.
Honra aos deuses!
Antíloco. Veja como domina os cavalos! Como empunha o chicote! Como seus
divinos animais parecem puxar o carro com as ventas: um cervo acossado não
seria mais veloz.
Diomedes. (olhando ao longe) Olhem! Atrás dele!
Na montanha! Redemoinhos de poeira como nuvens negras de tempestade!
Antíloco. Deuses imortais! Pentesiléia, a rainha e o bando inteiro das amazonas
no encalço do divino Aquiles!
Ulisses.
Aquela megera furiosa!
Antíloco. Olhem para ela! Vejam com que fúria ela prende, entre as coxas,
seu cavalo ruço. Como se deita sobre ele, o rosto colado em sua crina, bebendo
avidamente o ar que retarda o seu galope. Ela voa como uma flecha.
Diomedes. A cada passada do cavalo, ela parece engolir um pouco do caminho
que ainda a separa de Aquiles. Já come a poeira levantada pelo carro do filho
de Peleu, lento demais.
Antíloco. Olhe o louco arrogante dando voltas como se estivesse brincando.
Cuidado, ela vai cortar caminho e pegá-lo!
Diomedes. Já
estão ombro a ombro; a sombra da filha de Ares, imensa no sol da manhã,
cai sobre ele e o esmaga.
Antíloco. Mas vejam, ele desviou seus cavalos e vem novamente em nossa
direção!
Diomedes.
Que astucioso, ele a enganou. Incapaz de
parar, ela
passa ao lado do carro, vacila da sela, tropeça...
Antíloco.... e cai! Estatela-se no chão. Uma amazona cai sobre
ela...
Diomedes.
E outra...
Antíloco.
Outra...
Diomedes.
Outra...
Antíloco e
Diomedes. Vitória! Salve!
Salve, Aquiles! Salve, filho dos deuses! Salve! (Aquiles, entra,
salta do carro e tira o elmo. Os reis o cercam).
Ulisses. Salve, herói da Grécia, vencedor até na fuga. Se, com um golpe de
mestre, você conseguiu derrubar sua inimiga na poeira, de costas, sem olhar
para ela, o que não fará quando a encontrar frente a frente?
Diomedes. O que acabo de ver me convence de que sua magistral corrida foi
de propósito. Pergunto-me se, ao nascer do sol, quando estávamos ainda começando a
nos equipar, você já não tinha
visto a pedra na qual a rainha ia tropeçar e se espatifar no chão.
Ulisses. Mas, agora, leão da Grécia, se você não tiver uma idéia melhor,
acharia bom voltarmos, todos juntos, para nosso acampamento. Agamemnon nos
chama. Fingindo uma retirada, tentaremos atrair as amazonas para o vale do
Escamandro, onde Agamemnon está emboscado para a batalha final. Pode acreditar,
é aí, e apenas aí, que você poderá apaziguar o ardor que lhe consome. Pois eu
também execro e odeio mortalmente essa Fúria, errante no campo de batalha,
atravessada em nossos projetos. Confesso que gostaria de ver a marca de seu pé
naquelas fuças cor de rosa.
Aquiles.
(o olhar perdido na distância) Ela ainda está aí?
Ulisses. Por quem você pergunta? Pela rainha? Você ouviu o que falamos?
Aquiles. O que disseram? Não, nada. O que era? O que querem?
Ulisses. O que queremos? Que estranho... Nós lhe comunicamos a ordem de
Agamemnon de voltar imediatamente ao acampamento grego. Antíloco, que está aqui
-será que você não o está vendo?-, Antíloco nos transmitiu o seguinte plano de
batalha: atrair para perto de Tróia a rainha das amazonas, a fim de que,
encurralada entre os dois exércitos e forçada pela situação, ela finalmente
revele de quem é amiga. Assim, qualquer que seja a decisão dela, saberemos o
que fazer. Confio no seu bom senso, Aquiles; você
seguirá essa ordem
sábia. Seria loucura lutar, aqui, contra as amazonas,
quando a guerra exige nossa presença nas muralhas de Tróia. Além do mais, não
sabemos o que elas querem conosco nem mesmo se querem alguma coisa.
Aquiles. (recolocando o elmo) Lutem como eunucos,
se quiserem. Sinto-me homem suficiente para enfrentar essas mulheres,
mesmo que seja sozinho. Que fiquem ou não na sombra fresca dos pinheiros,
espreitando-as com desejos de impotentes, longe do leito da batalha, onde o
corpo a corpo as envolve no seu turbilhão, pouco importa. Voltem para Tróia. Eu
permito. Sei o que essa criatura divina quer de mim. Ela tem mandado, pelo ar,
caricias emplumadas que, com seu silvo mortal, vêm me confiar seu desejo. Vão
embora. Irei encontrá-los no acampamento grego. Juro que não reverei Tróia
antes de fazer dela minha noiva, de lhe trançar uma coroa de feridas mortais e
de arrastá-la pelos cabelos pelas ruas de minha cidade.
Diomedes. (olhando ao longe) Olhem lá, perto do
carvalho, onde caiu, Pentesiléia recoloca o elmo e parece ter esquecido
seu infortúnio. Filho de Peleu, Pentesiléia se aproxima!
Aquiles.
Vou atrás dela. Está a cavalo?
Diomedes. Não. Está a pé. Mas seu cavalo persa já se agita a seu lado.
Aquiles. Ótimo. Depressa, um cavalo. Sigam-me, meus corajosos mirmidões (Aquiles
as com sua tropa)
Antíloco. Insensato!
Ulisses. Experimente agora sua
eloqüência, Antíloco.
Antíloco. Só à força...
Diomedes. Já está longe.
Ulisses.
Maldita seja essa guerra das amazonas
(Todos saem).
cena 2.
O acampamento das amazonas: Pentesiléia, Protoé,
Astéria.
Astéria. Salve, vitoriosa! Salve, rainha da Festa das Rosas! Salve!
Pentesiléia. Não me falem de triunfo. Não me falem da Festa das Rosas. O
combate novamente me chama e saberei vencer esse arrogante jovem deus da guerra.
O fogo de dez mil sois não teria a meus olhos o brilho de uma vitória, de minha
vitória sobre ele.
Protoé.
Amada, eu lhe suplico...
Pentesiléia. Deixe-me! Seria mais fácil conter a torrente que desaba morro
abaixo do que o tumulto de minha alma. Quero ver a meus pés, no pó, esse
orgulhoso que vem ofuscar, neste glorioso dia de luta, meu entusiasmo
guerreiro, como ninguém o fez até agora. Os deuses me amaldiçoaram! Como é
possível que, quando o exército grego, derrotado, debanda, o simples fato de vê-lo
me abala até o fundo da alma? Eu... desarmada... dominada... vencida? Se não
mais tenho seio, onde está o sentimento que me abate? Tenho que voltar ao tumulto
da batalha, onde ele me espera com seu sorriso de desprezo,
para vencer ou morrer.
Protoé. Amada rainha, não quer descansar, por um momento, a cabeça no meu
colo? A queda que lhe abalou tão violentamente o peito, também lhe inflamou o
sangue, lhe excitou os sentidos. Você está toda tremendo. Não decida nada antes
de voltar à serenidade! Venha! Descanse um pouco em meu ombro.
Pentesiléia. Por quê? O que aconteceu? O que foi que eu disse?
Protoé. Você vai de novo se lançar ao acaso das batalhas por uma
vitória que seduziu, apenas por um momento, sua jovem alma? Por um simples
desejo insatisfeito, você vai arriscar a boa colheita de homens que veio
responder às preces de seu povo?
Pentesiléia. Maldito seja o dia de hoje! Minhas amigas mais queridas se
juntam ao traiçoeiro destino para me ferir! Quando estou quase pegando a glória
com a mão, uma força estranha me barra o caminho; minha alma é contradição e
revolta. Afaste-se!
Protoé.
(à parte) Que os deuses a
protejam!
Pentesiléia. Será que só penso em mim? Será que é apenas meu desejo que me
leva de volta ao campo de batalha? Sim, fizemos a colheita; mas para quê? Vocês
não vão coroar com flores os jovens que capturaram. Não os levarão pelos vales
perfumados, ao som dos clarins e dos címbalos. Aquiles, o filho de Tétis, virá
atrás. Eu o vejo segui-las até os muros de nossa cidade, resgatar os cativos no
interior
do
templo de Ártemis, soltá-los das
correntes de rosas
e prendê-las com pesadas correntes de bronze. E eu, que teimo loucamente
em abatê-lo, devo parar de persegui-lo? Não! Prefiro renunciar a minhas ações
gloriosas, à coroa que orna minha cabeça e à promessa de levá-las ao cume da
felicidade. Maldito seja o coração que não se pode impor medida!
Protoé. Rainha, seu olhar tem um brilho estranho, incompreensível. Em
minha alma inquieta nascem pensamentos tão sombrios que parecem surgir das
trevas. O exército grego se dispersou como poeira no vento. Nossa posição
isolou Aquiles, o filho de Tétis. Deixe de provocá-lo, evite seu olhar! Juro
que logo voltará para as fileiras gregas. Eu ficarei na retaguarda. Prometo que
ele não resgatará nenhum cativo e não impedirá o riso de nenhuma das virgens.
