quinta-feira, 20 de novembro de 2025

NESSE 'LONGA' ESTRADA DA VIDA!  (Auf Diesem Langen Lebensweg)

 





NESSE 'LONGA' ESTRADA DA VIDA! 

(Auf Diesem Langen Lebensweg)

Roteiro Longamagem

Gênero Road Movie


SINOPSE - Duas Jornadas reais e alucinantes! Dois famosos cineastas percorrendo quilômetros com a força de seus corações! Um atravessa a Alemanha a pé, para visitar sua professora hospitalizada em Paris; o outro freta um táxi de Salvador ao Rio de Janeiro para concluir um filme sobre um grande amigo! 


ARGUMENTO


Transcorre o ano de 1978 - O cineasta Glauber Rocha finaliza as filmagens do documentário JORJAMADO NO CINEMA, durante uma noite de autógrafos de um dos livros de Jorge Amado, em um cinema de Salvador! Logo em seguida, uma greve simultânea dos Correios e dos aeronautas impede o deslocamento do Cineasta para o Rio de Janeiro e o envio do material filmado para a fase de edição. Bem ao seu estilo intempestivo, Glauber Rocha resolve fretar um táxi, com o dinheiro que sobrou da produção do DOC, e embarca para uma viagem de 1600 km pela Rio-Bahia (BR Santos Dumont). Na mesma época, do outro lado do planeta, na Alemanha, o célebre cineasta alemão Werner Herzog, sobressaltado pela notícia de estar muito doente, em um hospital de Paris, a sua amiga e historiadora do Cinema, Lotte Heisner, resolve sair andando, em linha reta, de Hamburgo a Paris. Em pleno inverno, acreditando que esse ato volitivo e quase religioso, típico de um pagador de promessas, fosse capaz de devolver a cura para a sua querida amiga, W. Herzog carrega, além de botas vigorosas e u'a mochila, um caderno de notas onde irá registrando seus pensamentos ao longo da jornada. Estes apontamentos virão depois a compor o relato CAMINHANDO NO GELO, publicado e traduzido em vários idiomas*. O filme abordará as duas aventuras em plano­­-sequências independentes: pelas congeladas planícies da Alsácia-Lorena onde o andarilho alemão vagueia com sua bússola pelos campos, fazendas, bosques e povoados, e pela ensolarada rodovia brasileira por onde trafega o "fusca" amarelo com Glauber Rocha e o motorista do táxi fretado! A amizade é o tema subjacente e o "leit-motiv" da dupla aventura: a amizade entre Herzog e sua amiga Lotte Heisner e a amizade entre Glauber e Jorge Amado, sua ânsia em terminar logo o filme tão desejado pelo amigo romancista, que acreditava morrer a qualquer momento. Ambos episódios esposam com fidelidade a personalidade de seus protagonistas: de um lado, o cineasta das causas impossíveis, autor de Fitzcarraldo; Aguirre, A Cólera Dos Deuses; No Coração da Montanha... Um suntuoso explorador das dimensões sublimes e metafísicas da natureza em conflito com uma vontade férrea; do outro, um frenético e turbulento cineasta das convulsões políticas e das tragédias terceiromundistas percorrendo o solo agreste de um país atordoado por ditaduras, caudilhos e contratempos sem fim. O filme irá buscar remissões nas obra dos dois peregrinos, buscando entregar uma atmosfera mitológica e heróica, uma moldura épica de transcendentais significados! Ao passar pelos platôs e picos pedregosos da cidade de Milagres, Glauber fotografa e relembra seu épico DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL, assim como, do outro lado do mundo, Herzog, como um avatar de Klaus Kinski, seu alter-ego, encarna seus emblemáticos personagens impetuosos e andarilhos: é Fitzcarraldo ao cruzar um bosque, ou o conquistador dos Incas Aguirre, ao lidar momentaneamente com  grupos ocasionais de camponeses, estalajadeiros e outros viajantes, é o alpinista solitário na Patagônia argentina… (inserções de depoimentos sobre esta aventura real do cineasta alemão, em estilo rapsódico, irá conferir um tom documental à jornada do cineasta alemão, em contraste com o teor predominantemente ficcional da jornada do cineasta brasileiro.

