Wagner Urubina
estava vivendo tempos difíceis. A inflação galopava, o emprego não surgia e as
contas se acumulavam. Perto de ter uma crise de nervos, sonhou uma noite com
sua avó Umberlita segurando-o nos braços como nos tempos de infância e lhe
aconselhando:
_ Meu neto querido! Seu futuro está em São Paulo. Não perca tempo. Vá para São Paulo! É lá que está a sua sorte!
Urubina acordou tão impressionado que começou a limpar a poeira da sua mala listrada antes mesmo do café matinal. À noite, estava pronto. Viajou no outro dia pela manhã, tão logo passar um telegrama a seus parentes distantes há muito tempo por lá estabelecidos. Ao chegar à grande metrópole, perambulou pela casa de dois primos, pernoitando com eles algumas semanas. Procurava emprego desesperadamente, nos curtumes e matadouros, mas estava tudo mecanizado. Ele era açougueiro de matar o gado na base da machadada e não saberia operar o maquinário com que os animais eram atualmente sacrificados. O dinheiro acabou. Urubina deu de vagar pelas ruas do Arouche, Bexiga e do Brás. Uma noite, bêbado, envolveu-se em uma briga quando um português lhe disse que todo baiano era bicha. Saiu na faca, feriu o lisboeta e foi preso. Duas semanas dormindo na prisão e, em uma noite destas, voltou a sonhar com sua avó lhe dizendo que seu futuro era em São Paulo. Wagner acordou extremamente irritado e amaldiçoou aquele fantasma de sua avó. Só poderia ser um demônio a lhe armar essa arapuca da desgraça! Felizmente o português não dera queixa. O delegado o interpelou e pediu para ouvir o seu caso. Não era outro senão o lendário delegado Sérgio Fleury, quem, apesar das lendas de ser um homem truculento e cruel, era, na realidade, um homem sensível e de grande coração. Urubina teve o bom senso de não mentir e contar tudo, o seu desespero no interior da Bahia, o sonho profético e a desilusão sofrida na grande capital. O delegado Fleury, ao ouvir sua história, deu uma sonora gargalhada e lhe censurou jocosamente:
_ Mas como você é mesmo um baiano idiota! Largou sua terra e veio atrás da sorte por causa de um sonho! Fique sabendo que eu já sonhei por cinco vezes estar saltando na rodoviária de uma pequena cidade, entrando por uma casa muito antiga, com ornamentos trabalhados na fachada e a data de construção escrita no reboco, ano 1935! Entro nessa casa por um pequeno portão que dá em um subsolo. Subo escadas de madeira, sob meus pés rangem as longas ripas do assoalho encerado. Chego a um quintal onde várias goiabeiras escondem uma velha pia de esmalte, cuja torneira não funciona mais. Debaixo dessa pia, cavo uns dois metros e encontro uma caixa de joias de ouro vermelho e broches de esmeralda, safira e diamantes! Um sonho muito vívido... Mesmo assim, você acha que eu iria largar meu emprego aqui em São Paulo para viajar em busca de uma quimera? Ora, ora, meu amigo! Vou lhe ajudar pois tenho pena de você. Lhe darei uma passagem. O nosso governo está promovendo o retorno de nordestinos que queiram voltar para a sua terra. A passagem só de ida e o dinheiro para um almoço. Agora vá! Não queremos açougueiros que andem por aí esfaqueando pessoas. E vê se, uma vez, lá na Bahia, durma menos e procure um emprego decente!
Urubina quase abraça o delegado de felicidade, mas se conteve. Apanhou o bilhete e o dinheiro da sua mão e rumou à rodoviária, embarcando na mesma tarde. No caminho lhe ocorre refletir no recursivo sonho contado pelo delegado. Ficou pasmo em perceber como a descrição dada por ele correspondia a sua própria casa. Ansioso e sem pregar os olhos por toda a viagem, mal saltou do ônibus, correu para casa, apanhou uma pá e começou a cavar embaixo da pia de esmalte cuja torneira esperava para ser consertada desde quando o seu pai era vivo. Ouviu a pá bater em algo e retinir metálico. O resto todos pode adivinhar. Soube, anos depois, que Wagner Urubina estava morando na Espanha, havia comprado um título de nobreza de um parente seu, Mário Encanador, herdeiro de um armador europeu, o Barão de Cascais (conto depois essa história) e lá vive como um lorde, criando cavalos da raça Apaloosa e bebendo vinhos licorosos de altíssima qualidade. Sempre que arguido, diz que deve tudo que possui à cidade de São Paulo, terra dos sonhos e das oportunidades!
