terça-feira, 15 de maio de 2018

VORTICISMO!




   
Ontem sonhei com uma parente minha que estava muito, muito mal de saúde, correndo mesmo risco de morrer por conta de uma enfermidade desconhecida e escabrosa.
 Levei para ela alguns doces, chocolates e biscoitos finos. Ela estava imensa e devorou todos os presentes com voracidade medonha. Em seguida, conversando com sua enfermeira, ouvi esta dizer que a paciente estava muito magra, com menos de 40 quilos e que a expectativa era ela continuar emagrecendo. Eu concordei e até fiquei muito triste ao saber que ela estava secando desse jeito mesmo tendo visto ela inchada e comendo feito um javali. Parece que, em alguns sonhos, certos princípios lógicos são abandonados pela mente preguiçosa. Neste caso, o princípio de não-contradição não estava ativado. Era algo absolutamente normal que ela, ao mesmo tempo estivesse inchando e mirrando, inflando até explodir e nesse explodir desaparecendo feito uma linda e mágica bolha de sabão. 
      Isso de desobedecer ao princípio lógico de não-contradição é justamente, segundo Platão, o estado natural da matéria, o seu devir louco. Ser mais e menos ao mesmo tempo, ser isso e aquilo oposto, ser uma contradição ambulante a que falta os princípios racionais que lhe são impostos de fora, pela forma que organiza a matéria. Tais casos - entre outros que desobedecem aos outros princípios, como o princípio do terceiro excluído, da identidade, etc... - são classificados como paradoxos e geralmente excluídos dos manuais lógicos como problemas mal formulados, sofismas, falácias, paralogismos e muitos outros diagnósticos para uma mesma doença que insiste em retornar seja nos sonhos, nas artes, ou mesmo na natureza, nesses fenômenos raros que a ciência finge ser delírio, tais como mulas-sem-cabeça fumegando pelo nariz, rato virando morcego, círculos quadrados, sacis bípedes e centenas de outras livusias que todo mundo já viu mas que não tem coragem de dizer. 
      Em sua obra genial, Alice no País das Maravilhas, Lewis Carrol usa desse paradoxo do mais e do menos simultâneos - que Platão atribuía ao estado natural da matéria informe – para ilustrar a sensação inusitada de Alice encolhendo após tomar um trago da poção mágica. É ao mesmo tempo que Alice, ao encolher, é maior e menor: maior do que aquilo que está se tornando e menor do que aquilo que está deixando de ser (como um ferro aquecido e desligado que, ao mesmo tempo é mais quente do que está se tornando e mais frio do que deixa de ser: devir louco). Como ninguém nunca encolheu antes, pelo menos em tão imediata velocidade, não havendo assim uma sensação específica para tal vertigem, Lewis Carol teve o genial insight de usar a vertigem lógica que tais paradoxos nos causam para ilustrar uma sensação física alucinógena e teve nesse recurso um sucesso tremendo. Décadas depois, sua conterrânea, Virginia Woolf, usaria desse mesmo recurso ao descrever o gradativo processo de enlouquecimento de Mrs Dolloway, quando dizia que esta sentia-se mais velha e mais nova ao mesmo tempo, uma sensação ilógica, mas que todos nós a vivenciamos quase todos os dias, notadamente quando nossa pequena parcela de loucura é de natureza introspectiva. Ambos usam a lógica como adereços, ambos parecem recuar no tempo e usam os conceitos na sua formulação original, o “concetto” que, no período conhecido pelos historiadores da Arte como Barroco, era o uso de pensamentos burilados, raciocínios estilizados e emblemáticos aplicados como ornamento para encantar e persuadir os leitores. Um lógico acadêmico, muito provavelmente, levaria todos esses exemplos que citei aqui para o terreno da lógica formal, com suas fórmulas enfadonhas e tábuas de verificação, enquanto um compilador de textos da antiguidade muito provavelmente arquivaria estes exemplos que citei junto aos paradoxos de Zenão de Eleia, famosos pelos nomes de “Aquiles e a Tartaruga, Paradoxo da Flecha, Paradoxo do Estádio e tantos outros argumentos jocosos e dilacerantes que constituíam a paixão do pensamento, no tempo em que pensar e se divertir eram coisas semelhantes... E SIMULTÂNEAS!
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