Ao estilo do expressionismo alemão, a especialidade da historiadora Lotte Heisner, as sequências na Alemanha serão filmadas em preto-e-branco, com uso recursivo das sombras e monólogo interior do peregrino quando encosta em uma árvore ou em um paiol para dormir e passa para o caderno de notas os seus pensamentos. Nas sequências brasileiras, adotaremos o estilo "cinema novo": câmera na mão, profusão de monólogos entre Glauber Rocha e o motorista do táxi - surdo e em processo de enlouquecimento, querendo retornar para Salvador - e cores estouradas simulando o uso de filmes e equipamentos de qualidade mais modesta. 

Herzog atravessa bosques, aldeias, rios, vinhas, passa por radares, locais históricos, inscrições religiosas, vê corvos, cães, veados, extasia-se com as estrelas, avança pelo vento e o nevoeiro, sofre a chuva e a neve. Suas anotações, em voz off, remete incessantemente o cenário visto por ele para a mais importante iconografia do romantismo: os quadros de Caspar David Friedrich, com personagens solitárias no meio de paisagens inóspitas, mas sublimes! A viagem do Glauber é o contraponto à contemplação e introspecção do Herzog: é entrecortada por longos discursos de Glauber querendo converter o motorista do táxi ao método dialético revolucionário de pensar, aulas delirantes de história mundial pelo prisma da luta de classes, paradas para comer e urinar em bares sórdidos nas margens da rodovia, onde Glauber se utiliza de telefones públicos para ligar e falar com dezenas de pessoas no Rio de Janeiro e Salvador, ligações internacionais a cobrar para Paris e Lisboa, Roma e Nova Yorque, e uma calorosa discursão ao telefone com um crítico de cinema italiano que ousou falar mal de um filme seu! Em um destes telefonemas, para o amigo Jorge Amado, recebe dele uma trágica notícia: sua querida irmã, Anecy Rocha, também atriz, havia caído no poço de um elevador, em um edifício da zona Sul do Rio de Janeiro e estava internada em estado grave (SPOILER: Anecy já está falecida quando a notícia lhe é transmitida, o coma sendo inventado para administrar o choque e preparar no coração do irmão a assimilação do golpe). A partir desta notícia, Glauber Rocha quer tomar o volante do táxi e voar na velocidade máxima, quer chegar a tempo de segurá-la na queda, delira e chora convulsivamente. Sua agonia será filmada com a câmera girando em torno do seu rosto, ao som das Bachianas Brasileiras,  do Heitor Villa-Lobos, em explícita alusão a uma emblemática e icônica cena de DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL! O motorista consegue contê-lo, o embriaga com um litro de conhaque comprado em um bar de estrada e Glauber dorme, mais morto do que vivo, no banco de trás do Volkswagen amarelo. Os dois parecem uma versão tropical de Dom Quixote e Sancho Pança e, assim como cabe ao Sancho guiar o cavaleiro da triste figura em seu retorno ao lar e no resgate de suas faculdades mentais, caberá ao taxista administrar a situação e conduzir o cineasta baiano ao seu destino. Quando Glauber acorda, seu ânimo está completamente transtornado (em sensível ressonância com o fluir das imagens panorâmicas e geladas da outra aventura, de cenas intercaladas na edição). Glauber parece saber a verdadeira gravidade do ocorrido. Sua relação com a irmã era profundamente intuitiva e espiritual. Ele comenta ter sonhado com ela durante o porre dormido no banco de trás. Abandona de vez sua argumentação com o motorista sobre política, seus filmes, seus projetos (PLOT TWIST: mudança brusca nos arcos menores do roteiro)... Agora só fala, em murmúrios e solilóquios, sobre a irmã, a família, a morte... Talvez pressentindo também que a sua morte já não estaria tão distante. 

Como se as cenas da aventura paralela, do Werner Herzog, em sua obsessão por salvar a vida da amiga hospitalizada, pudesse emular para o contexto da sua tragédia familiar, Glauber começa a acreditar que sua irmã vai se recuperar do acidente, caso ele chegue a tempo, as duas séries narrativas ressoando entre si, em "falsos Raccords" de edição, a fazer com que o drama e os pensamentos convulsos do cineasta brasileiro venham a explicar certos pensamentos atordoados do Werzog em meio à plácidas e narcóticas paisagens!

