domingo, 3 de abril de 2011

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

Na introdução o autor expõe o problema: como foi possível a emergência na Europa moderna de um sistema social conhecido como capitalismo? Antes de abordar a natureza deste problema, ele nos apresenta uma série de outras manifestações sociais, por exemplo, a ciência, a música, as artes, a democracia, que também encontraram no ocidente o seu pleno exercício e a sua maturação. Tais exemplos servem para acostumar o nosso espírito à idéia de uma superioridade natural da civilização européia - a Europa seria o cadinho onde as expressões da cultura humana conheceriam o acabamento e a perfeição. ( Etnocentrismo do autor? - trataremos depois desta questão..) De saída, o impulso para o ganho, a avareza, a cupidez, enfim, os aspectos volitivos são dissociados na gênese do capitalismo. Nesta gênese existiria uma outra atitude mais racional chamada de rentabilidade: uma ação propriamente capitalista onde o lucro resulta de uma planificação organizada do fluxo de bens - o valor auferido sendo permanentemente ( por definição ) superior aos custos de operação. Nesta diferença de valores constituíra-se, por acúmulo, o capital. Na relação desta característica com outra “sui generis” e típica da história do ocidente, a saber, o trabalhador livre, nasce uma nova configuração social orientada para um mercado real e reciclável ( o trabalhador consumindo parte dos bens produzidos ); com esta articulação entre trabalho organizado e autoconsumo a sociedade capitalista se liberta das condições políticas e especulativas do mercantilismo primitivo e se impulsiona como um “moto-continum”. Outros fatores importantes na gênese do capitalismo teria sido a separação da empresa da economia doméstica - o oikos - e o surgimento de uma ciência contábil. O autor, ainda nesta introdução, desqualifica criticamente todas as variações de um capitalismo virtual em épocas anteriores ( mercantilismo, modo de produção asiático...) como formas espúrias do seu objeto consolidado : o sóbrio capitalismo burguês com a sua organização racional do trabalho. FILIAÇÃO RELIGIOSA E ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL -Constatação de um fato: a predominância, entre os líderes do mundo de negócios, dos proprietários do capital, em suma, dos capitalistas, de uma vocação religiosa: o protestantismo. Responsável de início pela “diáspora” de protestantes à regiões anteriormente improdutivas, os conflitos religiosos entre católicos e protestantes conduziram estes últimos a um esforço em consolidar a riqueza como forma de proteção às perseguições dos poderes políticos exercidos pelos católicos. Enquanto a moral católica desprezava o consumo de bens luxuosos como sinônimo de uma vida dissoluta, os protestantes possuíam o espírito aberto para as inovações técnicas e para a ciência produtora destes bens. O autor discute também a suposição do ascetismo católico e da “alegria de viver” dos protestantes serem componentes na diferenciação entre a ética antiga e a ética capitalista. Alguns ramos do protestantismo como, por exemplo, os quackers e os menonitas, apresentavam a paradoxal condição de um intenso desenvolvimento da mentalidade comercial ao lado de um proverbial alheamento do mundo. Uma série de exemplos é usada para mostrar que o espírito de trabalho, o progresso, ou qualquer nome que possa ser dado às condutas protestantes não deve ser entendido como mundanidade. “ Se se quiser achar qualquer relação interna entre certas expressões do velho espírito protestante e a moderna cultura capitalística, deve-se tentar achá-los, em qualquer hipótese, não na sua alegria de viver, considerada mais ou menos materialística, ou pelo menos anti-ascética, mas nas suas características puramente religiosas. Montesquieu diz dos ingleses que eles foram os que mais progrediram de todos os povos do mundo em três coisas importantes: na religião, no comércio e na liberdade. Não será possível que sua superioridade comercial e a sua adaptação à instituições políticas liberais tenham algum ponto de contato com esse grau de religiosidade que montesquieu observou entre eles?

