Os fariseus não costumam descrever seus pesadelos.
Querem vender a imagem de
serem bem-aventurados cujos sonhos são guardados e inspirados por anjos lindos.
Não tenho tal vaidade nem subestimo os fantasmas oníricos. Ontem tive um
pesadelo onde uma entidade em forma de uma bruxa ameaçava tirar-me a vida se eu
não lhe solucionasse um desafio por ela proposto. Ela queria que eu construísse
um círculo quadrado!!! Ou isso, ou minha vida estaria perdida! Um zumbi, ao
lado dela, tentou até me consolar dizendo que, sempre que ela exterminava
alguém, era em um momento inesperado, e o golpe tão rápido e sorrateiro que
nunca percebíamos: morte subitíssima! Isso só aumentou meu desespero, mas uma
confiança interior me fez lhe dizer que era capaz, sim, de fazer um círculo
quadrado. Fomos para um lugar espaçoso e difuso, onde eu apanhei um pedaço de
grosso papelão e recortei um perfeito quadrilátero pintando-o de preto. Abri um
furo bem no centro e fixei uma haste de metal. Em seguida, apanhei um
ventilador e retirei as hélices, encaixando no local a haste do quadrilátero e
liguei o aparelho. Tão logo o quadrado começou a girar, formou-se a silhueta
clarividente de um perfeito círculo negro, fenômeno facilmente explicado pela
persistência retiniana, a mesma que explica a ilusão do movimento
cinematográfico. Voltei-me então para a entidade macabra e lhe disse orgulhoso:
_ Eis aí o seu
círculo quadrado!
Ela olhava
estarrecida para o círculo quadrado, os olhos em vivas labaredas e, virando-se
para mim, manifestou o estupor da sua derrota:
_ É! De fato! Um
Círculo Quadrado!!!
Estendi meu
braço e mandei um vigoroso tabefe na cara da bruxa que seu rosto separou-se do
corpo espalhando brasas infernais por todo o nebuloso cenário, enquanto eu
gritava:
_ Volte para seu
inferno, geômetra imunda! Que Nosso Senhor Jesus Cristo lhe trancafie nos
infernos e Santa Joana D’Arc lhe faça guarda!
A violência do
meu gesto tremelicou o écran do sonho e comecei a acordar. As últimas imagens
que guardei fora o movimento do círculo desacelerando no ventilador improvisado
e começando a aparecer as pontas do quadrado, como as arestas da realidade
rompendo os limites do pesadelo cinematográfico.
CRÔNICAS CIRCULARES DE UM
EX-MARGINAL!
Tempos idos, outro era eu, mas os hábitos eram os mesmos. Como
um Kant sem filosofia, eu gostava de, religiosamente, dar um passeio ao fim da
tarde, como se arrastado pelo anzol de luz a se pôr no horizonte. Em uma destas
voltas, fui abordado por dois simpáticos policiais extremamente exaltados.
Saltaram do carro já me perguntando:
_TA INDO PARA ONDE, TÁ VINDO DE ONDE?
Assim o fazendo para confundir e forçar o suspeito a se
denunciar. Como eu sempre ia até uma praça no meu bairro e de lá voltava para
casa, para o mesmo lugar de onde havia saído, conviera-me responder como um
geômetra, o modo mais claro de se expressar:
_ Estou indo pra onde venho e vindo de onde vou!
Não deu certo. Acusando-me de ironia e desacato, os dois patifes
me jogaram no camburão e me levaram preso. Na delegacia me apresentaram a mais
linda delegada que já existiu, uma loura platinada de olhos verdes e
românticos. Ela perguntou aos soldados o que eu havia feito:
_Abordamos ele, e o sujeito aí veio com uma conversa mole de
indo e vindo, de vai e volta, claramente de zombaria e mangando de nós.
DESACATO!
A lindona me olhou e perguntou o que eu tinha a dizer. Inspirado
na beleza dela, improvisei:
_ Eu pensei que, ao perguntarem de onde eu vinha e para onde eu ia, eles quisessem saber qual o sentido da existência, porque nascemos, para onde vamos.... Respondi a eles com um verso que havia feito a poucos dias atrás. Disse-lhes então:
_ Eu pensei que, ao perguntarem de onde eu vinha e para onde eu ia, eles quisessem saber qual o sentido da existência, porque nascemos, para onde vamos.... Respondi a eles com um verso que havia feito a poucos dias atrás. Disse-lhes então:
O RESTO DA VIDA /
É VIDA AINDA /
A FRENTE É O VERSO /
A IDA, A VINDA!
Boquirrota, a loira delegada despachou um fulminante olhar para
os macacos que tentaram se defender:
_ NÃO FOI BEM ASSIM, NÃO! FOI PARECIDO, MAS COM OUTRAS PALAVRAS! FOI COMO SE....
_ NÃO FOI BEM ASSIM, NÃO! FOI PARECIDO, MAS COM OUTRAS PALAVRAS! FOI COMO SE....
_ IDIOTAS - Esbravejou a delegada - A CIDADE INFESTADA DE
BANDIDOS E VOCÊS ME ACHAM DE PRENDER UM POETA! SOLTEM IMEDIATAMENTE ESSE
FIDALGO E DISTINTO TROVADOR!
Em seguida, pondo um cartão na minha mão, me disse:
_Me perdoe! Quem sabe se nessas voltas que o mundo dá a gente
não se vê outra vez!
Vi em seus olhos um par de algemas muito mais poderosas, e desde
então dei-me a andar em linhas retas!
0 comentários :
Postar um comentário