terça-feira, 28 de julho de 2015

O PUDOR DOS PESCADORES.



Antes de ir pescar, faça as pazes com a matéria.

Com esse enxame de átomos e moléculas grudadas na sua alma como abelhas em torno de um favo de mel.

Com o seu corpo fustigado pelo tédio, mas que ainda tem seivas secretas, feito estes troncos serrados de onde brotam ramos verdes, cheios de primavera em pó.

É lá, no coração da matéria, que novas estrelas são forjadas, inomináveis e livres da sórdida mitologia humana.


Ainda há jovens se apaixonando e melodias secretas nas linhas das montanhas.


Assim que secar o orvalho sobre o piso frio da estrada, raspe os reflexos do luar decantado e faça um ramalhete para a louca da feira.


Ao ver as nuvens rolando nas pradarias do céu, não diga que tudo aquilo já foi visto, não condene o eterno retorno do mesmo...
E, gentilmente suplico, nunca siga meus conselhos!


Pois quando lhe peço para cantar, é para que acorde os peixes.


Entre pedras cobertas por limo amarelo e musgo verde. E gravetos podres. E folhas sobre a água onde eles, os peixes, bebem o chá da natureza. E se embriagam sonhando com anzóis de veludo e infernos de frigideiras.


Vejam que o ônibus já passou. Escutem a lataria enferrujada dentro da distante nuvem de poeira. Os pontos de sombra ao longo do bosque procuram-se com mãos ansiosas, tecendo um manto escuro com ilhas de luz cada vez mais estreitas. Ali ficarão elas presas, e quando o manto for estendido sobre o céu, eu gritarei:


_ No fundo de cada coisa um peixe nada.


Peixe! No receio de que daí saias nu.


Lançarei sobre ti o meu manto de imagens!
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