segunda-feira, 5 de julho de 2021

MICROCONTO DE TERROR E CRÔNICA MEDIEVAL

 


   No sonho, Renan caminhava pelo jardim do hospital onde estava internado após uma cirurgia que lhe havia deixado em estado de coma induzido. Ao passar por uma aleia de buganvíllias caídas sobre um pátio de ladrilhos bastante envelhecidos, caminhando em sua direção, viu aproximar-se dele a sua esposa e a sua mãe. Elas o reconheceram à distância e acenaram surpresas, para logo manifestar um misto de espanto e decepção:

_Desculpe-nos, Senhor! Confundimos o senhor com nosso filho e esposo internado em um destes quartos. O Srº se parece muito com ele!

Renan, que já havia estendido os braços para acolhê-las, tentou dizer que era ele mesmo quem estava ali, ao lado delas... Mas sabemos como são esses sonhos típicos de um pesadelo: queremos falar, mover, gritar, porém não conseguimos nada! As duas senhoras, aflitas e apoiando-se mutuamente pelos braços, seguiram em direção ao corredor do hospital onde gemiam os leitos enfileirados. Renan, em um esforço supremo, voltou-se e tentou segui-las. Viu quando entraram por um quarto no final do corredor, perto de um bebedouro. Aproximou-se e girou a maçaneta, entrando no aposento que rescindia a um forte cheiro de eucalipto. Era um corredor longo, excessivamente estirado entre paredes frias, de encerado assoalho, que findava em uma janela de vidro fosco, embaixo da qual ficava um leito. As duas senhoras, sua mãe e sua esposa, estavam sentadas ao lado de um homem acamado. ERA ELE MESMO, pálido e desacordado. Apressou o passo sentindo que as opressivas paredes do aposento se estreitavam e viu seu duplo sonhado abrir os olhos. Ouviu ele dizer para as duas senhoras:

_Que sonho estranho tive agora! Sonhei que andava pelo jardim do Hospital, encontrei voces duas e voces não me reconheceram, voltei aqui para o quarto e vi a mim mesmo deitado nessa cama onde estou agora! Mas, quem é esse senhor aqui dentro? Quem é esse ali - enquanto dizia isso, apontava para a porta do quarto - esse que me olha desse jeito?

Sua esposa passou-lhe a mão pela testa levemente febril de Renan. Sabia que ele ainda estava atordoado. Pediu que sua sogra fechasse a porta do armário aberta, onde um grande espelho voltava-se para a janela iluminada, bem em frente ao leito do pobre coitado.

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BACKYARD OF A MEDIEVAL CASTLE - Nos Castelos medievais e mesmo em grandes mansardas de outrora, a grande vida acontecia de fato nos fundos, na cozinha, especialmente no inverno, onde tudo girava em volta do fogo elementar, onde todos se reuniam, vindos de surpresa pelos vastos e abertos quintais e quintas separadas do campo de pastagens e dos bosques por um fiapo de ribeirinho, uma cerca já quase apodrecida e engolida por arbustos selvagens. Por ali começava o azáfama de porqueiros e granjeiros vizinhos, comerciantes de panelas e viajantes famintos, cruzando estrebarias e currais, casas de servos cercadas de galinhas e cachorros esquálidos, hortas e muros de pedra cobertos de musgo... E UMA AUSÊNCIA ABSURDA DE QUINQUILHARIAS na grama verde em volta do lugar: nada de garrafas de plástico nem embalagens vazias, latas ou tubos espremidos de dentifrícios, frascos de desodorantes e pedaços de papelão, tampas de refrigerante, absorventes e pedaços de papel higiênico, marmitex de alumínio machucado e talheres de plástico, seringas e tênis furados, rodas de carrinhos de brinquedo e arames de caderno sem caderno, cacos de vidro e molas de colchão enferrujado, maços de cigarro e sacolas sem alça... Penso que fora por falta de lixo reciclável que teve fim o tempo da história que chamamos de Período Medieval!

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