Em Uqbar, distante e lendário
planeta orbitando Sírius (ou Capela), a vida inteligente se resumia a uma
espécie de peixes pachorrentos e especulativos, feito carpas ruminantes. Seu
mais ilustre pensador, um antigo peixe-filósofo chamado Espinhão, gostava de
ilustrar a condição pisciana com o mito do Lago Dourado. Segundo esse mito, o
Sol cintilante era a imagem do BEM, o ser supremo conferindo visibilidade a
tudo que existe; as nuvens ilustravam as idéias verdadeiras de tudo que
realmente existia (naquele planeta nublava-se de tudo e o céu era uma eterna
“eikasia”! Nuvens com formas de saleiro, de girafas, bicicletas, anáguas,
pirulitos, relógios, nuvens com forma de telas contendo paisagens com montanhas cobertas de nuvens com forma de
outras telas....); as sombras que estas nuvens causavam na superfície do lago
eram uma inquieta e vertiginosa fantasmagoria. Munidos de um único e grande
olho no alto de suas cabeças, condenados a viverem sempre focados na
superfície, os peixes desse planeta tinham nesse bruxedo de sombras a sua única
fonte de conhecimento da realidade! Acreditavam que seguir o bailado das
sombras lhes protegia de predadores e os mantinham na trilha de pequenos
cardumes com os quais se alimentavam. No que estavam certos, mas pecavam por
fazer disso todo o conteúdo do conhecimento. Um dia, um peixe mítico e heróico
resolveu pular fora d’água e ver o que havia lá fora. Seu olho quase ficou cego
com a coruscante luz das nuvens e do sol que as vazava feito miríades de anjos
escamosos. Quando voltou ao fundo do lago, após se recuperar da cegueira
momentânea, resolveu contar aos outros peixes o que havia visto lá em cima e
contrariar a dança dos cardumes sob as sombras cambiantes. Foi o seu erro. A
luz fora o seu anzol!
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Ladrões de supermercado, de
shoppings e lojas de conveniência geralmente são grandes e inconscientes atores
cinematográficos. Como tais, devem ter uma tremenda percepção das câmeras que
os vigiam o tempo inteiro, e, sem nunca olhar para elas, de um modo bem
intuitivo, como James Dean ou Marlon Brando sentiam, sentir a presença e o foco
de cada uma delas quando estão atuando! Talvez por isso eu seja um péssimo
ator. Basta saber que uma câmera me vigia que mal consigo coçar o nariz, imagina
roubar algo! Mas gosto de, vez por outra, me apresentar como preparador de
atores e pedir ao gerente de certos magazines para olhar por um tempo as telas
de monitoramento. Um inocente voyeurismo! Fico horas até achar um suspeito e me
deleito com suas habilidades em roubar um desodorante, um chocolate ou um par
de meias! Como são graciosos e performáticos! Escorregam, olham para um lado,
fingem coçar uma parte do corpo e... voilá! Disparue! As mulheres então, mon
Dieu! Como são maestrinas em esconder coisas! Não fossem as inevitáveis
conotações sexuais que, aliás, abomino, passaria horas descrevendo pra vocês o
furto elegante das nossas matronas respeitáveis! Fica para o livro que eu
escreverei para o ano!
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