quinta-feira, 17 de maio de 2018

JORNADA NAS ESTRELAS DO MEU CÉU INTERIOR!




A trilha sonora da série Star Trek – Jornada Nas Estrelas - foi a primeira ária que ouvi e me apaixonei. Associada às mirabolantes aventuras do Capitão Kirk e do Doutor Spock, sua escanção vocal parecia romper as barreiras do espaço e do tempo, descortinando para mim o futuro assombroso e desconhecido que eu povoava com meus medos, minhas dores, minhas angústias e todos os pesadelos que eu julgava eternos, projetando-os sobre a rota infinita da nave Interprise e vibrava quando os heróis, vencendo os vilões espaciais, inconscientemente matavam também os meus fantasmas no futuro e no cosmos projetados. Quatro décadas depois, ouvir seus acordes me desperta outra imaginativa epopeia, desta vez com a seta do tempo invertida. Sou transportado à época pueril das primeiras e hipnóticas audições desta ária na TV preto-e-branco e chuviscada de outrora. Os perigos e as distâncias a serem vencidas são agora os anos já vividos, marcados de dores, traições, tristezas e momentos de perigo insano onde quase naufraguei a minha alma. Nebulosas de lembranças, amores fugidios e flamejantes feitos cometas intempestivos, meses e anos vazios como o espaço congelado entre os astros... Tudo sinto deslizar no retrovisor da alma arrastada “de emblée” para o momento do passado onde o meu primeiro amor musical parece envolver a criança descalça com purpurinas de notas e contrapontos, orbitá-la com um facho de luz e magia, só para depois fugir de novo rumo aos confins do tempo e da memória, deixando-me sem saber se sou agora o homem que recorda seu passado ou uma visão assustadora de um futuro ainda doloroso antevisto nos devaneios proféticos daquela criança que fui, embalada e inspirada por uma música celestial.
 O momento mais pungente e intenso da literatura universal é o encontro de Marcel Proust, já no final da sua vida e da sua obra, com a criança que ele foi, na praia de Balbec, onde passava férias encantadas, apaixonado pelo seu primeiro amor, Gilberte. Muito mais que uma reminiscência, uma visão, Proust conseguiu torcer as dobras do tempo e ver a si mesmo, menino, dentro do quarto onde escrevia, mas que também era o quarto da cena infantil. É preciso que você leia toda a obra dele, que faça, como ele fez, o exercício gnóstico pra dentro de tudo relembrar e reviver, para que possa sentir a emoção profunda e arrebatadora, mística e sobrenatural de curvar o  tempo com a gravitação das lembranças acumuladas e ver a si mesmo na aurora da vida. É de lascar o cabo da manivela, como dizia a cafetina Leonora. Escrevo essas notas para ir me preparando para o dia em que irei ver outra vez, nos labirintos do espaço-tempo curvados pelas forças da recordação, a criança encantada que fui um dia, e que o tempo, a vida e vocês transformaram nesse monstro sentimental que hoje lhes aborrecem com estas siderais e lacrimosas considerações!



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