tão
triste como o meu. Comentou isso à minha mãe que, por sua vez, contou para ela
a história do meu nascimento.
Como fora mesmo uma história rocambolesca e mirabolante a minha, e como somos todos sentimentaloides ao lidar com crianças, calhou a ela acreditar que a minha profunda tristeza tivesse algo a ver com fatos e circunstâncias do meu nascimento.
De fato, me recordo de profundas melancolias durante a minha tenra infância, mas a causa fora completamente distinta, e espero que essa amiga, lendo isso, venha a entender.
Entre os vários temperamentos da natureza humana, destaca-se o temperamento melancólico. Segundo as lendas - o próprio Galeno endossa-as -, a melancolia é o temperamento "par excellence" dos sábios. Não que eu o fosse ou que a qualquer outro melancólico seja sábio por ter tal compleição humoral. (Agora sou eu explicando a lenda).
A melancolia é apenas o sentimento, o pathos, de quem está privado da sabedoria, mas que, ao mesmo tempo, tem uma natureza voltada para ela, um telos, um destino de "sophós". Afinal, nem toda criança ou adultos privados de toda e qualquer sabedoria, possui traços quaisquer de melancolia, ou tendo-os, os tem por motivos distintos.
Resumindo: o melancólico é aquele que nasceu para buscar a sabedoria e sofre uma tristeza imensa por não a ter! Era essa a sede que minha amiga viu em meus olhos infantis e julgou que era algum trauma psicológico.
Um dia, um discípulo perguntou a Sócrates o que era preciso para se ter a sabedoria. Sócrates não respondeu nada de imediato. Apanhou o jovem pelo pescoço e enfiou-lhe a cabeça nas águas do poço em cujas margens conversavam e o deixou sufocar. Quando o retirou da água, o jovem parecia querer engolir todo o ar mediterrâneo! Disse-lhe então o filósofo: "Quando você desejar a sabedoria com sua alma, como desejou agora o ar com seus pulmões, certamente você a encontrará!"
Eu era essa criança sufocada. Minha melancolia era o ar da sabedoria da qual nasci absolutamente privado, mas também absolutamente a ela afeiçoado! Sofri muito mas hoje sou um homem de uma alegria profunda que até incomoda os meus pares! Não que eu tenha a posse da sabedoria de modo exclusivo. A sabedoria é como o amor de u'a mãe de incontáveis filhos. A todos ela ama com o mesmo e indivisível amor, mas nenhum filho pode se dizer possuidor do coração daquela mãe. A sabedoria participa sem ser possuída, como o poder de um prefeito se exerce na repartição sem que ali ele esteja, ou como a lua se revela inteira na água onde se espelha!
Hoje tenho a sabedoria, ou penso tê-la pois que de vez em quando a vida agita a água que dorme e foge de Endimião os raios da sua Selene amada, mas é só esperar as águas se acalmarem para de novo a alegria reinar no rosto desse seu humilde poeta enluarado!
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Como fora mesmo uma história rocambolesca e mirabolante a minha, e como somos todos sentimentaloides ao lidar com crianças, calhou a ela acreditar que a minha profunda tristeza tivesse algo a ver com fatos e circunstâncias do meu nascimento.
De fato, me recordo de profundas melancolias durante a minha tenra infância, mas a causa fora completamente distinta, e espero que essa amiga, lendo isso, venha a entender.
Entre os vários temperamentos da natureza humana, destaca-se o temperamento melancólico. Segundo as lendas - o próprio Galeno endossa-as -, a melancolia é o temperamento "par excellence" dos sábios. Não que eu o fosse ou que a qualquer outro melancólico seja sábio por ter tal compleição humoral. (Agora sou eu explicando a lenda).
A melancolia é apenas o sentimento, o pathos, de quem está privado da sabedoria, mas que, ao mesmo tempo, tem uma natureza voltada para ela, um telos, um destino de "sophós". Afinal, nem toda criança ou adultos privados de toda e qualquer sabedoria, possui traços quaisquer de melancolia, ou tendo-os, os tem por motivos distintos.
Resumindo: o melancólico é aquele que nasceu para buscar a sabedoria e sofre uma tristeza imensa por não a ter! Era essa a sede que minha amiga viu em meus olhos infantis e julgou que era algum trauma psicológico.
Um dia, um discípulo perguntou a Sócrates o que era preciso para se ter a sabedoria. Sócrates não respondeu nada de imediato. Apanhou o jovem pelo pescoço e enfiou-lhe a cabeça nas águas do poço em cujas margens conversavam e o deixou sufocar. Quando o retirou da água, o jovem parecia querer engolir todo o ar mediterrâneo! Disse-lhe então o filósofo: "Quando você desejar a sabedoria com sua alma, como desejou agora o ar com seus pulmões, certamente você a encontrará!"
Eu era essa criança sufocada. Minha melancolia era o ar da sabedoria da qual nasci absolutamente privado, mas também absolutamente a ela afeiçoado! Sofri muito mas hoje sou um homem de uma alegria profunda que até incomoda os meus pares! Não que eu tenha a posse da sabedoria de modo exclusivo. A sabedoria é como o amor de u'a mãe de incontáveis filhos. A todos ela ama com o mesmo e indivisível amor, mas nenhum filho pode se dizer possuidor do coração daquela mãe. A sabedoria participa sem ser possuída, como o poder de um prefeito se exerce na repartição sem que ali ele esteja, ou como a lua se revela inteira na água onde se espelha!
Hoje tenho a sabedoria, ou penso tê-la pois que de vez em quando a vida agita a água que dorme e foge de Endimião os raios da sua Selene amada, mas é só esperar as águas se acalmarem para de novo a alegria reinar no rosto desse seu humilde poeta enluarado!
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