Pentesiléia. (para Astéria) Será possível
fazer isso, Astéria?
Astéria.
Senhora...
Pentesiléia. Posso levar o exército de volta, como quer Protoé?
Astéria. Desculpe, Princesa, no que me diz respeito...
Pentesiléia.
Fale sem medo!
Protoé
(timidamente) Se você for
perguntar a opinião de todas
as princesas do conselho...
Pentesiléia. É a
opinião desta aqui
que eu quero ouvir!
... Mas o que está acontecendo? Responda, Astéria, posso levar o
exército de volta à pátria?
Astéria. Quer saber? Confesso meu espanto diante do inacreditável
espetáculo que vejo. Saí atrasada e não pude seguir, com minha tribo, a marcha
torrentosa de seu exército. Ao chegar, esta manhã, ouço de todas a boa nova: a
vitória é nossa, a guerra das amazonas acabou. No entanto, quando vou olhar as
presas de guerra, vejo um punhado de escravos lívidos e trêmulos - o rebotalho
do exército grego -, e as suas guerreiras entusiasmadas escolhendo entre
eles... Enquanto isso, o exército grego está inteiro: Agamemnon, Menelau, Ajax,
Palamedes, Ulisses, Diomedes, Antíloco zombam de você e o jovem Aquiles, que
sua mão deveria coroar de rosas, arrogante lhe resiste. Ele quer, e o proclama
alto e bom som, pisar no seu pescoço real. E você, nobre guerreira, me pergunta
se pode celebrar o retorno triunfal?
Protoé. Falsa! A rainha viu aos seus pés heróis
que por sua nobreza, coragem e beleza...
Pentesiléia. Cale-se! Odeio você! Astéria sente a mesma coisa que eu: somente
aquele que ainda está de pé no campo de batalha e me desafia merece ser abatido
por mim.
Protoé.
Senhora, não se entregue a essa
paixão...!
Pentesiléia. Morda
a língua, víbora, se não quiser enfrentar a fúria de sua rainha.
Desapareça daqui!
Protoé. Pois enfrentarei a fúria de minha rainha! Prefiro nunca mais lhe
ver do que estar por perto e, adulando, traí-la covardemente. Inflamada como
está, você não é capaz de levar adiante a guerra das virgens. Não conseguirá o
filho de Tétis e, além disso, perderá os jovens que capturamos a tanto custo.
Pentesiléia. Que coisa estranha! Não entendo o que, de repente, lhe faz assim
tão covarde. Diga-me: quem você venceu?
Protoé. Licaonte, o jovem príncipe da Arcádia. Você viu.
Pentesiléia. Ah, é? Era aquele que estava todo trêmulo quando ontem me
aproximei dos cativos?
Protoé. Trêmulo? Ele se mostrou tão firme quanto o filho de Tétis frente
a você. Só que, atingido por uma de minhas flechas, caiu aos meus pés. Serei a
mais orgulhosa de todas, quando, na Festa das Rosas, o levar ao templo sagrado.
Pentesiléia. É assim? Como você está animada! Pois não tenha medo, ninguém o
tomará de você. Tragam Licaonte, o príncipe da Arcádia! Para não perdê-lo,
virgem que deixou de ser amazona, fuja do fragor da batalha e procure, com ele,
um esconderijo nos mais afastados vales floridos de nossas montanhas, onde o
rouxinol entoa seu canto sensual! Celebre, luxuriosa, essa festa pela qual
tanto anseia, mas não apareça mais na minha frente! Seja eternamente banida de
nossa cidade! Que seu amante e seus beijos lhe sirvam de consolo quando tudo terá perdido: glória, pátria, amor, a rainha,
a amiga.
Astéria. (olhando ao longe) Rainha, Aquiles
está se aproximando.
Pentesiléia. Ótimo, companheiras, voltemos à batalha! Deuses, concedam-me a
alegria de derrubar vitoriosamente a meus pés esse jovem guerreiro tão
ardentemente desejado! Astéria, você conduzirá as tropas. Cuide dos gregos e
não deixe nenhuma das amazonas tocar no filho de Tétis! Só eu posso abater o
filho dos deuses. Se é com ferro que tenho de abraçá-lo, eis o ferro que, sem
ferir, com doçura, vai trazê-lo, abraçado, para meu coração. Então, nosso
cortejo triunfal retomará o caminho da pátria e eu serei, para vocês, a rainha
da Festa das Rosas! Vamos, sigam-me! (Vê Protoé em lágrimas, se volta
para ela e a toma nos braços). Protoé, minha alma gêmea, quer vir
comigo?
Protoé (com voz embargada) Com você, iria até
os infernos. Mas sem você, o que iria fazer na Ilha dos Bem-Aventurados?
Pentesiléia. Ó Protoé, melhor de todas as mortais, quer vir comigo? Ótimo.
Juntas, lutaremos e venceremos, ou não. Que nosso lema seja: coroas de rosas para
nossos heróis ou coroas de ciprestes para nós! (Saem).
cena 3.
A suma
sacerdotisa de Ártemis entra com um grupo
de jovens virgens, carregando cestos de rosas. Depois, voltam Protoé, Astéria,
Pentesiléia e algumas amazonas.
Sacerdotisa. Minhas bem amadas virgens portadoras de rosas, deixem-me ver o
fruto da colheita. Nestes campos é mais fácil colher cativos do que rosas. As
rosas são tão raras nestes vales! (à virgem 1) Você colheu apenas
uma única rosa. Mas que rosa: digna de coroar um rei. Pentesiléia não
poderá desejar mais bela quando derrubar Aquiles, o filho dos deuses. Quando
ela o vencer, você lhe dará essa rosa real. Guarde-a, com cuidado. (às
virgens) Talvez já comece a combater o jovem que seus corpos aguerridos
desejam. Na próxima primavera, quando as rosas desabrocharem, vocês poderão
procurar um jovem guerreiro na batalha. Por enquanto, trancem as coroas!. Não
fiquem aí paradas. Como se eu precisasse ensinar-lhes os deveres do amor... (Protoé
entra apressada)
Protoé. O que faz aqui, Venerável Sacerdotisa, se o exército se prepara
logo ali para a decisão sangrenta?
Sacerdotisa. O exército? Impossível! Onde?
Protoé. Nas margens do Escamandro. Se prestar atenção ao vento que sopra
das montanhas, ouvirá os gritos furiosos da rainha, o fragor das armas
desembainhadas, o relincho dos cavalos, as trombetas, os clarins, os címbalos,
as vozes de bronze da guerra.
Sacerdotisa. O que ela ainda está querendo, se os cativos se amontoam, aos
milhares, nas florestas?
Protoé. Olhe! Olhe! Surgindo entre as negras nuvens, os raios do sol
iluminam a cabeça de Aquiles. Luminoso, ele se ergue no alto de uma colina, ele
e seu cavalo, revestidos de bronze. Seu esplendor ofuscante brilha mais do que
a safira e a ametista.
Sacerdotisa. Que importa ele? Uma filha de Ares, uma rainha, não escolhe seu
adversário. Você vê a rainha?
Protoé. Sim, na frente das guerreiras. Cingida de flamejante couraça de
ouro, inebriada pela promessa da luta, dançando, ela se aproxima de Aquiles.
Como mordida de ciúmes, parece querer se antecipar ao sol no beijo na fronte
juvenil do filho de Tétis.
Sacerdotisa. Onde já se viu tamanha loucura? A rainha, uma filha de Ares que
tirou o seio, atingida pelas flechas envenenadas do amor? É assustador! Ela
está à caminho do inferno. Se perecer, não será frente ao adversário no
combate, mas diante do inimigo que guarda no peito. Ela nos arrastará para o
abismo. (Astéria volta)
Astéria. Fuja, Venerável Sacerdotisa, e leve os cativos. O exército grego
inteiro se precipita em nossa direção.
Sacerdotisa. O que aconteceu? Onde está a rainha?
Astéria. Foi derrubada e foge em debandada o exército das amazonas.
Sacerdotisa. Onde? Quando?
Astéria.
Eis, em poucas palavras, a pior das catástrofes. Aquiles e Pentesiléia
se enfrentam, lanças em riste, como dois raios que se cruzam. As lanças se
partem. O filho de Tétis permanece montado. Pentesiléia, tocada pela sombra da
morte, vai ao chão e rola na poeira, obcecada pela desforra. Mas, por mais
estranho que pareça, quando pensávamos que ia mandá-la de vez para o inferno,
ele exclama, lívido: “Deuses, com que olhar me feriram esses olhos
agonizantes!”. Salta, ligeiro, do cavalo e, enquanto as guerreiras imobilizadas
de pavor, lembrando as ordens da rainha, não ousam nem mesmo empunhar a espada,
destemido, ele se aproxima do corpo estendido no chão, se debruça sobre ela e
grita: “Pentesiléia”.
