terça-feira, 8 de novembro de 2016

CINZAS, NADA MAIS!



A mitologia grega se utiliza de dois titãs para explicar a origem do homem, os irmãos Epimetheu e Prometheu.
O primeiro, muito esquecido e displicente, o segundo, célere e visionário. Ao primeiro foi dado a tarefa de prover os animais com recursos capazes de adaptá-los e favorecê-los na luta pela existência, e assim Epimetheu o fez. Deu asas aos pássaros, unhas e pelos aos ursos, cascos aos quelônios, dentes graúdos aos felinos, chifres aos búfalos... E nesse arremedo de criação, empolgado, o titã acabou por se esquecer do homem, miserável implume, nu com a mão no bolso, digno da mais profunda piedade. Sem mais nenhum recurso biotecnológico par lhe ofertar, Epimetheu pediu socorro ao seu irmão que teve então uma perniciosa ideia para corrigir a injustiça e a displicência do seu irmão: roubar o fogo dos Deuses no Olimpo e doar ao homem. De fato, com a posse desse magnífico elemento, o homem rapidamente sobrepujou seus concorrentes e compensou sua corpórea miserabilidade. Aqueceu o seu lar e amoleceu os alimentos, espantou as feras e venceu as espinhosas florestas, forjou metais e iluminou s trevas. Nenhum outro elemento ou força da natureza simbolizou com tamanha perfeição o progresso e a evolução da sociedade humana. Tornou-se um deus entre os outros invejosos deuses do Olimpo, fato pelo qual Prometheu foi antecipadamente condenado e castigado. O problema começa quando percebemos que, até hoje, nenhum mitólogo ou estudioso tenha percebido a dimensão profunda desse mito em sua secreta polissemia: o fogo roubado dos deuses não é apenas o fogo físico, a técnica de saber produzir e transportar as brasas, a arte de controlar a combustão química. O fogo roubado trata também, em um sentido mais etéreo e profundo, da inquietação e do desassossego que acompanha o homem desde sua origem (podemos evocar também o mito hebraico de Deus criando o homem e insuflando no barro o hálito divino que sabemos bem ser um FOGO VIVO, o sopro que Jeovah infunde no corpo de Adão pelas narinas). Toda a engenhosidade e as transformações na face da terra promovidas pelo homem, seus zigurats e seus foguetes, suas bombas e seus transgênicos, suas telas e seus livros de mil páginas, até hoje o inquieto e desassossegado homem não para de inventar e transformar, de lamber a superfície do mundo como sua língua de fogo redesenhando a face, as entranhas e, muito em breve, o forro celestial do nosso pequeno rochedo chamado de planeta. Talvez o que mais admiramos nos outros animais, para além de sua beleza e singularidade, seja o fato do animal ser naturalmente sossegado, tranquilo como a água de um lago que dorme, absolutamente confortável com seu ambiente e espaço natural. Não há, nos bichos, nenhum fogo a lhes consumir a alma, nenhuma necessidade de futucar, de refazer, de inventar ou de se lançar em aventuras para além do que lhe é biologicamente determinado. Charles Darwin pode muito bem ter criado sua fábula de uma evolução mecânica, aleatória e forânea observando os animais e como eles são passivos, joguetes do meio-ambiente e das forças moduladoras de suas entourages. Fosse ele um psicólogo e observador da alma humana, jamais acreditaria em evolução que não viesse de dentro (nesse sentido o Lamarck e os vitalistas foram muito mais intuitivos). Os vitalistas, de Buffon, Saint Hilaire, passando por Lamarck, Weissman e chegando até o filósofo Bergson, gostavam de pensar um “plasma Germinativo”, um élãn, um elastério, uma força vital que outra coisa não seria senão esse fogo a consumir o mundo e nos auto-cozinhar, nos moldando como espécie e civilização a partir da nossa própria inquietude e desassossego. De origem mística ou divina, essa energia plasmadora penetra na primeira célula, no primeiro infuso vivo nos lagos oceânicos e vai desenhando formas de vida cada vez mais diferenciadas, como se escavasse a matéria, abandonando cada espécie ao seu fixismo e seguindo em frente até desembocar no homem, quando então atinge a auto consciência e se descobre fogo resplendecendo nos espelhos da linguagem! É quando surge as míticas narrativas, a explicação poética e encantada dos primeiros reflexos, o espírito vendo a si mesmo, para depois, no embaço e fumo que tal fogo impregna no espelho da linguagem, se transformar em obscuras teorias científicas, imagens carbonizadas e sem profundidade de um mundo consumido pela técnica e já sem a rosácea luminosidade das primeiras auroras!
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