sexta-feira, 18 de março de 2022

DE CRIANÇAS E CRIANÇAS QUÂNTICAS!



As crianças sentem um prazer especial em se esconder. E não para serem descobertas no final. Há, no próprio fato de ficarem escondidas, no ato de se refugiarem no cesto de roupas ou no fundo de um armário, no se encolherem no fundo do sótão até quase desaparecer, uma alegria incomparável, uma palpitação especial, a que não estão dispostas a renunciar por nenhum motivo. Essa palpitação e essa alegria são como os guardiões da glória solitária, que o esconderijo um dia revelou à criança! De fato, o poeta celebra seu triunfo no não-reconhecimento, exatamente como a criança que se descobre encantada com o "genius loci" do seu esconderijo!
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 O físico Max Planct costuma dizer que se ele fosse capaz de formular seus complexos problemas de física quântica em uma linguagem acessível às crianças, estas seriam capazes de apresentar imediatamente uma resposta precisa; as crianças, concluía ele, possuem uma percepção extra-sensorial que nós, adultos, parecemos ter perdido na aurora da juventude. Não duvidamos desta percepção extra-sensorial - as crianças são seres metafísicos, já dizia o velho Gilles Deleuze -, embora tenhamos também a percepção extra-sensorial de haver este grande físico cometido um pequeno equívoco, quântico como as suas partículas, mas tão implicado na imagem do pensamento como tais partículas na configuração do universo. Qualquer problema em física, lógica, ou qualquer outra disciplina arrasta em sua formulação, como matéria de expressão, as suas próprias respostas, tão exatas quanto a natureza do problema possa ser. Formular um problema de maneira que uma criança possa resolver já é dar uma resposta, assim como a velocidade de um móvel já se encontra virtualmente dada na razão do tempo e da aceleração contidos na fórmula conforme os velhos quesitos colegiais. Max Planct não estava sozinho nesta ilusão de grandes sombras sobre a Historia da Filosofia: valorizar as respostas em detrimento da arte de pôr os problemas; uma ilusão que Platão já fazia uso quando, para ilustrar a sua teoria da reminiscência, nos apresenta Sócrates pondo problemas de geometria ao escravo Mênon. Sua intenção era mostrar que o escravo, na sua completa ignorância, era capaz de resolver as questões por já possuir, inatas em sua alma, as respostas e o saber esquecidos no trauma do nascimento. Apesar de Platão ver nesse inatismo uma sombra do mundo das idéias, a verdade é que Sócrates formulava as questões com tanta precisão que nem era preciso ter alma ou percepções extra-sensoriais para deduzir as respostas. Entretanto, podemos sim considerar a existência de alguma coisa da mecânica quântica na vida ordinária das crianças, talvez a sincronicidade junguiana e diversos outros fenômenos extra-sensoriais sejam um dia explicados pelas leis surrealistas da física das partículas, mas vou postular um outro exemplo, de minha própria lavra: Trata-se de um estranho comportamento de uma partícula sub-atômica: os Gluóns. Funcionam com uma cola a ligar outras partículas como os quarks, bósons e vasta família. O original dos gluóns é que, quando você separa duas partículas ligadas por essa “cola” e as afastam, elas começam a se atrair na razão direta de sua distância; Isto é, quanto mais longe estiver uma da outra, mais intensa é a atração, a tal ponto que, se você colocar uma delas em Saturno e a outra na terra, a velocidade com que as partes do gluón se atraem é tão vertiginosa que, se prolongadas até o encontro entre elas, o choque geraria uma explosão liberando a energia de setecentos bombas atômicas! Mas, curiosamente, a medida que começam a se aproximar uma da outra, imediatamente a força de atração vai diminuindo na mesma razão da distância, a ponto de encostarem uma na outra e não se tocarem, tamanha a suavidade com que terminam sua jornada de estupenda velocidade inicial! Talvez, quando no futuro as leis desse estranho mundo sub-atômico forem usadas para explicar nossa subjetividade, poderemos associar o desejo das crianças (e de muitos adutos também) à esse estranho comportamento dos gluóns: é tão comum ver uma criança dar um tremendo calundu querendo a mãe ou a babá para, tão logo avistá-la, se voltar distraída ao que fazia antes; ou, após quase morrer aos berros desejando um brinquedo na distante vitrine, segurar o presente entre os dedos e comentar: “ah! Eu queria mesmo era o verde!” Para concluir, sabe aquele óculos de sol esquecido na gaveta que sua irmã nunca usa? Experimente levá-lo para uma praia distante e ela souber pra você ver o tamanho do desejo que ela nutre por ele!

Um eminente psicólogo explica a frivolidade das crianças pela extrema vivacidade do espírito que, envolvido na dinâmica vertiginosa da vida, é arrastado pelas impressões sensíveis de um para outro fenômeno em uma dança sobre a superfície do mundo; sem a concentração e a reflexão que a pressupõe, ela não apreende a experiência em suas camadas profundas, nem é capaz de escalonar a importância de cada uma delas. Cabe a nós uma questão: Não seria exatamente a ausência de vivacidade no espírito do psicólogo que o leva a julgar frívola a atitude das crianças e considerar relevantes as suas reflexões meditabundas? Talvez, para uma criança, o adejar mirabolante de uma borboleta no jardim ou a sina de um barquinho de papel nas águas da chuva seja algo mais emocionante e profundo do que as extenuadas e abstrusas teorias de um sábio de gabinete! 


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