OTOMANAS - Quando em longas viagens pelos desertos do oriente,
os sultões levavam em sua comitiva algumas mulheres acentuadamente obesas,
geralmente turcas otomanas, submetidas a uma luxuriosa e calórica dieta. Quando
acampavam e o sultão precisava receber dignitários ou mesmo descansar, elas
prontamente se abaixavam conformando suntuosas almofadas para o sultão e seus convivais.
Hoje chamamos de otomanas essas grandes almofadas onde as visitas refestelam
seus traseiros gordos.
GERALDINO - Padre e professor de Geografia. De feições macilentas e abatidas
devido aos jejuns ou à masturbação compulsiva (as opiniões divergem), Geraldino
sobrevoava os continentes, os oceanos e as montanhas com a mansa voz de uma
cafetina a embalar os alunos que dormiam e sonhavam com países exóticos e
capitais de nomes impronunciáveis; no intervalo, ensinava as crianças a fazer
bolas de chiclete, aulas das quais eu fugia por ouvir o boato de ser ele um
pederasta. Anos depois, ao saber o sentido dessa palavra, passei a ver como
arquétipo da obscenidade o estourar no rosto de uma goma-de-mascar. A última
vez que o vi fora em um sonho: Geraldino mascara dois pacotes de tutti-frutti e
começou a soprar um grande balão. Iria enfim sobrevoar o Espaço Geográfico, ver
os rios, fontes e cascatas que, nos antípodas de sua mente, murmuravam. Vi o
balão subir arrastando o padre pela sôfrega boca, vencer os muros do colégio e
desaparecer no hiperbóreo céu azul. Acordei em uma distante manhã já sem saber
que fim levou meu professor, se engordou, se morreu ou se ainda flutua pelos
infinitos campos insonhados!
GÁRGULAS - Para evitar que as águas das chuvas escorressem pelas
paredes, infiltrando e corroendo-as, os arquitetos medievais projetavam longas
caneletas nos telhados de catedrais e castelos. Para dissimularem e ornar esse
artifício, esculpiam cabeças de monstros, de águias e demônios que, em dias de
chuva, cuspiam filetes de água em ruidoso gargarejar. Por derivação regressiva,
gargarejar cunhou gárgulas, no mais sombrio exemplo de uma onomatopeia
arquitetônica...
O COSTUREIRO ELZO era hipocondríaco e, ao longo de sua vida,
havia tomado tantos remédios que, perto de morrer, já nem sabia de que males
havia se curado; coerente, seu último anelo fora uma pastilha para a memória.
Seu médico, na cabeceira do leito, vasculhou os bolsos a procura de tais
pastilhas; não a encontrando, retrucou ressabiado: acho que tinha um desses
comprimidos para esquecimentos; não sei se o deixei em casa ou se o tomei e ele
não fez efeito!
WANDERLEY – menino remelento e retardado mental que era excluído
e evitado por todos os moradores, vivendo na periferia da cidade, se
alimentando da caridade dos mais simples, de legumes selvagens e da água
poluída do rio verruga. Um dia um professor de química descobriu que a remela
que o corpo dele secretava era capaz de curar todas as doenças e de
rejuvenescer a quem bebesse sua remela diluída em álcool! Ele passa a ser
adorado pelos moradores!
SEU MAÇU – Mascate na juventude, vereador no sexto mandato e
maçom, Seu Maçu é obcecado pela honra de servir o seu povo e ser por ele
reconhecido. Passa o dia inteiro sentado na praça municipal, de terno e gravata,
ouvindo os queixumes do povo e anotando suas reivindicações que a vilipendiada
prefeitura nunca consegue atender. Com o tempo, se aposenta, mas não perde seus
hábitos públicos nem o culto à sua imagem. Continua sentado o dia todo na praça
onde envelhece com ela e com os moradores que ali permanecem (os mais novos
imigram). Cumprimenta a todos que passa, responde a todos os acenos.
Desespera-se se alguém não lhe percebe no banco ou não lhe dá a atenção de um
cerimonioso olhar! Sente suas juntas enferrujarem e seu corpo endurecer. Seus
pés não se movem mais. Sonha em ser lembrado eternamente pelo povo da sua amada
e esquecida Itambé. A rigidez sobe-lhe pelas pernas e atinge os órgãos vitais
que não mais respondem. Uma cor plúmbea começa a cobrir sua pele. O vento não
agita mais a lapela do seu paletó de linho Digonal! Um frêmito de imortalidade
doura as suas lembranças que chegam pontuais e circulares, no mesmo ritmo da
vida ordinária e pachorrenta da cidade que as determina: o leiteiro de porta em
porta, a costureira histérica com suas revistas antiquadas, o agiota ansioso
assoviando e observando o comércio cheio de moscas...
Finalmente seu pescoço endurece e ele sente habitar os pícaros da glória!
Pronto! Em segundos, Seu Maçu se transformou em uma imponente estátua de
bronze, quase a tempo de sua transmutação, no fenomenal arremate, desenhar uma prece
nos seus murchos lábios e um olhar sublime para um pombo cagalhão que em sua
direção voava mal-intencionado!
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