Ontem sonhei com uma parente minha que estava muito, muito mal
de saúde, correndo mesmo risco de morrer por conta de uma enfermidade
desconhecida e escabrosa.
Levei para ela alguns doces, chocolates e biscoitos finos.
Ela estava imensa e devorou todos os presentes com voracidade medonha. Em seguida,
conversando com sua enfermeira, ouvi esta dizer que a paciente estava muito
magra, com menos de 40 quilos e que a expectativa era ela continuar
emagrecendo. Eu concordei e até fiquei muito triste ao saber que ela estava
secando desse jeito mesmo tendo visto ela inchada e comendo feito um javali.
Parece que, em alguns sonhos, certos princípios lógicos são abandonados pela
mente preguiçosa. Neste caso, o princípio de não-contradição não estava
ativado. Era algo absolutamente normal que ela, ao mesmo tempo estivesse
inchando e mirrando, inflando até explodir e nesse explodir desaparecendo feito
uma linda e mágica bolha de sabão.
Isso de desobedecer ao princípio lógico de
não-contradição é justamente, segundo Platão, o estado natural da matéria, o seu
devir louco. Ser mais e menos ao mesmo tempo, ser isso e aquilo oposto, ser uma
contradição ambulante a que falta os princípios racionais que lhe são impostos
de fora, pela forma que organiza a matéria. Tais casos - entre outros que
desobedecem aos outros princípios, como o princípio do terceiro excluído, da
identidade, etc... - são classificados como paradoxos e geralmente excluídos
dos manuais lógicos como problemas mal formulados, sofismas, falácias,
paralogismos e muitos outros diagnósticos para uma mesma doença que insiste em
retornar seja nos sonhos, nas artes, ou mesmo na natureza, nesses fenômenos
raros que a ciência finge ser delírio, tais como mulas-sem-cabeça fumegando
pelo nariz, rato virando morcego, círculos quadrados, sacis bípedes e centenas
de outras livusias que todo mundo já viu mas que não tem coragem de
dizer.
Em sua obra genial, Alice no País das
Maravilhas, Lewis Carrol usa desse paradoxo do mais e do menos simultâneos -
que Platão atribuía ao estado natural da matéria informe – para ilustrar a
sensação inusitada de Alice encolhendo após tomar um trago da poção mágica. É
ao mesmo tempo que Alice, ao encolher, é maior e menor: maior do que aquilo que
está se tornando e menor do que aquilo que está deixando de ser (como um ferro
aquecido e desligado que, ao mesmo tempo é mais quente do que está se tornando
e mais frio do que deixa de ser: devir louco). Como ninguém nunca encolheu
antes, pelo menos em tão imediata velocidade, não havendo assim uma sensação
específica para tal vertigem, Lewis Carol teve o genial insight de usar a
vertigem lógica que tais paradoxos nos causam para ilustrar uma sensação física
alucinógena e teve nesse recurso um sucesso tremendo. Décadas depois, sua
conterrânea, Virginia Woolf, usaria desse mesmo recurso ao descrever o
gradativo processo de enlouquecimento de Mrs Dolloway, quando dizia que esta
sentia-se mais velha e mais nova ao mesmo tempo, uma sensação ilógica, mas que
todos nós a vivenciamos quase todos os dias, notadamente quando nossa pequena parcela
de loucura é de natureza introspectiva. Ambos usam a lógica como adereços,
ambos parecem recuar no tempo e usam os conceitos na sua formulação original, o
“concetto” que, no período conhecido pelos historiadores da Arte como Barroco,
era o uso de pensamentos burilados, raciocínios estilizados e emblemáticos
aplicados como ornamento para encantar e persuadir os leitores. Um lógico
acadêmico, muito provavelmente, levaria todos esses exemplos que citei aqui
para o terreno da lógica formal, com suas fórmulas enfadonhas e tábuas de
verificação, enquanto um compilador de textos da antiguidade muito
provavelmente arquivaria estes exemplos que citei junto aos paradoxos de Zenão
de Eleia, famosos pelos nomes de “Aquiles e a Tartaruga, Paradoxo da Flecha,
Paradoxo do Estádio e tantos outros argumentos jocosos e dilacerantes que
constituíam a paixão do pensamento, no tempo em que pensar e se divertir eram
coisas semelhantes... E SIMULTÂNEAS!
0 comentários :
Postar um comentário