domingo, 4 de outubro de 2015

UMA FLECHA NO CORAÇÃO DO MOVIMENTO!


Incrível como certos sofismas perduraram tanto tempo na história da filosofia como feridas que, quanto mais se coçam, mais inflamam! Entre estas, me recordo dos famosos paradoxos de Zenão de Eléia, sobre a impossibilidade do movimento. Um deles, o da Flecha, fala que uma flecha atirada a um alvo nunca está realmente se movendo, pois, em qualquer momento do tempo que considerarmos, ela estará ocupando um ponto no espaço: para cada instante, um ponto específico e vice-versa. Assim como não podemos inferir um movimento de uma séria infinita de pontos imóveis, a flecha não estaria, portanto, se movendo. Acontece que não existe esse ou qualquer outro instante a não ser como uma abstração mental. Nunca ninguém experimentou um instante sequer, o tempo fluindo eternamente não possui os instantes que lhe atribuímos, assim como as notas musicais não existem congeladas (são muitos os exemplos, e mesmo que você fotografe uma flecha em movimento e me mostre a foto da flecha paralisada, os momentos estão passando enquanto olho a foto, ela não é biunívoca com um momento específico). Ao postular a existência de instantes no tempo, Zenão exclui do seu raciocínio o próprio movimento que ele pretendia pensar. Não é, portanto um paradoxo, mas apenas um simples e capcioso sofisma! 

Bergson enfrentou esse suposto paradoxo acusando muito apropriadamente o Zenão de confundir o movimento com o espaço percorrido, quando o movimento seria um recorte indireto do tempo; mas com isso ele apenas deslocou o problema, libertando o movimento do espaço, mas o condicionando a outra categoria do ser: o tempo, que ele postulava ser a própria substância da metafísica. Bergson, a nosso ver, fugiu de Sylas e caiu em Caribdis! Não foi capaz de pensar o movimento para além de um modo ou atributo de algo que se move (conf. Sua crítica ao movimento do cinema como Ilusão Cinematográfica in: A Evolução Criadora). Parece-nos que o próprio Aristóteles deixou aberto uma possibilidade de pensar o movimento como um fenômeno autônomo quando citou, entre as causas do movimento, o que ele chama de Privação. Só podemos ser privados daquilo que temos a possibilidade (Potência) de possuir. Um corpo se move quando, privado do seu “lugar natural”, para ele tende a voltar. Assim é que a pedra atirada para o alto busca voltar ao seu lugar natural que é o solo, a vaca solta no trânsito busca o pasto e o menino choraminga buscando o colo da mãe! Parece ingenuidade, mas não é! Tão logo se exaura os recursos mensuráveis da ciência moderna – e já estamos no limiar disso, basta ver a Teoria das Cordas na atual física cosmológica, que postula a existência de entidades energéticas de tal grandeza negativa que jamais poderia um dia ser mensurada e observada, as cordas cósmicas, apontando para um além meramente matemático da cosmologia – para a ciência ser forçada a voltar para seus antigos parâmetros qualitativos aristotélicos tomistas. Nessa ficção científica retrô, tipo aqueles filmes “como seria o mundo na década de quarenta se os alemães tivesse ganhado a Primeira Guerra Mundial”, podemos pensar uma flecha em movimento onde, mesmo fotografada e comparada com outra em repouso, possa-se afirmar que uma delas trás consigo os signos de um destino, de um fim, uma intencionalidade intrínseca ao próprio corpo que se move, como os pequenos borrões distorcidos na foto da flecha movente. 

Há uma qualidade distinta em tudo aquilo que se move, há algo intuitivo que distingue uma coisa fixa daquilo que, mesmo imóvel ao lado, esteja “de passagem”. Sabemos bem distinguir em mesas de um bar na calçada os turistas daqueles frequentadores que moram ali perto, ou na mesma cidade, para além dos signos de estrangeirismo daqueles. Uma “energia” nos olhos e gestos, uma qualidade misteriosa também naqueles que sentem estar nesse mundo de passagem, para aqueles sedentários que acham que vão viver para sempre em suas vidas enfatuadas! Uma ânima, uma alma como um vento invisível que passa! Essa intencionalidade, esse destino inscrito nas coisas apontando a seus lugares naturais, não é uma categoria mental, como a intencionalidade da fenomenologia, mas um “noeta”, um extra-ser intrínseco nas substâncias primeiras do mundo. 

O grande estudioso de Aristóteles, Franz Brentano, foi quem primeiro pensou essa intencionalidade do movimento, quando, debruçado sobre essa questão da Privação, cunhou o conceito de TELENOIESE (um aperfeiçoamento de si, um acréscimo, um cumprimento, segundo glosa Temício), que, espero, possa calçar como uma luva as ideias dispersas aqui nesse meu apontamento. Ainda estou estudando o Brentano e lhes prometo muito em breve retornar ao tema e ao conceito ventilado. Minha tese tem um destino certo e um lugar natural que é o coração do seu pensamento, gentil leitor(a). Fugir só irá lhe fazer ser flechado com mais cansaço! Nem tente. 

₢ CRS
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