terça-feira, 22 de março de 2022

Sonhos Medíocres!

 

   

 

Nas campinas do sonhar, encontrei-me passeando pelas ruas de minha cidade natal. Olhava distraído o céu nebuloso, admirando as formas das nuvens que, sonhando, são iguais ao que vemos acordado (como se não comungassem essa nossa divisão entre sono e vigília). Vi uma nuvem se afastar bem rapidamente e logo percebi que era um avião de passageiros, tão veloz que arrastava consigo flocos de nuvens a dissimular sua irregular geometria. Logo o avião começou a diminuir a velocidade e a perder altitude. Senti que ele ia cair. Uma grande tensão invadiu minhas vísceras (é do estômago que partem os estímulos do sonhar). Já bem perto de mim, vi ele descer atrás de uma colina e subir um imenso clarão. Corri para minha casa, temendo que os fios elétricos ruíssem em curto-circuitos mortais. Na rua da minha casa, encontro duas primas minhas, à sombra de uma mangueira, esperando-me aflitas. Arrasto-as comigo para dentro de casa, em busca de um lugar seguro. Uma delas segura no meu braço e suplica:

_Você agora pode nos perdoar?Agora que podemos morrer? Perdoe-nos!

_Perdoar de quê?

_Do nó cego que demos na sua calça na festa de seu aniversário!!!

Parei para pensar. Não me lembrava disso.

_ Quando foi isso? - Perguntei. Na esquina o transformador elétrico em chamas ameaçava explodir

_ Quando você tinha quatro anos!

_ Pombas! Cacilda! E vou lá me lembrar de quando tinha quatro anos? Entra logo que um avião caiu e vai explodir tudo! Foi o tempo de entrar e as labaredas varrer a minha rua descalça! Acordei. E incrível, não tinha urinado na cama!


Hoje sonhei que estava na sala de espera da minha dentista. Para implantar uma prótese no maxilar, ela iria serrar meu pescoço, colocar a prótese e depois costurá-lo. Podem imaginar o temor que me assaltava. Enquanto isso, na TV, passava uma reportagem sobre uma antiga namorada minha que havia se tornado uma famosa atriz em Hollywood. As pessoas na sala de espera me reconheceram quando a jornalista falou do primeiro amor da diva! As mulheres me fitavam curiosas, os homens, com admiração. Um deles se aproximou, apertou a minha mão e me disse: Parabéns,cara! Você comeu um mulheraço! Mesmo assim, a angústia do pescoço decepado não passava! Aí está, freudianos de plantão. Jogo-lhes um osso a vossa sanha. Trinche-o nos dentes e suguem o tutano simbólico do meu sonho! Essa é fácil!


   Essa tarde sonhei que criava eu dois passarinhos dentro de uma geladeira. A todo instante eu ia lá, abria, apanhava um iogurte, uma fruta, os passarinhos voavam felizes dentro da geladeira iluminada. Uma hora, um deles escapou voando e eu saí atras dele tentando capturá-lo. Quando percebi que não iria conseguir, pensei: vou lá soltar o outro para que eles continuem juntos, agora em liberdade. Ao voltar para dentro de casa, encontrei uma senhora negra, de uns 50 anos de idade, gorda, com um rádio de comunicação em uma mão e uma pistola prateada na outra. Ela me olhou e me disse: Sou capaz de lhe matar se você soltar o outro passarinho! O resto do sonho fora eu tentando, sem sucesso, enganá-la, dando voltas pela casa! Aguardo as interpretações (mais não pago, e, de antemão, aviso: Não concordarei).


Sonhos na Pousada Vale do Capão - 

a) Um amigo de infância escalava comigo uma íngreme montanha. Um terror inaudito era a nossa secreta motivação. Abaixo de nós uma enchente ameaçava carregar tudo que estivesse em seu caminho. Atingimos o cimo e, em segurança, contemplamos o adejar de pássaros hitcockianos. Sinais de ser o topo da montanha habitado em prístinas eras havia por toda parte, ruínas de bizarras civilizações, ruídos e desencontradas premonições. Percebi à certa distancia um estranho grupo de crianças e segui ao seu encontro. Crianças, ou melhor, uma raça de anões em estranhas algazarras se comunicando. Sem rosto definido, os corpos opacos como se feitos de matéria desencarnada, eles recolhiam cristais espalhados pelo altiplano. Um pressentimento me dizia que eram coagidos, escravizados por uma força superior. Um silente e luminoso disco surgiu acima de nós; dele disparava-se raios sobre os cristais que explodiam em ondas de luz, em dinâmicas manchas coloridas, em fulgurações de mônadas criadas como diria um filósofo alemão! 

b) Encontro duas amigas saindo de um cinema. Uma delas me segura com surpresa e me beija; a outra lê uma carta que começa dizendo: somos feitos de muitas moléculas!... A carta seguia tratando de ciência e desejo ( um típico sonho conceitual onde as imagens mimam os termos, proposições e silogismos do texto lido). O efeito do pensamento lógico sobre o estofo dos sonhos é alucinante: mulheres correm em pânico para o banheiro, vejo quadros de Van Gogh incendiando-se, a névoa no céu, dissipada por um vento inclemente, revela um astro luminoso que me enche de opressão o peito. Não era a lua, e sim o planeta Saturno com seus anéis enlouquecidos girando, girando... 

Muito provavelmente por conta do terrorismo eleitoral do domingo passado, eu sonhei ontem que iria ser torturado e sentei-me em um banco, junto com outro prisioneiro, para ser interrogado. O interrogador era uma figura muito conhecida que prefiro omitir o nome. O primeiro preso, ao ser questionado, vomitou importância e amigos influentes, votos conquistados e reagiu com brios ao absurdo de ali estar submetido a tal interrogatório. O algoz não se sensibilizou e lhe prescreveu a morte por fuzilamento. Ele ensaiou um protesto, se desesperou, mas findou por se resignar (o sentimento de culpa costuma ser muito grande em quem muito se defende). Pediu uma venda nos olhos para não ver o batalhão apontando para ele. O esbirro lhe respondeu que ele se virasse para conseguir uma venda, pois não  dispunha de tal refrigério. O coitado tirou a cueca e colocou na cabeça, vedando assim os olhos. Eu comentei com outros presos na sala: 

_ Agora, finalmente, ele vai enxergar com os olhos da alma!

Toda a sala veio abaixo em sonoras gargalhadas. O algoz gostou tanto do que eu disse que findou me liberando do interrogatório. Acordei pensando onde estava a graça do meu comentário para que eles rissem tanto. O inconsciente, regente dos sonhos, não conhece hiâncias ou non-senses. Se eles riram, é que tinha mesmo algo muito engraçado ali. Talvez fosse o fato de que, ao morrer com a cueca nos olhos ele fosse finalmente ver como se pelo ânus que ali, no algodão suado e sujo, era coberto e que fosse mesmo o ânus a sede da sua alma! Mas não perdi muito tempo em procurar entender. Quando se trata da vida dos outros, eu tenho uma curiosidade infinita, mas sobre meu inconsciente ou minha própria vida, estou pouco me lixando!


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