Sonhei esta noite que estava subindo uma verde colina que parecia
nunca ter fim, seu pico enterrado em uma espessa neblina que não me
permitia ver além de alguns metros a frente.
O aclive era suave e eu
subia sem muito esforço. A névoa possuía uma luz dourada, com
ondulações sutis de tons alaranjados e eu me divertia vendo as árvores
espalhadas pelos contrafortes escarpados ao redor tremeluzirem e mudarem
de cor à medida que eu avançava. Súbito um sentimento grave e solene se
apoderou de mim anunciando a aproximação de alguma coisa magnífica e
fenomenal. O escritor Jorge Luiz Borges dizia que, quando acordados, as
coisas são a causa dos nossos sentimentos, vemos um tigre e sentimos
medo, mas sonhando, a situação se invertia: nossos sentimentos assumem o
comando e geram as imagens correlatas. Sentimos medo e sonhamos um
tigre para dar um sentido a esta aflição. Era o caso. Eu sentia algo que
transcendia o próprio medo de morrer. Se considerarmos que o nosso
inconsciente desconhece a morte, sentir algo para além desse mesmo e
interditado sentimento pode dar uma vaga ideia do que me fazia tremer as
pernas e vasculhar em quase pânico o estofo vaporoso da neblina dourada
ao redor, procurando a causa do meu pavor. Foi quando surgiu no alto da
colina um gigantesco olho a flutuar me visando como se procurasse por
mim desde a primeira manhã do universo. Olhava-me dentro da alma e
parecia estar em todos os lugares, ou era eu que não conseguia mais me
mover, extático diante de tão surreal aparição. O olho se aproximou,
seus músculos laterais contritos a expressar alguma emoção que eu não
conseguia identificar... Caí de joelhos. O olho já estava cerca de 10
metros de minha cabeça, quando então... PISCOU, e passou suavemente
sobre mim a se perder pela neblina. Acordei com a deliciosa e
megalomaníaca sensação de que Deus concorda comigo!
Como sonhos bons nunca vem sozinhos, nessa mesma noite tive outro sonho
fabuloso, antes desse, do olho gigante que acabo de narrar. Desta vez
fora com um primo lá de Itambé, o Engenheiro Nuclear Caio Maciel. Ele
havia, no sonho, adquirido um tremendo poder paranormal capaz de nos
fazer ouvir músicas interiores, dentro do nosso próprio cérebro. Eu, o
irmão dele Carlos Maciel e um amigo, misto de pistoleiro, Luis Cardoso,
estávamos ansiosos esperando ele chegar de Paris para nos fazer uma
demonstração do seu novo poder. Não demorou e o Caio surgiu, usando uma
boina de pintor francês e carregando um instrumento musical dentro de
um case com rodinhas. Foi logo fazendo a demonstração do seu poder sem
sequer nos cumprimentar. Fechamos os olhos e eu comecei a ouvir os
acordes de uma orquestra ensaiando seus instrumentos. De olhos
semicerrados eu via o Caio gesticular uma invisível batuta no ar e os
acordes metálicos de uma valsa jazzística invadiu minha consciência. Em
seguida, um fagote e outro instrumento de som aveludado – uma clarineta
talvez – começaram uma linha melódica de tremenda vivacidade e afinação!
Uma música belíssima que não me recordo de nunca ter ouvido antes. O
interessante é que, acontecendo apenas no interior da minha mente, eu
podia modular as notas, ativar outros instrumentos – com certa timidez
visto eu não ser um músico – mas fascinado em perceber como eles, os
instrumentos invisíveis dentro da minha cabeça que sonhava eram capazes
de se harmonizarem no escopo de tão animada “jam Session”. Curioso
também era que o regente sonhado dessa música imaginária, era capaz
também de regê-la, intervindo nos acordes e na gama sonora tão logo eu
os invocava. Olhei para o rosto dos meus colegas e eles pareciam tomados
pelo mesmo feitiço, balançando as cabeças, de olhos ébrios, como se
arrebatados por outra ou mesma melodia. Um deles, não me recordo qual,
possuía uma gigantesca pata de águia no lugar da perna e suas garras
apertavam um imenso mapa-mundi que servia de tapete sobre o assoalho.
Sem querer vulgarizar o sonho, pode ser que ele tenha algo a ver com o
Frango assado que comprei ontem em uma Churrascaria aqui perto de casa e
que tracei só deixando uma asa.
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