Coerente com o estilo e a personalidade dos cineastas cinegrafados, a motivação do Herzog é a mesma do início ao fim, em linha reta e bem sucedida (a amiga e escritora Lotte Heisner se recupera e vive mais 11 anos, após este episódio). Podemos notar seu voluntarismo nos trechos de seu diário: ..." Decisão: Seguir por Burgfelden em vez de Zillhausen. A neve cai em flocos espessos, mas sem vento. menos mal. Colina acima até Burfelden, paisagem cada vez mais feérica, faias gigantescas formam um teto com as copas, tudo coberto de neve e tudo com um ar desolado. Dois velhos camponeses oferecem-me limonada, porque a única vaca que têm não deu leite. Decisão: Tomar o atalho pela montanha de Schalkburg. E que atalho! Neve até os joelhos, nenhum trilho visível, cruzo um campo, depois a passagem estreita-se numa cumeada íngreme, agora já se reconhece o caminho. Pegadas de animais selvagens. As árvores e arbustos parecem perfeitamente irreais, flocos gordos de neve ficam presos mesmo aos ramos mais finos. A neblina levanta e, em tons de cinzento e preto, vejo bem lá no vale uma povoação..." Nada consegue reter seus passos obstinados. Já a motivação do Glauber muda no meio da aventura: primeiro era editar o filme sobre o amigo Jorge Amado o mais rápido possível, depois se transforma em chegar a tempo de encontrar a irmã acidentada ainda com vida. Sua motivação fracassa (Anecy já está morta), sua estrada é tortuosa, como seus objetivos e traduz como metáfora a tragédia do homem e do cinema latino-americano, em contrafação ao Cinema orgânico e robusto dos países mais civilizados.

Do meio da jornada em diante, obcecado pelo pesadelo em sua vida pessoal, Glauber Rocha volta suas reflexões para a sua vida familiar e sua infância. É justamente quando o táxi começa a aproximar-se de Vitória da Conquista, sua cidade natal, que funciona como um atrator estranho, um buraco negro gravitando e atraindo seus pensamentos à medida que se aproximam. Glauber manifesta o desejo de entrar na cidade e visitar a casa onde viveu seus primeiros cinco anos. A casa -  hoje intacta e tombada pelo patrimônio Histórico da cidade - possui móveis e fotografias da sua época, o que faz nosso protagonista passar longos minutos em seu interior, com olhos perdidos e marejados, balbuciando seus "rosebuds”** . A jornada do Werner Herzog chega ao seu final feliz: ele se encontra com a sua amiga Lotte Eisner no quarto de um hospital em Paris e, com os pés inchados de tanto caminhar, troca afetuosas recordações e abraços; a viagem do Glauber, de trágico desfecho, não acaba. Ele não chega ao Rio de Janeiro. Na casa de seus pais, ele adormece um pouco e sonha com sua infância feliz, ao lado da sua querida irmã, então já morta, a correrem juntos, meninos, de mãos dadas pelo pátio e jardins no fundo da casa, em roupas curtas e sorrisos largos, ele com uma caixa de papelão simulando uma câmera cinematográfica, ela fazendo poses e trejeitos de uma atriz em película estiolada que lembra os frames de Super-8 e bitolas 16mm com os quais Glauber começou seu glorioso e inesquecível martirológio. Entram os créditos: FIM

 

A aventura do Werner Herzog é absolutamente verídica, e o livro existe em língua portuguesa, editado pela TINTA DA CHINA Editores, Lisboa. Assim sendo, podemos tentar uma adaptação a mais fidedigna possível, já a viagem de Glauber Rocha, ocorrida de fato e quase na mesma época da publicação do livro alemão, possui pouquíssimos registros, sendo, neste roteiro, preenchida por cenas criadas de modo ficcional, em sintonia com outros dados históricos, biográficos e personalísticos de conhecimento público. 


** Rosebud: o trenó do Cidadão Kane que simbolizava a infância encantada do milionário moribundo Kane e motivo de todo o desenrolar da trama deste clássico homônimo do cinema mundial


ELENCO - GLAUBER ROCHA - Ao estilo dos personagens românticas, e que bem coaduna com as personagens do outro cineasta comparado, WERNER HERZOG, Glauber alterna momentos de hiperatividade - febril e enérgico - com longos momentos de melancolia profunda (a hybris e a catatonia de um Henrich Kleist). Um Senso político profundamente aguçado se alternando com o mais sublime idealismo e lírica abstração. É moreno e bronzeado pelo sol da sua terra natal. Veste-se de modo casual, quase um hippie, embora um indefectível paletó lhe empreste o garbo e a autoridade de uma carreira profissional vitoriosa. Emotivo e espirituoso, expressa toda a sua visão de mundo e seus demônios interiores em longos monólogos com o motorista dei táxi fretado. À medida que vai se aproximando de sua terra natal, Vitória da Conquista-Ba, sua personalidade mais íntima e afetiva vai se sobrepondo ao “revolucionário” que queria mudar o mundo. Seu comportamento quase histriônico e exaltado empresta dinamismo ao enredo e à edição, compondo um ritmo pictórico em dialético contraste com o ritmo linear das cenas com o cineasta alemão…