O ESPÍRITO DO CAPITALISMO - Instauração de um plano onde o conceito de “espírito do capitalismo” será definido. Enumeração de sentenças de ordem moral e econômica preconizadas por Benjamim Franklin e que supostamente constituiria um “ethos”, isto é, um costume. Tais sentenças seriam de natureza utilitarista. As regras de conduta em relação ao dinheiro visaria o reconhecimento do indivíduo, dentro de um meio social fechado, como um homem honesto e digno de crédito. As qualidades desta ética seria, aparentemente, de natureza hipotética ( não valeria por si mesma tal como os imperativos da moral kantiana surgida quase na mesma época ), porém o autor irá introduzir um componente religioso a afastar a aparência de hipocrisia que implica o ato de ser honesto para se ter crédito ( a honestidade deveria valer por si mesma - ser um princípio moral ). A necessidade de conduzir os homens às fábricas inspirou os teóricos a erigir o trabalho como o valor maior de um homem e este valor-trabalho será transformado, na ética protestante, em um valor transcendente, uma “graça” ou dom divino, o sinal de uma participação do homem com o seu Deus. O autor, entretanto, irá inverter a ordem da causalidade sugerindo ser a superestrutura ideológica ( valores do trabalho e da acumulação) quem engendraria as condições materiais do capitalismo e não o contrário. Como exemplo ele indica o processo de algumas colônias norte-americanas onde o espírito protestante imperava muito antes da posterior industrialização que seria, esta, uma consequência necessária do espírito já existente. A quintessência da ética protestante, a obtenção de mais e mais dinheiro combinada com o afastamento de todo o gozo expontâneo da vida é, acima de tudo, desvinculada de um “princípio de prazer”. Ela surge como um fim em si mesmo, um destino e pode bem ser contestada como uma ética absurda e irracional. Os teólogos abusam de expressões como “desígnios ocultos de Deus”, “Riqueza para melhor glorificar o Senhor” e outras parvoíces que ainda ressoam na subjetividade protestante. Voltando à gênese do capitalismo. O estabelecimento de salários não foi implantado entre os trabalhadores sem uma certa resistência, pois ainda se encontrava muito arraigada as velhas tradições medievais, a qualificação técnica era incipiente e o maquinário representava um investimento de alto risco financeiro. Estes problemas são canonizados em todos os historiadores do capitalismo; a singularidade do autor está em demonstrar a superação destes problemas pela disseminação da nova ética e pela seleção de trabalhadores protestantes nas fileiras da indústria emergente. A capacidade de concentração mental, a frugalidade e a responsabilidade são componentes da educação protestante que esposam as exigências de uma produção planificada ( durante as famosas revoltas nas tecelarias inglesas, quando os operários se embriagavam e destruíam as fábricas, os protestantes eram perseguidos e tinham as suas ferramentas destruídas por não participarem das revoltas ). A obtenção das mercadorias necessárias à satisfação das necessidades pessoais e uma luta pelo lucro são os fins que controlam a forma e a direção da atividade econômica. Este novo princípio não foi estabelecido sem uma profunda modificação no “ethos” desta época. O autor descreve um modo de produção tradicional onde os artesãos faziam do trabalho um componente das suas vidas, entre outros; e o modo de produção industrial onde o trabalho se torna um fim em si mesmo sem nenhum vestígio dos idílios campesinos. Fortunas respeitáveis são feitas e não emprestadas a juros, mas sempre reinvestidas no negócio. A velha atitude de lazer e conforto para com a vida deu lugar a um ascetismo e uma rígida frugalidade. A questão das forças motivadoras da expansão do capitalismo não é, a princípio, uma questão de origem das somas de capital disponível para uso capitalístico, mas principalmente, do desenvolvimento do espírito do capitalismo. Onde ele aparece, se capacita e desenvolve, ele produz seu próprio capital e seu suprimento monetário como meios para seus fins, e não o inverso. Mas sua entrada em cena geralmente não foi pacífica. Um dilúvio de desconfiança, algumas vezes de ódio, e acima de tudo de indignação moral, opôs-se primeiramente ao primeiro inovador. Muitas vezes, tendo conhecimento de vários casos desta espécie, lendas sistemáticas sobre misteriosas nódoas sombrias em sua vida pregressa foram inventadas. É muito mais fácil não reconhecer que somente um caracter de força incomum poderia salvar um empresário deste novo-estilo de perder seu auto controle temperado, e de um naufrágio tanto moral quanto econômico. Além disto, juntamente com a clareza de visão e a habilidade no agir, foi somente em virtude de qualidades éticas muito definidas e altamente desenvolvidas, que lhe foi possível conquistar a confiança absolutamente indispensável de seus fregueses e trabalhadores. Com o espírito do capitalismo uma nova subjetividade, um tipo de homem empreendedor, ativo e calculista que, sem se deixar arrebatar pelas promessas místicas do paraíso, busca no trabalho e no acúmulo de capital a plenitude da sua natureza. É exatamente isto, porém, que ao homem pré-capitalista parece tão incompreensível e misterioso, tão sem valor e desprezível. Que alguém possa ser capaz de fazer do capital a única finalidade da sua vida profissional e de descer à tumba sobrecarregado com um grande fardo material de dinheiro e bens é algo somente explicávelcomo o produto de um instinto perverso. O que parece estar em jogo, disseminada por toda a obra, é a tese da predestinação. Aos olhos de muitos teóricos protestantes, a riqueza e o gozo de bens materiais seria um fato inscrito na vida dos eleitos. Seria inverossímil para eles acreditar que Deus tivesse dividido a priori os homens entre condenados e eleitos e não tivessem estes últimos o sinal secularizado da bem aventurança: a riqueza. A articulação entre a religião e o capitalismo se efetua no plano dos dogmas, o que torna manifesto o grande paradoxo do protestantismo: uma conduta objetiva e racional na gerência das riquezas e bens e uma fundamentação moral obscura e dogmática como é a predestinação. Essa tese, que o autor conceitua como “vocação”, começa a ser estabelecida com a legitimação dos trabalhos seculares. Enquanto os católicos medievais consideravam o trabalho uma expiação (ganhar o pão com o suor do próprio rosto) e como um modo de vida provisório até o breve retorno do Messias; os protestantes enfatizam o trabalho e a riqueza como a prática virtuosa de fazer o bem ao próximo. Outro argumento soberano é o de ser a riqueza um instrumento do homem para “cantar” a glória de Deus através de obras magníficas e piedosas. O trabalho na ética protestante é a via intermitente da santificação que não pode ser atingida por obras isoladas como no catolicismo onde uma grande doação de bens para a igreja podia redimir toda uma vida graças aos investimentos mágicos da liturgia. Para os protestantes não existe o ciclo essencialmente humano do pecado, arrependimento, separação, relaxamento seguidos de novo pecado. Assim, foi no seio do mais profundo ascetismo que surgiu a mais luxuriosa formação social: o capitalismo.
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http://pt.shvoong.com/humanities/theory-criticism/1674793-%C3%A9tica-protestante-max-weber/



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