domingo, 4 de outubro de 2015

CAINDO DO OMBRO DOS GIGANTES


Cresci ouvindo essa patuscada de que Isaac Newton, uma bela manhã, teve um insight genial e percebeu que a maçã caía porquê a terra lhe atraía pela ação de uma força gravitacional! Como se o mundo já não estivesse careca de saber que AS GOTTAS KAIN (está chovendo, em alemão) e que "do chão não passa"! O problema era apenas de natureza epistêmica. Aristóteles, em sua obra A FÍSICA, mesmo postulando esse fato óbvio sob a forma de um esdrúxulo princípio chamado de "lugar natural" (as coisas se movem em direção ao seu lugar natural que funciona como uma especie de causa final: o lugar natural da vaca é um pasto, se vc soltar ela na cidade ela vai procurar o campo, o lugar natural da mulher é a cozinha, ela entra em sua casa e quer logo ver onde fica a geladeira e o fogão, o lugar natural da pedra é o solo e para ele tende a voltar após passar o ímpeto transmitido por quem a atirou...), mesmo assim, ele havia excluído deste princípio os corpos supra lunares, que seriam de outra natureza e regido por outras e meteorológicas leis (Um dia ainda vou escrever um ensaio sobre o tanto de asneiras formuladas por Aristóteles e de como elas atrasaram o desenvolvimento da ciência). Na época de Newton, já havia um esforço imenso dos teóricos para contestar essa arbitrária distinção entre corpos supra e sublunares, Galileu era o mais famoso, mostrando a irregularidade do solo lunar, manchas mutantes no sol, meteoritos coletados e tantas outras provas de uma natureza comum aos dois mundos. Isso é o que, para utilizar um conceito que os franceses herdaram de Heidegger, podemos chamar de a-priori histórico. Newton apenas ligou os fatos na sua pretensa intuição genial. Se a lua e os astros eram da mesma natureza que os corpos terrestres, eles também eram atraídos para os seus pretensos lugares naturais, e seus movimentos orbitais poderiam muito bem ser descritos como uma eterna queda não consumada, como a queda da maça prosaica. Descrever a órbita dos corpos celestes como uma variação de uma queda e dar à esse princípio aristotélico um novo nome, "gravidade", foi a grande novidade newtoniana, como estes médicos famosos que reagrupam sintomas de doenças diversas e formam uma nova etiologia, uma síndrome (conjunto de sintomas), dando-lhes o seu nome, Parkinson, Charcot, Alzheimer, Colmette e Guerin, etc...
Resumindo: a ciência é recombinante, um jogo de cartas com um número finito de ideias mas capaz de arranjos ilimitados. Volto a isso em breve. Vou ali pescar mais uma ideia, misturar com estas e formar um novo postulado: o Princípio da Cassianidade!
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