_ Meu neto querido! Seu futuro está em São Paulo. Não perca tempo. Vá para São Paulo! É lá que está a sua sorte!
Urubina acordou tão impressionado que começou a limpar a poeira da sua mala listrada antes mesmo do café matinal. À noite, estava pronto. Viajou no outro dia pela manhã, tão logo passar um telegrama a seus parentes distantes há muito tempo por lá estabelecidos. Ao chegar à grande metrópole, perambulou pela casa de dois primos, pernoitando com eles algumas semanas. Procurava emprego desesperadamente, nos curtumes e matadouros, mas estava tudo mecanizado. Ele era açougueiro de matar o gado na base da machadada e não saberia operar o maquinário com que os animais eram atualmente sacrificados. O dinheiro acabou. Urubina deu de vagar pelas ruas do Arouche, Bexiga e do Brás. Uma noite, bêbado, envolveu-se em uma briga quando um português lhe disse que todo baiano era bicha. Saiu na faca, feriu o lisboeta e foi preso. Duas semanas dormindo na prisão e, em uma noite destas, voltou a sonhar com sua avó lhe dizendo que seu futuro era em São Paulo. Wagner acordou extremamente irritado e amaldiçoou aquele fantasma de sua avó. Só poderia ser um demônio a lhe armar essa arapuca da desgraça! Felizmente o português não dera queixa. O delegado o interpelou e pediu para ouvir o seu caso. Não era outro senão o lendário delegado Sérgio Fleury, quem, apesar das lendas de ser um homem truculento e cruel, era, na realidade, um homem sensível e de grande coração. Urubina teve o bom senso de não mentir e contar tudo, o seu desespero no interior da Bahia, o sonho profético e a desilusão sofrida na grande capital. O delegado Fleury, ao ouvir sua história, deu uma sonora gargalhada e lhe censurou jocosamente:
_ Mas como você é mesmo um baiano idiota! Largou sua terra e veio atrás da sorte por causa de um sonho! Fique sabendo que eu já sonhei por cinco vezes estar saltando na rodoviária de uma pequena cidade, entrando por uma casa muito antiga, com ornamentos trabalhados na fachada e a data de construção escrita no reboco, ano 1935! Entro nessa casa por um pequeno portão que dá em um subsolo. Subo escadas de madeira, sob meus pés rangem as longas ripas do assoalho encerado. Chego a um quintal onde várias goiabeiras escondem uma velha pia de esmalte, cuja torneira não funciona mais. Debaixo dessa pia, cavo uns dois metros e encontro uma caixa de joias de ouro vermelho e broches de esmeralda, safira e diamantes! Um sonho muito vívido... Mesmo assim, você acha que eu iria largar meu emprego aqui em São Paulo para viajar em busca de uma quimera? Ora, ora, meu amigo! Vou lhe ajudar pois tenho pena de você. Lhe darei uma passagem. O nosso governo está promovendo o retorno de nordestinos que queiram voltar para a sua terra. A passagem só de ida e o dinheiro para um almoço. Agora vá! Não queremos açougueiros que andem por aí esfaqueando pessoas. E vê se, uma vez, lá na Bahia, durma menos e procure um emprego decente!
Urubina quase abraça o delegado de felicidade, mas se conteve. Apanhou o bilhete e o dinheiro da sua mão e rumou à rodoviária, embarcando na mesma tarde. No caminho lhe ocorre refletir no recursivo sonho contado pelo delegado. Ficou pasmo em perceber como a descrição dada por ele correspondia a sua própria casa. Ansioso e sem pregar os olhos por toda a viagem, mal saltou do ônibus, correu para casa, apanhou uma pá e começou a cavar embaixo da pia de esmalte cuja torneira esperava para ser consertada desde quando o seu pai era vivo. Ouviu a pá bater em algo e retinir metálico. O resto todos pode adivinhar. Soube, anos depois, que Wagner Urubina estava morando na Espanha, havia comprado um título de nobreza de um parente seu, Mário Encanador, herdeiro de um armador europeu, o Barão de Cascais (conto depois essa história) e lá vive como um lorde, criando cavalos da raça Apaloosa e bebendo vinhos licorosos de altíssima qualidade. Sempre que arguido, diz que deve tudo que possui à cidade de São Paulo, terra dos sonhos e das oportunidades!
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