  WERNER HERZOG - Espadaúdo e taciturno, homem nórdico e circunspecto, Herzog já era relativamente realizado como cineasta quando empreendeu essa jornada e vive uma relação profundamente pacífica com o Cinema e com o seu país, o que se revela na sua serenidade e no ritmo de suas divagações, em seu diário - e no livro - anotadas. Sua gratidão pela professora doente em um país vizinho, sua crença quase religiosa no poder do seu gesto em curá-la, empresta o entusiasmo e o calor que falta absolutamente na congelada paisagem de um excruciante inverno. Sua opção pela linha reta no seu deslocamento revela um temperamento voluntarioso e idealista, típico da alma alemã, da qual ele é, talvez, o maior representante desse povo que inventou a metafísica. O enquadramento da fotografia haverá de buscar a tradução deste protagonista com planos-sequências prolongados, monólogos assertivos e afrontamento ao “aberto” da natureza, tudo isso traduzido pelo olhar do cineasta como se um professor de cinema em um laboratório transcendental. 


   WLADIMIR - O motorista do táxi fretado por Glauber para lhe levar de Salvador ao Rio de Janeiro. (Não sabemos se este é mesmo o seu nome ou se fora o Glauber quem lhe batizou assim, em homenagem ao poeta Maiakóvski, conforme a versão dos cineastas baianos da velha guarda, Victor Diniz e Walter Lima Júnior, que contam esse episódio). É mudo e albino, e tal característica intensifica o caráter alucinatório das longas perorações de Glauber, na medida em que ele nada responde ao turbilhão de ideias que seu passageiro metralha em sua pobre consciência de lumpen-proletariado. Suas eventuais agruras na condução servem também para desenhar uma época onde os deficientes físicos não possuíam ainda nenhum olhar especial e acolhedor. À medida em que vai conhecendo a vida de Glauber, começa a revelar a camaradagem das almas simples, cuidando do cineasta quando este desaba ao impacto da atordoante notícia da irmã acidentada.

Justificativa:  

Obras de arte contendo mais de um enredo são como filhos gêmeos em uma prole: raramente acontece, mas nunca deixa de acontecer! Na literatura temos Palmeiras Selvagens, de William Faulkner, o caudaloso 2666, romance de Roberto Bolaño, O jogo das Amarelinhas, de Cortázar, ou mesmo este best-seller moderno, A Mandíbula de Caim, onde o leitor precisa adivinhar qual a ordem correta das páginas. No Cinema, ainda em suas origens, o D. W. Griffith chegou a contar quatro histórias diferentes em uma mesma tela dividida em quatro pics, no clássico pioneiro O Nascimento de Uma Nação; na modernidade os exemplos abundam: Short Cuts - Cenas da Vida; As Horas; Sin City, A Cidade do Pecado... Sentimo-nos muito à vontade para abraçar o estilo! Não cabe nessa proposta dimensionar a importância para o Cinema mundial destes dois gênios profundos, Werner Herzog e Glauber Rocha. A simples possibilidade de cinegrafá-los já é uma justificativa "per si". Soma-se a isso a nobreza do gênero adotado aqui, o "Road Movie", a mais explícita e contundente expressão das "linhas de fuga" tão desejadas por uma civilização cada vez mais aprisionada em suas rotinas estupefacientes. O próprio Cinema, se permitido for essa divagação, já é em si mesmo uma "linha de fuga", uma corrente de ar fresco, um sair de si mesmo e um sonhar acordado. Nesse roteiro proposto, teremos duas linhas ao invés de uma só (e com duas linhas se faz um plano!), duas histórias paralelas a se encontrarem no infinito das aspirações humanas, na eternidade (ainda que desejada em sua forma mais tangível: o prolongamento da vida de nossos entes queridos) representada pela estrada, pela viagem, pelo deslocamento obstinado dos seus protagonistas. Em um momento em que o Brasil volta a dialogar com o mundo exterior, retomando sua tradição de protagonista no concerto das nações, é auspicioso abordar temáticas desta natureza, contemplando países e artistas estrangeiros como Werner Herzog, e também artistas nossos bastante conhecidos lá fora, como uma prova cabal da universalidade do cinema como gênero eminente da arte moderna, em um filme que se pretende uma estrada construída, uma ponte entre os povos, propício a captação de verbas internacionais para a sua futura produção.

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