Depois, a toma nos braços e, amaldiçoando o ato que cometeu, chama-a de
volta à vida, gemendo. “Para trás, odioso!”, berra todo o nosso exército. “Que
morra! Se não se afastar, crivem-no de flechas certeiras!”, brada Protoé que se
arremessa sobre ele com cavalo e tudo, o atropela e lhe arranca Pentesiléia.
Ela acorda, o peito rasgado, descabelada e ofegante. Levamos a infeliz para a
retaguarda, onde, prontamente, se refaz. Mas ele, o misterioso grego, parece
tocado por um deus amoroso, que o derreteu por baixo da couraça de bronze:
“Parem amigas, diz ele, Aquiles lhes saúda e lhes oferece uma paz eterna”. Joga
a espada, o escudo, a couraça e procura a rainha sem temor algum, como se
soubesse, o louco temerário, que sua vida é sagrada para nós, que o
derrubaríamos, com nossas própria mãos, se pudéssemos tocá-lo.
Sacerdotisa. Mas quem proibiu isso? Quem deu essa ordem estapafúrdia?
Astéria.
A própria rainha.
Sacerdotisa.
Não estou dizendo? É assustador!
Astéria.
Olhem! Ela está chegando. É a imagem da
desgraça!
(Pentesiléia entra, amparada por algumas amazonas).
Pentesiléia (com voz fraca) Soltem os cães! Joguem sobre ele os
carros de combate! Decepem seus membros viçosos!
Protoé. Bem amada, lhe imploramos...O filho de Tétis está em seu encalço.
Fuja, se ainda ama a vida.
Pentesiléia. Ter-me cortado o coração dessa maneira, Protoé! Como se, furiosa,
eu tivesse pisado a lira que, tocada pela brisa noturna, sussurrava meu nome.
Protoé.
Então, não quer fugir? Não quer se
salvar?
Pentesiléia. É minha culpa, se, para ganhar seu amor, preciso afrontá-lo no
campo de batalha? Qual é meu desejo, quando puxo da espada? Desejo precipitá-lo
no inferno? Pelos deuses! Desejo apenas apertá-lo no meu coração.
Protoé. Está delirando...
Sacerdotisa.
Infeliz.
Protoé.
Perdeu a razão.
Sacerdotisa.
Não pensa em mais nada; só pensa nele!
Protoé.
A queda a deixou fora de si.
Pentesiléia (esforçando-se para se controlar) Que seja como vocês querem. Saberei me
controlar, saberei vencer meu coração e aceitarei de bom grado o que a sorte me
reserva. Por que, como uma criança, romper com os deuses? Por um desejo fugaz?
É verdade que minha felicidade teria sido plena, mas, se ela não caiu do céu,
não é uma razão para assaltá-lo. Dêem-me um cavalo e as levarei de volta à
pátria.
Protoé. Senhora, benditas sejam suas palavras de rainha. Venha, tudo está
pronto para a partida.
Pentesiléia.
(nota as coroas de rosas nas mãos das
virgens)
Quem deu a ordem de colher essas rosas?
Sacerdotisa.
Esqueceu?
Pentesiléia.
Quem?
Sacerdotisa. A festa da vitória, tão ansiosamente esperada, deveria ser
celebrada hoje. Essa ordem não veio de sua própria boca?
Pentesiléia. Maldita seja essa impaciência luxuriosa! Maldita seja essa
expectativa de orgia na hora da batalha sangrenta.
Malditos sejam, no ventre das filhas de Ares, esses ávidos desejos de
cadelas à solta. Não alcancei a vitória e o inferno me insulta com essa
caricatura de triunfo. Joguem isto fora. (destrói as coroas). Que
seque a primavera! Que murche a terra como cada uma destas rosas!
Sacerdotisa. Infeliz! Está perdida.
As Fúrias se apossaram de sua alma.
Astéria. (olhando ao longe) Aquiles se
aproxima. Já está a uma flechada de distância.
Protoé.
Imploro de joelhos... Pense em sua
salvação!
Pentesiléia. Sinto um cansaço mortal na alma. Podem fugir se quiserem. Quero
ficar aqui.
Protoé. O que está dizendo sua louca? O filho de Tétis está perto.
Pentesiléia. Deixe-o vir. Deixe-o colocar no meu pescoço seu pé de bronze. É
isso o que eu quero. Deixe-o me arrastar, pelos cabelos, atada a seus cavalos.
Deixe meu corpo, cheio de vida, ser jogado nos campos e servir de pasto aos
cães e às aves de rapina. Melhor ser pó do que uma mulher que não sabe seduzir.
Protoé.
Minha rainha!
Pentesiléia. (arrancando seus colares) Longe de mim, falsos brilhantes!
Protoé.
É esse o controle que, há pouco,
prometia?
Pentesiléia. Maldita seja a mão que me armou para o combate. Maldita seja a
boca traiçoeira que me prometeu a vitória.
Sacerdotisa. Rainha, se não fugir agora mesmo, estará perdida.
(Pentesiléia, os olhos cheios de lágrimas, se apoia em
Protoé).
Protoé. (comovida) Seja feita a sua vontade! Se você não
puder, se você não quiser... tudo bem! Não chore! Ficarei junto. O que não é
possível, o que está fora de seu alcance, o que você não pode fazer, livrem-me
os deuses de exigi-lo. Virgens, podem partir. Voltem para casa. Eu e a rainha
permaneceremos aqui.
Sacerdotisa. Não é o destino que a detém, mas o insensato
coração...
Protoé. ...que é o seu destino! Talvez ela rompesse correntes de ferro,
mas não romperá esse sentimento que você menospreza. Ela ansiava o bem supremo
da vida, quase o alcançava, quase o agarrava e agora sua mão não tem nem mais
força de procurar outro bem. (a Pentesiléia) Venha, se chegou sua
hora, que seja no meu peito!
Pentesiléia. Se ainda pudesse fugir, se decidisse escapar, diga-me: o que faria se
fosse eu?
Protoé. Iria ao encontro de meu exército, descansaria, cuidaria de minhas
feridas e, se quisesse, ao raiar do dia, voltaria para a guerra.
Pentesiléia. Se isso fosse possível... Se tivesse forças... Fiz o maior
esforço que pude... Tentei o impossível. Arrisquei tudo numa única jogada. O
resultado está aí... é o que preciso entender...
compreender que perdi.
Protoé. Não, não subestime tanto suas forças. Quantas coisas, que nem
imagina, poderíamos fazer juntas. Mas, tem razão, é muito tarde.
Pentesiléia. (inquieta) Onde está o sol agora?
Protoé. A pino. Se você fosse rápida, chegaria antes da noite. Poderíamos
fazer uma aliança com os troianos sem que os gregos soubessem e, na calada da
noite, chegar à baía, atear fogo a seus navios, destroçar seus exércitos e,
enfim, coroar de rosas os cativos destinados ao nosso prazer. Como seria feliz,
se pudesse viver esse momento; como seria feliz de ver o filho de Tétis, depois
de tanto esforço, vencido a seus pés.
Pentesiléia.
(animada) Ótimo! Ótimo! Por
onde vamos?
Protoé. Que bom! Seja como um gigante, princesa! Não desmorone mais,
aprume-se e mantenha o prumo. Venha, me dê a mão!
Pentesiléia.
Espere! Antes de partir, tenho ainda
algo a fazer.
Protoé.
Ainda?
Pentesiléia. Apenas uma coisa, minhas amigas. Vocês têm de convir que estaria
completamente louca se não esgotasse todas as possibilidades.
Sacerdotisa. Mas o que pretende fazer?
Pentesiléia. Oh! Nada, nada que possa irritá-las. Quero pôr o monte Issa em
cima do monte Ossa e, no topo, me erguer, tranqüila e nua.
Protoé. Que os deuses a protejam!
Astéria. Rainha, isso é obra para gigantes!
Pentesiléia.
E daí?
Protoé.
E depois, o que fará?
Pentesiléia. Pelos seus cabelos de fogo, eu o puxaria para mim, sua boba!
Protoé.
Quem?
Pentesiléia. O sol quando passa por cima de minha cabeça...
(As amazonas se olham apavoradas. Pentesiléia olha para a água do rio) mas não, ele está aqui, aos meus pés. Me
abrace! (quer se jogar na água, Protoé a segura. Ela desmaia).
Protoé.
Infeliz! Desmaiou!
Sacerdotisa. O filho de Tétis está chegando. Nem o exército inteiro das
virgens pode detê-lo.
Astéria.
Deuses imortais, salvem a rainha!
Sacerdotisa. (às virgens) Vamos embora, não
há lugar para nós no coração da batalha. (A sacerdotisa e as virgens
saem).
ATO II: AQUILES E PENTESILÉIA
cena 1.
As mesmas. Aquiles, seguido por alguns gregos, aparece sem elmo, sem
armadura nem armas.
Astéria. Se não dispararmos nossas
flechas, nada o deterá! Que faremos, Protoé?
Protoé. Atirem dez mil flechas, mas cuidado para não feri-lo mortalmente.
