Cena 01 – Frente de uma pousada no final da tarde. Um carro estaciona. Salta um rapaz que se dirige à recepção.
Uma garota extremamente pálida o
atende e alega não ter vagas, devido a um evento esportivo na região. O rapaz
pede permissão para dormir dentro do carro, no estacionamento. Ela consente.
Mal ele retorna ao carro com expressão de profundo cansaço, ela o aborda e lhe
oferece um quarto “provisoriamente vago”. Um antigo inquilino, muito boêmio,
estava a três dias sem aparecer e, provavelmente, só retornaria no final dos
festejos. Ele poderia dormir no quarto do boêmio, sob a condição de ter que
voltar para o carro se o inquilino desse o ar de sua graça no meio da
madrugada. Ele aceita e ela o conduz até o quarto. Ela mostra um guarda-roupas
onde estão os pertences do inquilino. Provavelmente trancadas. Ele pede que ele
não mexa em nada e improvise sobre uma mesa e uma cadeira os seus objetos
pessoais. Ela sai, antes lhe entregando um par de toalhas, sabão e cobrando
antecipado a pernoite. Ele joga a sacola sobre a mesa, toma um banho e se joga
na cama onde rapidamente adormece sob a luz de uma tempestade que corusca na
janela.
Cena 02 – Um estridente ring-tone desperta o rapaz do sono
pesado. Ele tateia na penumbra e apanha o celular.
Voz em OFF – Alô! É do
quarto 25? Pousada Flores?
Geraldo apanha a chave e confere o
número na Etiqueta:
_ SIM!
_ Você ta hospedado aí, no
25?
_ Sim.... não.. isto é...
_Tá ou não tá, porra?
_ Qual o problema meu amigo? Você é o
dono do quarto, por acaso?
_ Sou eu mesmo - (A voz em OFF
parece se acalmar lentamente) - Liguei para a recepção e deram-me seu
número. Preciso muito de um favor seu, meu camarada!
_ Se você quer o seu quarto de
volta... Pode vir cara, eu já estava prevenido.
Geraldo faz cara de resignação
estoica e se prepara para levantar. A luz é mortiça e provém do banheiro de
porta semi-aberta.
_ Não. É de outra coisa! Escute bem
que o bagulho é sério e o bagulho é muito doido! Faz bem uns três dias que eu
estou andando por um lugar sinistro. Só neblina pra tudo que é lado. Eu não
durmo, não sinto sono, nem frio ou calor, não como nada nem tenho fome... Só
andando mais perdido que girassol em dia nublado! Até que cheguei perto de uma
imensa mesa de granito, no meio do nada, com um enorme telefone em cima e
consegui telefonar....
_ Caramba, velho! Você tá muito
doido. Deixa-me dormir, bróder. Depois você me conta sua onda!!!
_ Eu to desesperado! Mas
chapado, não! Veja minha voz se parece voz de maluco! Acredita em mim. É
serio...
_ ...
_ A parada é a seguinte,
rei: Há três dias atrás, voltei da night altas horas... Queria dormir o dia
todo, mas sabia que a dona da pousada iria me acordar para cobrar o aluguel.
Pra evitar esse problema, deixei a porta do quarto encostada pra ela ver que eu
não estava e entrei no guarda-roupa, fechei por dentro e dormi ali dentro. Mas
acho que eu morri, manôôô! Morri aí dentro do armário! Você precisa só abrir a
porta e confirmar pra mim! Por favor, irmãozinho! Tô com muito medo!!! Eu não
quero morreeeeeer!
_ Cara! Você é doente! Ou então é
alguma pegadinha de merda! Vou desligar essa porra! – Geraldo está sentado
sobre a cama.
_Desliga não, cumpadi, que eu vou lhe
provar agora! Posso ver por baixo da neblina, através do piso de cristal, o
quarto onde você está. Você tá usando um corrente de prata no pescoço, com um
crucifixo, tem uma cicatriz no ombro e ta usando só um pé de meia....
Geraldo salta de um pulo para o meio
do quarto! Acende a luz e vasculha com os olhos o teto e as paredes:
_ Que porra! Tem câmera aqui dentro!
Meu tio trabalha na polícia! Boto vocês todos em cana!
_ Qualé mané câmera, meu
irmão! Você tá tão pirado quanto eu!!! É só puxar com força a porta do
guarda-roupa. Tá só no calço. Vai lá, primo! Dá essa força! Puxa aí.... Aiii
meu Deus!
Geraldo, meio ressabiado, com medo de
estar sendo filmado, segura na porta do guarda-roupa e puxa. Fechado! Puxa com
mais força. Joga o telefone sobre a cama e segura a parte superior da porta com
as duas mãos. O celular na cama geme:
_ Aiii! Num quero nem ver! Força,
cumpadi!
Geraldo dá um safanão e a porta do
armário se abre deixando cair sobre o piso do quarto um pálido e enrijecido
cadáver em forma de múmia sentada. O corpo faz um som fofo ao bater no chão!
Geraldo ensaia um grito de pavor! Escurece!
Cena – 03 Geraldo acorda sobre a cama com a expressão de um pesadelo.
Estava sonhando e é acordado pelo som de mãos batendo na madeira. Ele pula da
cama, se apóia na porta e fita o guarda-roupa com estupor. Então percebe que as
batidas são na porta do quarto. Respira. Vira-se e abre a porta lentamente. A
recepcionista pálida está bem em frente na porta:
_ Tudo bem, Seu Geraldo? Acordei-lhe,
não foi?
Geraldo pasa a mão aliviado sobre o
rosto suado. Lá fora ainda relampeja.
_ Estava tendo um pesadelo. Que bom
que você me acordou! O que foi? O dono do quarto chegou?
A recepcionista desenha no rosto uma
expressão diabólica. Estende-lhe um celular e diz:
_ TELEFONE PARA O SENHOR!
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