terça-feira, 20 de novembro de 2018
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1 comentários :

Blog do Cassi disse...

Um filme noir. Na pequena cidade de Vitória da Conquista, nas margens da Rodovia Federal BR-116 (Rio-Bahia) recém inaugurada, uma revolução cultural atinge um segmento sensível das suas camadas sociais: as esposas de ricos fazendeiros que, ao mesmo tempo que possuem poder aquisitivo e formação escolar para absorver os novos modismos, são também as que mais sofrem o constrangimento de uma moral agrária e medieval. Enfurnadas nas fazendas de seu esposos a cuidarem da família e do lar, a contradição de valores nelas faz ninho e germina em seus corações uma síntese dialética macabra: O SUICÍDIO, A LIBERDADE PELA NEGAÇÃO ABSOLUTA DA LIBERDADE! Com suas letras cursivas de colégios de padres, elas escrevem lacrimosas cartas descrevendo suas agruras, sua infelicidade e sonhos proibidos ao se despedirem da vida. Nestas cartas, o grande culpado é sempre o marido opressor e brutal. As cartas são explicitamente copiadas e fica patente o seu efeito epidêmico, o mórbido contágio da desilusão e da melancolia. Mimeógrafos escolares reproduzem as cartas clandestinas que o povo perverso cuida de espalhar. O assistente do Delegado da Cidade cria uma rifa (Raid das moças), uma cartela com o nome de várias mulheres das famílias mais tradicionais e vende os bilhetes. Quem acertar o nome da próxima suicida, papa o prêmio! O inusitado conflito de "choque cultural" apanha a todos perplexos e sem recursos para enfrentar o problema. A S.M.O. Sociedade dos Maridos Opressores se divide. Uma parte decide aliviar o controle marital e franquear pequenas liberdades a suas cônjuges, levando-as ao cinema e comprando-lhes roupas fashions; mas a maioria prefere recrudescer e apertar mais ainda o torniquete da moral agrária, pondo moleques para vigiar suas esposas e cortando ao máximo o acesso ao rádio e revistas de moda. No auge da epidemia, já com cinco suicídios seriais, e expectativa de outros iminentes, o Delegado é pressionado para por um fim no problema e começa sua dramática perquirição, sem métodos nem precedentes, para lidar com tão sutil ameaça, um inefável vapor da morte mercurial cobrindo a cidade nebulosa em longas cenas madrigais de neblina e "gererê". Por essa neblina trafega os mais tradicionais e exóticos tipos de uma cidade do interior: beatas, comerciantes, professoras e seus alunatos, padre, doutor e delegado... Além de tipos singulares de decisiva participação na trama, como um jornalista socialista, um hermafrodita curandeiro e uma misteriosa maçonaria plena de métodos escabrosos e secretos. Historias paralelas e menores vão se desenvolvendo para consolidar a personalidade dos protagonistas e a coalescência do universo cênico. São como arcos menores, as aventuras picarescas da rifa, das cartas clandestinas e dos larápios capturados pelo delegado, que, feito os arcobotantes de uma catedral, sustentam e anunciam o arco maior, o desfecho da tragicomédia em forma de um estratagema capcioso: o Delegado ameaça com um decreto oficial expor ao vexame público o corpo das próximas e quaisquer suicidas que doravante "baterem a caçuleta" na cidade ou na sua zona rural. O corpo da morta será exposto, nua, nos postes da praça central e lá ficando até apodrecer e ser comido pelos abutres. VITÓRIA DO PUDOR E DA MORAL! Nunca mais nenhuma senhorinha oprimida voltou a se matar pelas bandas de Vitória da Conquista, embora motivos, talvez, não viesse a lhes faltar!