Astéria. Cerrem fileiras! Que as flechas rocem seu rosto e raspem seus
cabelos! Que ele sinta furtivamente o gosto do beijo da morte! (As amazonas
retesam os arcos).
Aquiles. Virgens, para quem são essas flechas? Não é este peito aberto que
elas querem atingir. É preciso que eu rasgue minha túnica de seda para que
possam ver, com seus próprios olhos, meu coração bater com toda inocência?
Deixem essas flechas de lado; as setas de seus olhares ferem muito mais! Não
estou brincando: sinto-me ferido no fundo do coração. É um homem totalmente
desarmado que se joga a seus pés.
Astéria.
Aticem os cães contra ele!
Aquiles. Não acredito. A doçura de sua voz desmente suas palavras. Não é
você, jovem de olhos azuis e cachos sedosos, que pensa lançar os cães contra
mim. Se esses cães me atacassem agora, você se jogaria na minha frente para
proteger com seu próprio corpo esse coração viril que se consome de amor.
Astéria.
Arrogante! Presunçoso! Está querendo nos
lisonjear...
Protoé. (para Astéria) Corra, Astéria! Junte a tropa ou
estaremos todas perdidas (Astéria sai).
Aquiles. (para
Protoé que
traz Pentesiléia para a
frente do palco) Como,
ela está morta? Dê-me a rainha! (tomando a rainha nos braços) Não há
nada a temer (tirando a armadura de Pentesiléia) Está morta.
Protoé. Que seus olhos jamais se abram para essa luz miserável! Meu medo
é vê-la acordar.
Aquiles. Onde a feri?
Protoé. Depois do golpe que lhe rasgou o peito, conseguimos trazê-la para
cá, cambaleante. Mas, ou pelas feridas de seus membros ou pela dor de sua alma,
ela não pôde suportar a idéia de ter caído no combate diante de você. Suas
pernas ficaram bambas, palavras sem nexo saíam de sua boca.
Aquiles. Viu? Estremeceu! Ela ainda respira.
Protoé. Filho de Tétis, se for sensível à piedade, se algum sentimento
puder tocar seu coração, se não quiser que ela morra ou enlouqueça, atenda a um
pedido meu.
Aquiles. Peça logo!
Protoé. Não esteja aqui quando ela acordar. Afaste seus guerreiros e não
a cumprimente com estas palavras mortais: “Você é presa de Aquiles”.
Aquiles.
Quer dizer que ela me odeia?
Protoé. Não me pergunte isto, generoso Aquiles. Se alguma esperança a
trouxer de volta para a vida, que não seja para logo se
deparar
com a face rude do vencedor! No coração
das mulheres nascem tantas coisas que não são feitas para a luz do
dia... Se o destino exige que ela sofra a dor de saudá-lo como seu amo, saiba
esperar que seu espírito esteja preparado para isso.
Aquiles.
Diga-lhe que a amo.
Protoé.
O quê? O que está dizendo?
Aquiles. Que a amo. Como os homens amam as mulheres: castamente, e, no
entanto, cheio de desejo no coração; inocentemente, e, no entanto, querendo
fazê-la perder a inocência. Quero que se torne minha rainha.
Protoé.
É isso mesmo que você quer?
Aquiles. Então, posso ficar?
Protoé. Deixe-me beijar seus pés, divino Aquiles. Veja, ela está abrindo
os olhos. Rápido! Afastem-se, e, você, filho de Tétis, esconda-se atrás desta
árvore! (Os guerreiros se afastam e Aquiles se esconde)
Pentesiléia, sua sonhadora, por onde anda sua alma inquieta, como se o
corpo onde ela reside não mais lhe interessasse? Enquanto isso, a felicidade
entrou no seu peito como um jovem príncipe que, surpreso de encontrar a casa
vazia, se afasta e volta para o céu! Insensata, você não sabe segurar esse
hóspede?
Pentesiléia.
Onde estou?
Protoé. Não reconhece a voz de sua irmã? Por que suspira? O que lhe
inquieta?
Pentesiléia. Ah! Protoé! Que pesadelo eu tive. Como é doce sentir, ao acordar, que meu coração
esgotado de sofrimentos bate ao encontro do seu. Sonhei que no meio do combate
a lança do filho de Tétis me atingia e eu caía fragorosamente no chão. O
exército inteiro se dispersava apavorado e eu ficava por terra, paralisada. O
filho de Tétis saltava do cavalo, se aproximava de mim, triunfante, e me
tomava, desfalecida, nos braços. Não tinha nem mesmo a força de pegar o punhal.
Eu era sua presa e, em meio a risos de desprezo, era levada para seu
acampamento.
Protoé. Nada disso, excelente rainha! A alma generosa do filho de Tétis
não conhece o desprezo. Mesmo que seu sonho fosse real, ele só traria
felicidade. Você só veria o filho dos deuses, caído a seus pés, prestando-lhe
homenagem.
Pentesiléia. Pobre de mim, se tivesse que passar essa vergonha. Pobre de mim,
se o homem que deveria me caber não me tivesse sido dado, dignamente, pela
espada.
Protoé.
Calma, rainha!
Pentesiléia.
Como assim, calma?
Protoé.
Seu destino também será o meu. Seja
forte!
Pentesiléia. Estava calma como o mar no fundo de uma enseada, não sabia o
que era a tormenta de um sentimento. Mas estas palavras “Seja calma” criam em
mim a mesma agitação que um temporal em mar aberto. Por que deveria me acalmar?
Por que essa cara de espanto? Por que você olha tanto atrás de mim, como se houvesse ali um monstro ameaçador? O que lhe
contei foi apenas um sonho... Ou não?... Será que aconteceu?... Fale! Onde
estão Astéria e as outras? (olha em volta e vê Aquiles) Que ódio, o
monstro está atrás de mim! Mas com essa mão... (desembainha seu punhal)
Protoé. Infeliz!
Pentesiléia. Como, falsa amiga, está querendo me impedir?
Protoé.
Salve-a, filho de Tétis!
Pentesiléia. Louca, ele vai pisar no meu pescoço.
Protoé. Pisar, sua insensata?
Pentesiléia.
Afaste-se!
Protoé. Mas olhe, ele está desarmado.
Pentesiléia. O quê?
Protoé. Se pedisse, ele estaria pronto a se deixar coroar de flores por
você.
Pentesiléia. Será? Diga-me...
Protoé. Filho de Tétis, ela não quer acreditar em mim. Fale
você!
Pentesiléia. Ele seria meu cativo?
Protoé. Não está vendo?
Aquiles.
(que se aproximou) Seu
cativo, no sentido mais doce da
palavra, sublime rainha. Um cativo pronto para passar o resto da vida
prisioneiro de seu olhar.
Protoé. Está ouvindo? Ele caiu na poeira,
junto com você, quando se afrontaram e, enquanto você permanecia
desmaiada, ele foi desarmado... Não foi assim?
Aquiles. Fui desarmado e conduzido a seus pés (ajoelha-se
diante dela).
Pentesiléia.
Pois então, eu te saúdo, doce encanto de
minha vida, jovem deus de viçoso rosto... Meu coração, libere o sangue
que, retido no fundo de meu seio, esperava sua chegada. Venham mensageiras do
prazer, seivas de minha juventude, fluam jubilosas em minhas veias e desfraldem
no reino de minhas faces seu estandarte vermelho: o jovem Aquiles é todo meu. (levanta-se).
Protoé. Acalme-se, amada rainha.
Pentesiléia. Venham, virgens coroadas pela vitória, filhas de Ares ainda
cobertas pela poeira das batalhas, e levem pela mão o jovem grego que cada uma
de vocês venceu. Venham, portadoras das rosas: onde estão as coroas trançadas?
Corram pelo campo; que seu hálito faça brotar as rosas que a primavera me
recusa. Venham, sacerdotisas de Ártemis. Iniciem seu ofício: abram com estrondo
as portas do templo iluminado e incensado, tragam para o altar o touro do
sacrifício, abatam-no
com a lâmina resplandecente, lavem
o sangue e derramem os óleos quentes da Pérsia. Suspendam seus vestidos
esvoaçantes, encham os cálices de ouro, soprem os clarins, abalem os céus com a
melodiosa explosão de sua alegria. Venha Protoé, ajude-me a exultar, a
embriagar-me de felicidade; amiga, irmã de coração, prepare uma festa divina para
os esponsais das virgens guerreiras, a união dos jovens gregos com as filhas de
Ares.
Protoé (procurando controlar a emoção de Pentesiléia) Vejo que tanto a alegria quanto a dor lhe são funestas: ambas lhe
levam à loucura. Você se ilude, está sonhando que já está em casa. Está
ultrapassando os limites; tenho vontade de falar para refrear seu delírio. Olhe
à sua volta, criatura, onde está você? Onde está seu povo? Onde está a
sacerdotisa? Onde está Astéria?...
Pentesiléia. (apoiando-se no peito de Protoé) Deixe-me,
Protoé! Deixe esse coração, como uma criança que se lambuza, mergulhar
nessa torrente de felicidade. Como se fosse a presença dos deuses, um sopro me
envolve, atraindo-me para seu coro de vozes. Nunca estive, como nesse instante,
tão preparada para a morte...
