quinta-feira, 24 de março de 2022

QUANDO BEIJO AS ESTRELAS!

 




Era um morno fim de tarde, de um verão que não volta mais. Estávamos na varanda de uma casa nas montanhas e aguardávamos com solenidade o cair de uma noite inopinada. Um temporal havia levado morro abaixo nosso único poste de iluminação. A qualquer momento, uma equipe de eletricistas iria aparecer, ou talvez não. Inquieto, eu colecionava tocos de velas e tentava manter certos hábitos, como ensaiar minhas aulas matinais. Regina, mais etérea, contemplava, no banco nodoso feito com meio tronco de ipê, o caprichoso acender das estrelas. 

_ Eu me esforço para ter uma idéia do infinito, mas não consigo! - Comentou como se falasse para si mesmo, com o olhar perdido nas pascalinas profundezas de um céu índigo-blue. 

_ Um universo infinito soa tão absurdo para a minha razão... Você também não pensa assim? 

_ Talvez você esteja concebendo o infinito com a imaginação e por mais que você imagine uma vastidão do espaço, haverá sempre mais espaço em volta até o limite final estabelecido pelo fatal cansaço da sua imaginação... 

_ Então é impossível conceber o infinito? 

_ Enquanto quantidade, sim; impossível! - eu falava como um professor - mas enquanto qualidade, não. Posso conceber uma coisa que possua, entre outros atributos, essa estranha propriedade de não ter fim, e isso sem nenhuma contradição. 

_ Não seria apenas um jogo semântico? Possuir um conceito de infinito significa necessariamente que algo infinito exista? 

_ Experimente pensar em algo que lhe seja mais íntimo: o amor, por exemplo. Você provavelmente já amou alguma vez. 

Seus olhos se voltaram para mim e brilharam mais do que as estrelas. 

_Sim! Muito! 

_ Seu amor era Infinito, ou tinha limites? 

_ Era infinito! 

_ Não seria apenas um jogo semântico? - Provoquei-a 

_Não. Era mesmo infinito; entretanto, teve fim... Não o amo mais. 

_ Você mudou, ou o seu amado, ou os dois mudaram, mas não o amor. Sempre que amamos, o amor é infinito. Como ele, também o universo não tem fim apesar da ciência confundir, na arrogância dos seus folhetins, o limite da especulação e da tecnologia com o termo final, no tempo e no espaço, do universo sideral. Eu até diria até que o universo e o amor são uma só e mesma coisa, mas você me acusaria de espinosismo ou coisa pior... 

_Seria infinita também a matéria do universo? 

_ Necessariamente! - Conclui lhe escondendo as premissas - pela eternidade afora estaremos sempre descobrindo mais e mais galáxias, novos conglomerados e distantes nebulosas. As teorias científicas terão que ser reformuladas a toda semana para estender os limites e apaziguar o espírito humano que diante do infinito e do amor, sempre treme de medo. 

_ Uma teoria cosmológica a cada semana! Agora entendo como a ciência é folhetinesca! 

_ Neste universo infinito existirá infinitos planetas iguais ao nosso, com infinitos casais em um chalé nas montanhas contemplando as estrelas, e infinitos mundos semelhantes com diferenças variando de uma lua dupla a um grão de areia, uma terra onde floresce a rosa azul, outro com desertos de ouro em pó e dragões vermelhos... 

_ Agora é você quem esta imaginando! 

_ Sim! E, como espelhos conjugados, imagino infinitas Reginas a ouvir um poeta a sonhar na varanda; talvez, em um destes mundos, exista uma capaz de amar ao modo infinito e de sentir o amor secreto a ela dedicado e capaz de inspirar infinitas palestras... 

Regina segurou a minha mão e comentou com um discreto sorriso: 

- É possivel que este mundo esteja mais próximo do que imaginamos! 

Eu estava definitivamente nas estrelas, com o olhar perdido no seu rabo de cometa. Lembro-me de ter concluído como se conhecesse o universo inteiro: 

_ Seria sem dúvida o melhor dos mundos possíveis! - E fechei os olhos à espera de um beijo! 

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