domingo, 6 de março de 2022

DICIONÁRIO DE COISAS E PESSOAS CURIOSAS!



 

OTOMANAS - Quando em longas viagens pelos desertos do oriente, os sultões levavam em sua comitiva algumas mulheres acentuadamente obesas, geralmente turcas otomanas, submetidas a uma luxuriosa e calórica dieta. Quando acampavam e o sultão precisava receber dignitários ou mesmo descansar, elas prontamente se abaixavam conformando suntuosas almofadas para o sultão e seus convivais. Hoje chamamos de otomanas essas grandes almofadas onde as visitas refestelam seus traseiros gordos.
GERALDINO - Padre e professor de Geografia. De feições macilentas e abatidas devido aos jejuns ou à masturbação compulsiva (as opiniões divergem), Geraldino sobrevoava os continentes, os oceanos e as montanhas com a mansa voz de uma cafetina a embalar os alunos que dormiam e sonhavam com países exóticos e capitais de nomes impronunciáveis; no intervalo, ensinava as crianças a fazer bolas de chiclete, aulas das quais eu fugia por ouvir o boato de ser ele um pederasta. Anos depois, ao saber o sentido dessa palavra, passei a ver como arquétipo da obscenidade o estourar no rosto de uma goma-de-mascar. A última vez que o vi fora em um sonho: Geraldino mascara dois pacotes de tutti-frutti e começou a soprar um grande balão. Iria enfim sobrevoar o Espaço Geográfico, ver os rios, fontes e cascatas que, nos antípodas de sua mente, murmuravam. Vi o balão subir arrastando o padre pela sôfrega boca, vencer os muros do colégio e desaparecer no hiperbóreo céu azul. Acordei em uma distante manhã já sem saber que fim levou meu professor, se engordou, se morreu ou se ainda flutua pelos infinitos campos insonhados!

GÁRGULAS - Para evitar que as águas das chuvas escorressem pelas paredes, infiltrando e corroendo-as, os arquitetos medievais projetavam longas caneletas nos telhados de catedrais e castelos. Para dissimularem e ornar esse artifício, esculpiam cabeças de monstros, de águias e demônios que, em dias de chuva, cuspiam filetes de água em ruidoso gargarejar. Por derivação regressiva, gargarejar cunhou gárgulas, no mais sombrio exemplo de uma onomatopeia arquitetônica...

O COSTUREIRO ELZO era hipocondríaco e, ao longo de sua vida, havia tomado tantos remédios que, perto de morrer, já nem sabia de que males havia se curado; coerente, seu último anelo fora uma pastilha para a memória. Seu médico, na cabeceira do leito, vasculhou os bolsos a procura de tais pastilhas; não a encontrando, retrucou ressabiado: acho que tinha um desses comprimidos para esquecimentos; não sei se o deixei em casa ou se o tomei e ele não fez efeito!

WANDERLEY – menino remelento e retardado mental que era excluído e evitado por todos os moradores, vivendo na periferia da cidade, se alimentando da caridade dos mais simples, de legumes selvagens e da água poluída do rio verruga. Um dia um professor de química descobriu que a remela que o corpo dele secretava era capaz de curar todas as doenças e de rejuvenescer a quem bebesse sua remela diluída em álcool! Ele passa a ser adorado pelos moradores!

SEU MAÇU – Mascate na juventude, vereador no sexto mandato e maçom, Seu Maçu é obcecado pela honra de servir o seu povo e ser por ele reconhecido. Passa o dia inteiro sentado na praça municipal, de terno e gravata, ouvindo os queixumes do povo e anotando suas reivindicações que a vilipendiada prefeitura nunca consegue atender. Com o tempo, se aposenta, mas não perde seus hábitos públicos nem o culto à sua imagem. Continua sentado o dia todo na praça onde envelhece com ela e com os moradores que ali permanecem (os mais novos imigram). Cumprimenta a todos que passa, responde a todos os acenos. Desespera-se se alguém não lhe percebe no banco ou não lhe dá a atenção de um cerimonioso olhar! Sente suas juntas enferrujarem e seu corpo endurecer. Seus pés não se movem mais. Sonha em ser lembrado eternamente pelo povo da sua amada e esquecida Itambé. A rigidez sobe-lhe pelas pernas e atinge os órgãos vitais que não mais respondem. Uma cor plúmbea começa a cobrir sua pele. O vento não agita mais a lapela do seu paletó de linho Digonal! Um frêmito de imortalidade doura as suas lembranças que chegam pontuais e circulares, no mesmo ritmo da vida ordinária e pachorrenta da cidade que as determina: o leiteiro de porta em porta, a costureira histérica com suas revistas antiquadas, o agiota ansioso assoviando e observando o comércio cheio de moscas...
Finalmente seu pescoço endurece e ele sente habitar os pícaros da glória! Pronto! Em segundos, Seu Maçu se transformou em uma imponente estátua de bronze, quase a tempo de sua transmutação, no fenomenal arremate, desenhar uma prece nos seus murchos lábios e um olhar sublime para um pombo cagalhão que em sua direção voava mal-intencionado!

Share this post

0 comentários :