Protoé. Oh, minha rainha!
Pentesiléia. Eu sei... eu sei... Dizem que o infortúnio purifica a alma. Eu,
minha querida, jamais acreditei nisto; a desgraça me deixou amarga. Odiava cada
rosto em que aparecia o rastro da alegria. Mas como gostaria agora que todos
aqueles que me cercam estivessem satisfeitos e felizes! Oh, minha amiga, o
homem pode ser grande e heróico quando sofre, mas na felicidade, ele é
divino... Mas vamos ao que interessa: que o exército se apresse nos preparativos do retorno.
Quando as tropas e os animais estiverem descansados, partiremos, com os
cativos, para casa... (vê as rosas jogadas no chão) De onde vêm, essas
rosas?
Protoé. As virgens que as colheram nos campos deixaram aqui um cesto.
Que sorte, vou pegar algumas e trançar uma coroa para o filho de Tétis. Faço
isso? (senta-se).
Pentesiléia. Muito bem, querida, e eu farei outra para Licaonte, o jovem
arcádio que você conquistou pela espada. (apanha algumas rosas e
senta-se ao lado de Protoé) Música, mulheres, música! Estou inquieta.
Que os cantos me acalmem!
Protoé. O que você quer ouvir? O canto da vitória?
Pentesiléia. O hino.
Protoé. Está bem. (para si mesma) Coitada, como está enganada.
(para as amazonas) Cantem! Toquem!
Coro
das amazonas (com acompanhamento musical)
Ares se
afasta.
Sua
carruagem branca volta para o inferno.
As
terríveis Eumênides lhe abrem a porta.
O inferno
novamente se fecha.
Himeneu,
cadê você?
Acenda sua tocha e nos ilumine
Himeneu,
cadê você?
Ares se
afasta etc.
Aquiles.
(à parte para Protoé) Quero saber onde
isso vai dar.
Protoé. Espere mais um pouco, nobre Aquiles, e logo saberá.
(Quando as coroas ficam prontas, Pentesiléia troca a sua pela de Protoé.
As duas se abraçam e contemplam as flores. A música termina)
Pentesiléia. E agora, doce Aquiles, venha e ponha-se a meus pés. Não tenha
medo! Você odeia aquela que lhe derrubou? Teme aquela que lhe venceu?
Aquiles. Como as flores, um raio de sol.
Pentesiléia. Muito bem, então olhe para mim como se eu fosse seu sol. Meu
deus, você está ferido!
Aquiles. É um simples aranhão no braço, não está vendo?
Pentesiléia. Por favor, nobre Aquiles, não pense que desejei atentar contra
sua vida. É verdade que gostei da idéia de poder atingi-lo, mas quando você foi
derrubado, meu coração invejou a poeira onde seu corpo estava caído. Você me
perdoa?
Aquiles. Do fundo do coração.
Pentesiléia.
Então me diga: o que faz o amor para prender a fera ferida?
Aquiles. Basta lhe acariciar a cabeça e o leão amansa.
Pentesiléia. Fique quieto; os sentimentos de meu coração lhe acariciam como
se fossem mãos. (ela o cobre de flores) Esta grinalda na sua cabeça, no
seu pescoço, nos seus braços e nas suas mãos, mais em baixo, nos seus pés, de
volta à cabeça... pronto... O que você está fazendo?
Aquiles. Cheirando o perfume de seus lábios.
Pentesiléia. Não... não! São as rosas que exalam esse perfume.
Aquiles. Gostaria de cheirá-las ainda em botão.
Pentesiléia. Quando elas desabrocharem, meu amado, você as colherá. (põe
mais uma coroa na cabeça de Aquiles) Quanta doçura e suavidade vejo em seu
rosto radiante... Foi mesmo você quem derrotou Heitor, o maior herói de Tróia?
Foi mesmo você quem o arrastou pelos cabelos, preso a seu carro de guerra, em
volta de sua cidade natal? Diga-me!
Aquiles. Sim, fui eu.
Pentesiléia. Receba, então, esse beijo, mais indomável dos homens, meu
cativo! É a mim que você pertence, jovem deus da guerra.
Aquiles. E quem é você, que vem a mim, luminosa como o dia? Minha alma
encantada se pergunta: “e ela, a quem pertence?”
Pentesiléia.
Eu sou a rainha das
amazonas. Minha raça foi
engendrada por Ares. Meu povo me chama de Pentesiléia.
Aquiles. Pentesiléia. Meu canto do cisne será “Pentesiléia”.
Pentesiléia. Devolvo-lhe a liberdade. Pode ir aonde quiser, no campo das
amazonas. Quero prender seu coração com outra corrente, leve como as flores e
firme como o bronze. Mas antes, meu jovem amigo, você deverá ficar junto de
mim, que proverei a todas as suas necessidade e a todos os seus desejos. (levantando-se,
para as amazonas) Muito bem, vamos embora. Tenho muito o que fazer.
Aquiles. Como? Você vai embora? Você foge? Me abandona?
Protoé
(inquieta, segurando-a) Como? Aonde você
quer ir?
Pentesiléia (espantada) Quero
passar minhas tropas
em
revista... encontrar Astéria...
Protoé. Seu exército ainda persegue os gregos em fuga. Deixe isso com
Astéria, que o comanda. Você ainda está precisando de descanso.
Aquiles. Minha amada, você ainda não me decifrou uma série de enigmas.
Pentesiléia. Diga logo!
Aquiles. O que aconteceu para que tivesse se metido em nossa luta nas
muralhas de Tróia, sem ofensa de nossa parte? Por que atacar os gregos, se lhe
bastava simplesmente a beleza para ter o outro sexo a seus pés, na poeira?
Pentesiléia. Ah, filho de Tétis, esses artifícios
de mulher não são para mim. Não é caindo, durante uma festa, nos braços
alegres de quem amo, mas apertando, com braços cobertos de bronze, aquele que
se encosta no meu peito, que tenho o direito de escolher um amado. É no campo
sangrento da batalha que devo procurar o jovem que meu coração escolheu.
Aquiles. Que lei é essa, tão contrária ao sexo
feminino, à natureza e à raça humana?
Pentesiléia.
A vontade de nossas mães decidiu assim e
nós nos inclinamos diante dela como você diante da tradição de seus
pais.
Aquiles. Seja mais clara!
Pentesiléia. Escute... Onde hoje reina o povo das amazonas, vivia outrora,
em paz com os deuses, uma tribo dos Citas. Uma tribo livre e guerreira. Um dia,
um rei etíope apareceu e abateu, primeiro, todos os guerreiros e, depois, todas
as crianças e todos os velhos. A mais magnífica das raças da terra desapareceu.
Os vencedores se instalaram em nossas casas e, arrancando as esposas dos
túmulos de seus esposos, as arrastaram para seus leitos desonrados.
Aquiles. Foi esse o terrível destino que gerou
seu reino de mulheres?
Pentesiléia. Sim. Mas as mulheres só esperaram
as bodas do rei etíope e de nossa rainha Tanaís para dar o beijo do
ferro no coração dos guerreiros. Tanaís apunhalou o rei e foi Ares, em vez do
vil tirano, quem consumou as núpcias. Nesta mesma noite, toda a tribo criminosa
foi acariciada a golpe de punhal e morreu.
Aquiles. Entendo muito bem que as mulheres tenham feito isso.
Pentesiléia. Nosso povo, reunido em conselho, tomou então uma decisão: iria
fundar um Estado sem tutela, um Estado no qual nenhuma voz masculina daria
ordens arrogantes. Se os olhos de um homem avistassem o reino das amazonas,
deveriam se fechar para sempre. E todo recém-nascido homem seria morto. Mas no
momento solene da coroação de Tanaís, ouviu-se uma voz na multidão: “Como
mulheres fracas, atrapalhadas por fartos seios, conseguirão retesar um arco?”
Por um momento, a rainha permaneceu imóvel, esperando o efeito destas palavras.
Sentindo covardia a sua volta, decepou, de um só golpe, o seio direito e
batizou de amazonas, o que quer dizer “seios cortados”, as mulheres capazes de
retesar o arco.
Aquiles. Por Zeus, é claro que uma mulher como essa não precisava de
seios. Foi feita para governar um povo de homens e minha alma se inclina diante
dela... Mas termine sua história. Como esse orgulhoso Estado das amazonas,
nascido sem a ajuda dos homens, pode se perpetuar?
Pentesiléia. Quando a rainha julga que é o momento de substituir as
companheiras que morreram, ela chama todas as virgens ao templo de Ártemis e
invoca Ares rogando-lhe fecundar seus jovens
corpos.
