sexta-feira, 18 de maio de 2018

A QUADRATURA DO CÍRCULO & CRÔNICAS CIRCULARES


Os fariseus não costumam descrever seus pesadelos.
Querem vender a imagem de serem bem-aventurados cujos sonhos são guardados e inspirados por anjos lindos. Não tenho tal vaidade nem subestimo os fantasmas oníricos. Ontem tive um pesadelo onde uma entidade em forma de uma bruxa ameaçava tirar-me a vida se eu não lhe solucionasse um desafio por ela proposto. Ela queria que eu construísse um círculo quadrado!!! Ou isso, ou minha vida estaria perdida! Um zumbi, ao lado dela, tentou até me consolar dizendo que, sempre que ela exterminava alguém, era em um momento inesperado, e o golpe tão rápido e sorrateiro que nunca percebíamos: morte subitíssima! Isso só aumentou meu desespero, mas uma confiança interior me fez lhe dizer que era capaz, sim, de fazer um círculo quadrado. Fomos para um lugar espaçoso e difuso, onde eu apanhei um pedaço de grosso papelão e recortei um perfeito quadrilátero pintando-o de preto. Abri um furo bem no centro e fixei uma haste de metal. Em seguida, apanhei um ventilador e retirei as hélices, encaixando no local a haste do quadrilátero e liguei o aparelho. Tão logo o quadrado começou a girar, formou-se a silhueta clarividente de um perfeito círculo negro, fenômeno facilmente explicado pela persistência retiniana, a mesma que explica a ilusão do movimento cinematográfico. Voltei-me então para a entidade macabra e lhe disse orgulhoso:

_ Eis aí o seu círculo quadrado!
Ela olhava estarrecida para o círculo quadrado, os olhos em vivas labaredas e, virando-se para mim, manifestou o estupor da sua derrota:
_ É! De fato! Um Círculo Quadrado!!!
Estendi meu braço e mandei um vigoroso tabefe na cara da bruxa que seu rosto separou-se do corpo espalhando brasas infernais por todo o nebuloso cenário, enquanto eu gritava:
_ Volte para seu inferno, geômetra imunda! Que Nosso Senhor Jesus Cristo lhe trancafie nos infernos e Santa Joana D’Arc lhe faça guarda!
A violência do meu gesto tremelicou o écran do sonho e comecei a acordar. As últimas imagens que guardei fora o movimento do círculo desacelerando no ventilador improvisado e começando a aparecer as pontas do quadrado, como as arestas da realidade rompendo os limites do pesadelo cinematográfico.

 CRÔNICAS CIRCULARES DE UM EX-MARGINAL!

  Tempos idos, outro era eu, mas os hábitos eram os mesmos. Como um Kant sem filosofia, eu gostava de, religiosamente, dar um passeio ao fim da tarde, como se arrastado pelo anzol de luz a se pôr no horizonte. Em uma destas voltas, fui abordado por dois simpáticos policiais extremamente exaltados. Saltaram do carro já me perguntando:
_TA INDO PARA ONDE, TÁ VINDO DE ONDE?
Assim o fazendo para confundir e forçar o suspeito a se denunciar. Como eu sempre ia até uma praça no meu bairro e de lá voltava para casa, para o mesmo lugar de onde havia saído, conviera-me responder como um geômetra, o modo mais claro de se expressar:
_ Estou indo pra onde venho e vindo de onde vou!
Não deu certo. Acusando-me de ironia e desacato, os dois patifes me jogaram no camburão e me levaram preso. Na delegacia me apresentaram a mais linda delegada que já existiu, uma loura platinada de olhos verdes e românticos. Ela perguntou aos soldados o que eu havia feito:
_Abordamos ele, e o sujeito aí veio com uma conversa mole de indo e vindo, de vai e volta, claramente de zombaria e mangando de nós. DESACATO!
A lindona me olhou e perguntou o que eu tinha a dizer. Inspirado na beleza dela, improvisei:
_ Eu pensei que, ao perguntarem de onde eu vinha e para onde eu ia, eles quisessem saber qual o sentido da existência, porque nascemos, para onde vamos.... Respondi a eles com um verso que havia feito a poucos dias atrás. Disse-lhes então:
O RESTO DA VIDA /
É VIDA AINDA /
A FRENTE É O VERSO /
A IDA, A VINDA!
Boquirrota, a loira delegada despachou um fulminante olhar para os macacos que tentaram se defender:
_ NÃO FOI BEM ASSIM, NÃO! FOI PARECIDO, MAS COM OUTRAS PALAVRAS! FOI COMO SE....
_ IDIOTAS - Esbravejou a delegada - A CIDADE INFESTADA DE BANDIDOS E VOCÊS ME ACHAM DE PRENDER UM POETA! SOLTEM IMEDIATAMENTE ESSE FIDALGO E DISTINTO TROVADOR!
Em seguida, pondo um cartão na minha mão, me disse:
_Me perdoe! Quem sabe se nessas voltas que o mundo dá a gente não se vê outra vez!
Vi em seus olhos um par de algemas muito mais poderosas, e desde então dei-me a andar em linhas retas!

Share this post

0 comentários :