É a Festa das Virgens em flor, chamadas de noivas de Ares. O deus, então,
revela, pela voz da grande sacerdotisa, o povo esplêndido no qual ele se
incarnará para nós. Chega o alegre dia da partida. A tropa se desloca, no
segredo e no silêncio, para a terra do povo escolhido. Aí, como uma rajada de
fogo, penetramos na floresta dos homens e raptamos os mais belos. De volta, no
templo de Ártemis, as noivas de Ares fazem a Festa das Rosas. Quando, enfim,
uma nova safra brota em seu ventre, elas celebram a Festa das Mães. Festa
triste, porque é quando os homens voltam, carregados de presentes e com grande
aparato, para sua terra natal.
Aquiles. Então você também me abandonará um dia?
Pentesiléia. Não sei, meu amor. Não me pergunte.
Aquiles. Que estranho... Você pode me esclarecer mais um enigma? Por que
perseguiu, sem trégua, justamente a mim? Você me conhecia?
Pentesiléia. Escute! Tinha eu vinte e três anos de idade, quando minha mãe
estava morrendo e Ares me escolheu como noiva. Em mensagem solene, ele ordenava
que eu partisse para Tróia e trouxesse o deus coroado de rosas. Em prantos,
nessa hora em que minha mãe morria, eu quase não ouvi a mensagem. “Mãe, disse
eu, me deixe ficar ao seu lado!”. Mas ela desejava que eu partisse, pois sua
morte iria deixar o trono sem descendência. “Vá, minha criança, ela me disse,
Ares lhe chama, coroe de rosas Aquiles, o filho de Tétis, e se torne uma mãe
tão orgulhosa quanto eu.” Apertou-me docemente a mão e morreu.
Protoé. Como? A rainha sua mãe disse o nome de Aquiles?
Pentesiléia. Disse: uma mãe tem esse direito.
Aquiles. Qual é o problema?
Pentesiléia. Uma filha de Ares não deve procurar seu adversário. Deve aceitar
aquele que o deus coloca à sua frente, no meio do combate. Não é Protoé?
Protoé. É exatamente assim.
Aquiles.
E então...
Pentesiléia. O luto ainda me pesava quando apareci no templo de Ares para
receber o arco de ouro que confere a realeza. Quando o toquei, fui tomada pelo
espírito de minha mãe e executar sua última vontade me pareceu o dever mais
sagrado. Pus-me a caminho, menos para obedecer a Ares do que para agradar a
sombra de minha mãe. À medida que me aproximava do Escamandro, minha dor
diminuía e o mundo alegre das lutas se revelava à minha alma. Então, eu não via
quem fosse mais digno de ser coroado de rosas, por mim, do que aquele que minha
mãe tinha escolhido: o amável, o selvagem, o doce, o terrível, o vencedor de
Heitor. Aquiles, você era o eterno objeto de meus pensamentos e de meus sonhos.
Aquiles. Minha amada!
Pentesiléia. E quando o vislumbrei
como um sol entre pálidos astros noturnos foi como se o próprio Ares, o deus
das batalhas, tivesse descido do Olimpo, trovejando, a galope, para saudar sua
noiva em minha pessoa. Nesse momento, Aquiles, adivinhei a verdadeira natureza
do sentimento que me sufocava o peito. O deus do amor acabava de me atingir.
Foi então que decidi que de duas coisas uma: ou lhe vencer ou morrer. E das
duas, foi a mais doce que me coube... O que está olhando? (Barulho de
armas).
Protoé. (à parte, para Aquiles) Por favor, Aquiles,
diga-lhe logo a verdade.
Pentesiléia.
O que está dizendo? O que aconteceu?
Aquiles. (com alegria forçada). Comigo, você dará à luz o deus
da terra, mas eu não a seguirei. É você quem vai me seguir. Uma vez
terminada a guerra, eu a levarei, triunfalmente, e a farei sentar no trono de
meus pais. (O barulho das armas continua)
Pentesiléia. Como? Não estou entendendo nada.
Aquiles. Não tenha medo, rainha! A falta de tempo me obriga a lhe
anunciar o destino que lhe reservam os deuses. Sem dúvida, eu lhe pertenço,
para sempre, pela força do amor. Mas você me pertence pelo acaso das batalhas.
Na luta, foi você, nobre rainha, quem caiu a meus pés, e não eu aos seus.
Pentesiléia. (procurando se levantar) Cruel!
Aquiles. Por favor, minha amada! Nem Zeus
poderia mudar isso. Controle-se e compreenda que seu destino está selado
para sempre. Você é minha cativa.
Pentesiléia. Eu? Sua cativa?
Aquiles. Sim, rainha. Isso mesmo.
Pentesiléia (levanta as mãos para o céu) Deuses imortais, eu
lhes suplico.
cena 2.
Entram Diomedes e, a seguir, Ulisses com seu exército.
Depois, Astéria com as amazonas e, enfim, a sacerdotisa com as virgens..
Diomedes. Afaste-se Aquiles! A sorte das batalhas é incerta; ela traz de
volta as amazonas vitoriosas, gritando sem parar o nome de Pentesiléia.
Aquiles. (rasgando a coroa de flores) Minhas armas! Meus
cavalos! Vou investir contra elas.
Pentesiléia. Olhe esse furioso! Será o mesmo de antes?
Aquiles.
(armando-se, implacável, para a luta) Leve-a daqui!
Diomedes.
Para onde?
Aquiles. Para o acampamento. Irei logo para lá.
Diomedes.
(a Pentesiléia) Levante!
Protoé.
Oh, rainha!
Pentesiléia. Queria
ser fulminada por Zeus.
Ulisses. (entrando) Saia daqui, Aquiles! As amazonas
vão cortar o único caminho que resta.
Aquiles (aos
guerreiros que o ajudam a se armar) Meu elmo! Minha
lança! (vendo Pentesiléia se debater nas mãos de Diomedes)
Pentesiléia!
Pentesiléia,
Aquiles, você não quer vir comigo? Venha! Eu ainda não lhe disse tudo o
que sabia.
Aquiles (estendendo-lhe
a mão). É ao meu palácio que iremos, rainha.
Pentesiléia. Não,
amigo, mesmo que seu palácio seja a morada das almas bem-aventuras,
venha comigo ao templo de Ártemis.
Aquiles. (tomando-a
nos braços) Minha amada, me perdoe! Eu mandarei construir
este templo no meu país.
Astéria.
(entrando) Matem-no!
Aquiles
(largando Pentesiléia) Foi com o vento que
elas vieram?
Astéria.
(às amazonas) Libertem a rainha!
Aquiles. (puxando Pentesiléia) Venha por
aqui...
Pentesiléia (puxando
Aquiles) Você não vem comigo? Você não vem
comigo! (As amazonas retesam seus arcos)
Ulisses. Você está louco! Suma daqui! Não
há mais tempo para bravatas. Vamos embora. (puxa
Aquiles e os gregos saem enquanto a sacerdotisa de Ártemis e as virgens
entram)..
Astéria.
Vitória! Ela está salva.
Pentesiléia. Maldita seja essa vitória vergonhosa; malditos sejam os lábios
que ousam celebrá-la. O acaso das batalhas não me havia entregue a ele como
exigem os nobres costumes?
Astéria. O que está dizendo?! (à sacerdotisa) Nobre
sacerdotisa de Ártemis, ela nos recrimina por tê-la afastado da vergonha
da servidão?
A sacerdotisa Tal insulto, rainha, coroa dignamente seus atos no dia de hoje.
Sem respeito por nossos costumes, começa por escolher seu adversário na
batalha. Depois, em vez de vencê-lo, sucumbe diante dele. Para recompensá-lo de
tê-la vencido, o coroa de rosas. Finalmente, repreende suas fiéis amazonas que
acabam de libertá-la, foge delas e chama, de volta, seu vencedor. Pois bem,
peço perdão por essa vitória rápida demais; foi um erro. Só lamento o sangue e
os cativos perdidos por sua causa. Em nome do povo, eu lhe declaro, portanto,
livre de nossas leis. Você pode ir aonde quiser e correr atrás daquele que
pisou no seu cangote, já que esta é a lei de sua guerra. Quanto a nós, permita,
rainha, que renunciemos à luta e voltemos para casa, já que não sabemos, como
você, suplicar aos gregos que perseguimos que se ajoelhem, diante de nós, na
poeira.
Pentesiléia. (cambaleante) Protoé!
Protoé. Querida irmã!
Pentesiléia. Eu lhe peço, fique junto de mim.
Protoé.
Até que a morte nos separe... Você está
tremendo?
Pentesiléia. Não é nada, irei me recuperar.
Protoé. Você acaba de sofrer um grande golpe. Agüente firme.
Pentesiléia. Nós os perdemos...?
Protoé. O quê, minha rainha?
Pentesiléia. Todos aqueles jovens esplêndidos que capturamos... perdidos por
causa de mim?
Protoé. Acalme-se. Você os devolverá em outra guerra.
Pentesiléia (apoiando-se nela).
Nunca mais! Quero sumir na noite eterna.
ATO III: EPÍLOGO
cena 1.
As
mesmas, chega Antíloco.
Protoé. Está chegando um mensageiro, rainha. (a Antíloco) O
que tem a dizer?
Antíloco. (a Pentesiléia) Quem me enviou foi o filho de Peleu para
lhe dizer o seguinte: já que você quer levá-lo, cativo, para sua terra natal e
ele quer levá-la, cativa, para a terra dos gregos, ele a desafia
novamente para uma luta
de vida ou
morte em campo aberto. Assim, a
espada, língua de ferro do destino, designará aos olhos justos dos deuses,
quem, dos dois, deverá beijar os pés do vencedor. Deseja este desafio?
Pentesiléia. (pálida) Como? (voltando-se
para Protoé) Repita, palavra por palavra, o que ele acaba de
dizer!
Protoé. (trêmula) Acho que o filho de Tétis está lhe
desafiando, novamente, em campo aberto. Recuse logo essa proposta e
diga: “Não”!
Pentesiléia.
Não é possível.
Protoé.
O que está dizendo, rainha?
Pentesiléia. Aquiles me desafia no campo de batalha?
Protoé. Devo dizer “não” a este homem e mandá-lo embora?
Pentesiléia. Aquiles me desafia no campo de batalha?
Protoé. Sim, Senhora, para continuar a luta.
Pentesiléia. Ele, sabendo que estou fraca demais para medir forças, me
desafia ao combate? Este peito fiel só será capaz de comovê-lo quando estiver
atravessado por sua lança? Minha mão coroou uma estátua de pedra?
Protoé. Esqueça o insensível!
Pentesiléia. (inflamada) Pois muito bem,
terei forças para enfrentá-lo.
Protoé. Minha
amada... Você pensou direito...?
Pentesiléia. Vocês terão de volta todos os cativos.
Antíloco.
Irá, portanto...
Pentesiléia. Enfrentá-lo no campo de batalha, tendo os deuses, até mesmo as
Fúrias, por testemunha. (Uma trovoada enquanto Antíloco sai)
Sacerdotisa. Rainha, ouça o estrondo de cólera dos deuses contra você!
Pentesiléia. Sou eu quem os chamo com seu trovão e seus raios. Venham,
terríveis carros ceifadores! Cerquem-me, esquadrões que pisam a colheita
humana, destruindo, para sempre, o talo e o grão! Eu o invoco, aterradora
máquina de guerra! (Surgem amazonas com cães na coleira. Aumentam as
trovoadas. Pentesiléia apresenta sinais de loucura, os cães uivam). Eu o
invoco, Ares, fundador de minha raça: “Ó Destruidor, minha esperança,
minha força, mande-me seu carro de bronze, para que eu possa, como um raio na
tempestade, atingir a cabeça desse grego“.
Protoé. (à parte) Está fora de si.(para Pentesiléia)
Escute-me, nobre rainha!
Pentesiléia. O filho de Tétis me chama. Sigam-me! (sai em meio a
violentas trovoadas).
Protoé. Rápido, vamos atrás dela.
Sacerdotisa. Pelos deuses, o
que estará nos esperando?
(Todas
saem).
cena 2.
Aquiles,
Diomedes, depois Ulisses e, mais tarde, Antíloco.
Aquiles. Faça-me o favor, Diomedes, de não dizer nada a Ulisses, esse
desmancha-prazeres. Sinto repugnância, vendo sempre em seus lábios esse ar de
reprovação.
Diomedes. Então é verdade que mandou Antíloco como mensageiro?
Aquiles. Vou lhe confessar tudo: essa mulher fantástica, meio Fúria, meio
Graça, me ama. E eu também a amo. Acontece que ela considera sagrado o capricho
de só me ter amorosamente nos braços depois de ter-me vencido pela espada.
Diomedes. E você a desafiou para o combate...
Aquiles. Mas ela não me fará mal nenhum; ela voltaria a mão contra seu
próprio peito gritando “Vitória!”, antes de levantá-la contra mim. Estou
decidido a fazer todas as sua vontades, durante um mês ou dois. Meu velho trono
não vai desmoronar por isso. Depois, ela mesmo o disse, voltarei a ser livre
como cabrito no prado. Se ela me seguir, minha maior alegria será fazê-la
sentar no trono de meus pais.
(Entra Ulisses)
Diomedes. Aproxime-se, Ulisses!
Ulisses.
Aquiles, você acaba de provocar
a rainha para o combate? Suas
tropas estão esgotadas e você está se arriscando numa empreitada que já lhe
levou ao fracasso.
Diomedes. Nem lhe
fale de empreitada ou de luta, ele só pensa em ser capturado por ela.
Ulisses.
O quê?
Aquiles
Vá embora daqui!
Ulisses. Ele só pensa em...
Diomedes. Acabo
de dizer... Em romper seu elmo, arrombar seu escudo e depois, sem uma
palavra, se jogar a seus pezinhos!
Ulisses.
Aquiles, esse homem perdeu o juízo? Ouviu o que ele disse?
Aquiles. Por
favor Ulisses, não faça essa cara de desdém. Isso me irrita.
Ulisses Que inferno! Estarei ouvindo bem? Você jura, Diomedes, que ele
quer se entregar à rainha e se tornar seu cativo?
Diomedes.
É o que acabo de dizer.
Ulisses. E
nossa guerra por Helena, em Tróia, este insensato a abandona?
Diomedes.
Juro que é verdade.
Ulisses. Não acredito.
Aquiles. Do que ele estava falando? De Tróia?
Ulisses. O que você está dizendo?
Aquiles. Eu?
Ulisses. Sim, você.
Aquiles. Eu perguntava se você estava falando de Tróia.
Ulisses. Sim, queria saber se a guerra por Helena tinha sido esquecida,
como um sonho matutino.
Aquiles. Mesmo se Tróia afundasse e em seu lugar surgisse um lago de águas
azuis, ela não me seria mais indiferente do que agora.
Ulisses. Mas ele está falando sério! (a Diomedes) Não
deixe esse homem sozinho! (entra Antíloco)
Aquiles. Então, ela aceita?
Antíloco. Aceita, filho de Peleu. Aliás, já está vindo. Mas com uma tropa feroz
de amazonas acompanhadas de cães. Não sei o que está querendo com isso.
Aquiles. Deve ser o costume de sua raça... Ela é cheia de artimanhas...
Com cães, você disse?... É, mas eles devem comer na mão; devem ser mansos como
ela... Sigam-me!
Diomedes. Que louco!
Ulisses.
É preciso amarrá-lo...
Diomedes. As amazonas estão chegando, vamos embora. (Todos saem).
cena 3.
A sacerdotisa, as virgens e amazonas. Depois, Astéria.
Depois ainda Pentesiléia e Protoé com o cadáver de Aquiles.
Sacerdotisa. Tragam cordas! Derrubem a cadela! Amarrem-na! Não há mãos que
ainda possam dominá-la. Espumando, ela se entrega à fúria entre os cães.
Brandindo o arco e dançando pelos campos, como uma bacante, ela chama de
“irmãs” a estas feras uivantes e atiça sua matilha carniceira contra o mais
belo dos gamos. Filhas de Ares, armem-se de cordas para derrubá-la como um cão
raivoso e amarrá-la. Vamos levá-la para casa e ver se há meio de salvá-la.
Astéria. (ainda fora do palco) Vitória! Vitória!
Aquiles caiu, ele foi derrotado. Vencedora, ela vai coroá-lo de rosas.
Sacerdotisa. Ouvi bem? Qual de vocês poderia confirmar essa notícia?
Astéria. (entrando). Os
deuses do inferno são testemunhas: Pentesiléia, nascida de uma mulher,
está por terra com os cães e dilacera o corpo do filho de Tétis.
Sacerdotisa. É apavorante! Quem poderá decifrar esse monstruoso enigma?
Astéria. Santa sacerdotisa de Ártemis, castas filhas de
Ares, escutem-me: sou a Górgona africana que só de olhar vai transformá-las em
pedra.
Sacerdotisa.
Fale, mulher medonha, o que aconteceu?
Astéria. Aquela que não tem mais nome para nós marchava ao encontro do tão
amado jovem guerreiro, brandindo o arco e tendo seus cães em volta. Deixando
para trás seus amigos, Aquiles, que, como todo o exército assegura, a tinha
desafiado apenas para render-se voluntariamente a ela, pois também a amava, se
aproxima com o coração cheio de ternos presságios. Mas, quando ele - que,
inocente, só leva uma lança, e assim mesmo apenas para dar a impressão que está
armado -, quando ele vê que ela avança com esse sinistro cortejo, vacila, vira
a cabeça, escuta, foge apavorado, pára e foge mais uma vez como um pequeno gamo
que ouve ao longe o rugido do leão. Com a força que lhe dá a loucura, a rainha
retesa o arco, aponta, atira e sua flecha traspassa o pescoço do filho de
Tétis. Ele desmorona, mas, ainda vivo, se levanta arquejante, cai, se levanta
de novo e tenta fugir. “Peguem!”, grita ela, “Cães, peguem-no!” Precipitando-se
sobre ele com toda a matilha, ela não passa de uma cadela no meio de cães que
aferram seu peito, seu pescoço...
Arrastando-se no sangue, ele ainda lhe acaricia o rosto, dizendo:
“Pentesiléia, minha noiva, era esta a Festa das Rosas que você me prometia?”
Mas ela arranca a couraça que ainda o cobre e crava seus dentes em seu alvo
peito, competindo em ferocidade com os cães. Quando cheguei, o sangue pingava
de sua boca e de suas mãos. (Um silêncio de pavor).
Sacerdotisa. Uma virgem como ela, tão pura, tão sensata, tão cheia de dignidade e de
graça! (Silêncio).
Astéria. A infeliz permanece lá, junto ao cadáver, sem dizer uma palavra,
com os olhos fixos no vazio. De cabelos em pé, perguntamos o que ela está
fazendo ali? Ela se cala. Perguntamos se ela nos reconhece? Continua calada.
Perguntamos se ela quer vir conosco? O mesmo silêncio... Apavorada, corri para
cá. (Pentesiléia entra seguida por Protoé carregando o cadáver de
Aquiles coberto por um pano vermelho).
Astéria. Ei-la que chega, coroada de ortigas e espinhos secos, seguindo
o cadáver, com o arco no ombro em sinal de vitória.
Sacerdotisa. (apavorada). Ártemis é testemunha, não sou responsável por essa atrocidade.
Suma daqui, criatura do Hades! Afaste-se, sombra! Vá e acabe de apodrecer no
campo onde voam os corvos! (Pentesiléia examina uma flecha, limpa o sangue
que a sujou, seca as penas, separa a ponta de ferro da haste de madeira
e olha em volta. Estremece, deixa cair seu arco e chora.) Ajude-a, Protoé!
Protoé (parecendo viver uma luta interior, deita o cadáver no chão, se aproxima de Pentesiléia e lhe fala, aos
prantos) Não quer sentar-se,
rainha? Você lutou e sofreu demais. Não quer descansar no meu coração fiel? (Pentesiléia
olha em volta; Protoé, tomando-a pela mão, senta numa pedra junto com
ela) Você me reconhece, irmã de meu coração? (Pentesiléia olha
para ela, seu rosto se anima um pouco) Sou eu, Protoé, que lhe ama
com ternura (Pentesiléia lhe acaricia o rosto; Protoé lhe beija as mãos). Não
é fácil vencer, você deve estar cansada. Não quer lavar o rosto e as
mãos?
(Pentesiléia se olha e aprova com a cabeça). Tire essa coroa de espinhos,
sabemos que você foi vitoriosa! (Duas amazonas trazem uma bacia
d’água; Pentesiléia se ajoelha e molha o rosto).
Pentesiléia. Oh, Protoé!
Sacerdotisa. (contente) Ela está falando.
Louvados sejam os deuses!
Protoé. Que bom! Mergulhe a cabeça na água!
Pentesiléia. Que maravilha! (Protoé enxuga a rainha, levanta-a, senta
ao seu lado e a abraça) Que sensação estranha.
Protoé. De bem estar, espero.
Pentesiléia.
(sussurrando) De encantamento.
Protoé. Doce irmã de meu coração, minha vida!
Pentesiléia. Diga-me, estarei nos Campos Elísios? Será você uma das ninfas
eternamente jovens que, para me alegrar, assumiu os traços de minha querida
Protoé?
Protoé. Não, melhor das rainhas, sou eu mesma, Protoé, que a está
abraçando. O que você está vendo é o mundo, o mundo frágil que os deuses só
olham de longe.
Pentesiléia. Não faz mal. Estou feliz. Ainda estou viva, isso me basta para
ser feliz. Deixe-me descansar! (Um silêncio; em êxtase)
Estou tão feliz, ó
Ártemis, que posso morrer. Se eu morresse agora,
teria a certeza de ter vencido Aquiles.
Protoé. (para Astéria) Rápido, afaste o
cadáver!
Pentesiléia. (olhando em volta) Querida, que artimanhas são
essas?
Protoé.
Juro que não é nada.
Pentesiléia (para Astéria) O que vocês estão levando? Parem! Quero
ver.
Protoé. Oh, rainha, não queira saber.
Pentesiléia. (abre passagem até o cadáver encoberto) É ele?
Será que o atingi em alguma parte vulnerável? Afastem-se! Mesmo que seus
ferimentos sejam medonhos, quero vê-lo. (levanta o pano que cobre o
cadáver) Que monstro pode ter feito isso?
Protoé.
Você nos pergunta?
Pentesiléia.
Oh, Ártemis, tudo está consumado! (cai
por terra)
Protoé. Por que você não seguiu meu conselho, infeliz? Melhor teria sido
perder-se para sempre na noite da razão do que ter visto essa luz cruel.
Pentesiléia. (erguendo-se um pouco). Rosas de sangue! Coroa de chagas! Seus botões já murcham e exalam
o cheiro do túmulo.
Protoé. (com ternura) E, no entanto, foi o amor que o coroou. Mas com entusiasmo demais, com os
espinhos das rosas para que a coroa fosse eterna.
Pentesiléia. Quero saber quem foi minha ímpia rival. Não quero saber quem
matou esse corpo cheio de vida, mas quem, pela segunda vez, matou o morto.
Perdôo quem lhe roubou a centelha da vida. Mas quem desfigurou esse jovem,
semelhante aos deuses, a tal ponto que a vida e a podridão nem mais o disputam,
deste, eu me vingarei.
Protoé. O que responder? Se for para aliviar sua dor, escolha qualquer
uma de nós para sua vingança.
Pentesiléia. Tome cuidado! Vocês ainda vão acabar dizendo que sou eu a
culpada.
Sacerdotisa.
E quem mais, senão você, infeliz?
Pentesiléia.
Princesa dos infernos, como se atreve?
Sacerdotisa. Ártemis é testemunha. A tropa inteira pode confirmar minhas
palavras. Foi sua própria flecha que o atingiu e quisera deus que fosse apenas
isso... Mas, ao vê-lo cair, desvairada, você avançou com seus cães e cravou...
não ouso dizer o que você fez então... Não queira saber. Partamos!
Pentesiléia. Não acredito; quero que Protoé o confirme.
Protoé. Oh, rainha, não me pergunte.
Pentesiléia. Como? Eu? Com os cães? Com estas mãos tão pequenas? Com essa
boca entreaberta para o amor? Com essas
mãos e
essa boca feitas para servi-lo de
maneira tão diferente? Não,
vocês não podem me convencer disto. Estão mentindo. Ou, então, me expliquem:
por que ele não se defendeu?
Sacerdotisa. Ele a amava, infeliz. Ele só foi ao combate, ele só lhe provocou,
para tornar-se seu cativo. Ele veio ao seu encontro com o coração pacífico,
pronto a lhe seguir ao templo de Ártemis. Mas você o feriu...
Pentesiléia. Eu o despedacei, não foi? Teria ele morrido de meus beijos? Não
foram beijos que eu dei? Teria eu o dilacerado realmente? Respondam!
Sacerdotisa. Desgraçada. Que a noite eterna a envolva para sempre!
Pentesiléia.
Então foi um erro! Beijar, despedaçar,
isso rima...
Quem ama de todo coração pode muito bem confundir uma coisa com a outra.
(ajoelha-se diante do corpo de Aquiles) E você, você me perdoa, não é?
Ártemis é testemunha: se me expressei de modo tão errado, foi porque não era
dona de meus lábios. Mas agora vou lhe dizer mais claramente o que pensava
naquele momento (ela o beija). Era só isso. É verdade que mais de uma
mulher se pendura ao pescoço de seu amado e lhe diz: “Eu o amo tanto que o
comeria”. Mas bastam estas palavras, para elas sentirem náuseas. Eu, eu não fiz
isso, meu amado. Quando me pendurei a seu pescoço foi para cumprir a promessa,
palavra por palavra. Não estava tão louca quanto parece.
Sacerdotisa. Que monstro. O que ela está dizendo? Prendam-na, levem-na daqui!
Protoé. Venha, rainha!
Pentesiléia. (se levantando) Está bem. Aqui
estou.
Sacerdotisa.
Você vem conosco?
Pentesiléia. De modo algum. Voltem para casa e sejam felizes se puderem.
Protoé.
E você, amiga?
Pentesiléia. Rompo com a lei das amazonas e sigo este jovem guerreiro na
morte. Desço ao fundo do peito como ao fundo da terra e de lá extraio um
sentimento destruidor, frio como metal. Frio como um metal que purifico no fogo
da desgraça até endurecê-lo como aço, que mergulho no veneno corrosivo do
arrependimento, que levo para a bigorna eterna da esperança, que afino e afio
como adaga. A esta adaga entrego meu coração. Assim! Assim! Assim! Assim está bem!
(cai nos braços de Protoé e morre)
Protoé.
Flor poderosa e orgulhosa, ela morreu.
(deita-a no chão)
Astéria. Ela realmente o seguiu. Foi melhor assim. Aqui não havia mais
lugar para ela.
Sacerdotisa. Ó deuses, quão frágil é o homem. Esta que jaz, prostrada ao solo,
ainda ontem, no auge da vida, fazia grande alarido.
fim.
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