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O físico Max
Planct costuma dizer que se ele fosse capaz de formular seus complexos
problemas de física quântica em uma linguagem acessível às crianças, estas
seriam capazes de apresentar imediatamente uma resposta precisa; as crianças,
concluía ele, possuem uma percepção extra-sensorial que nós, adultos, parecemos
ter perdido na aurora da juventude. Não duvidamos desta percepção
extra-sensorial - as crianças são seres metafísicos, já dizia o velho Gilles
Deleuze -, embora tenhamos também a percepção extra-sensorial de haver este
grande físico cometido um pequeno equívoco, quântico como as suas partículas,
mas tão implicado na imagem do pensamento como tais partículas na configuração
do universo. Qualquer problema em física, lógica, ou qualquer outra disciplina
arrasta em sua formulação, como matéria de expressão, as suas próprias
respostas, tão exatas quanto a natureza do problema possa ser. Formular um
problema de maneira que uma criança possa resolver já é dar uma resposta, assim
como a velocidade de um móvel já se encontra virtualmente dada na razão do
tempo e da aceleração contidos na fórmula conforme os velhos quesitos
colegiais. Max Planct não estava sozinho nesta ilusão de grandes sombras sobre
a Historia da Filosofia: valorizar as respostas em detrimento da arte de pôr os
problemas; uma ilusão que Platão já fazia uso quando, para ilustrar a sua
teoria da reminiscência, nos apresenta Sócrates pondo problemas de geometria ao
escravo Mênon. Sua intenção era mostrar que o escravo, na sua completa
ignorância, era capaz de resolver as questões por já possuir, inatas em sua
alma, as respostas e o saber esquecidos no trauma do nascimento. Apesar de
Platão ver nesse inatismo uma sombra do mundo das idéias, a verdade é que
Sócrates formulava as questões com tanta precisão que nem era preciso ter alma
ou percepções extra-sensoriais para deduzir as respostas. Entretanto, podemos
sim considerar a existência de alguma coisa da mecânica quântica na vida
ordinária das crianças, talvez a sincronicidade junguiana e diversos outros
fenômenos extra-sensoriais sejam um dia explicados pelas leis surrealistas da
física das partículas, mas vou postular um outro exemplo, de minha própria
lavra: Trata-se de um estranho comportamento de uma partícula sub-atômica: os
Gluóns. Funcionam com uma cola a ligar outras partículas como os quarks, bósons
e vasta família. O original dos gluóns é que, quando você separa duas
partículas ligadas por essa “cola” e as afastam, elas começam a se atrair na
razão direta de sua distância; Isto é, quanto mais longe estiver uma da outra,
mais intensa é a atração, a tal ponto que, se você colocar uma delas em Saturno
e a outra na terra, a velocidade com que as partes do gluón se atraem é tão
vertiginosa que, se prolongadas até o encontro entre elas, o choque geraria uma
explosão liberando a energia de setecentos bombas atômicas! Mas, curiosamente,
a medida que começam a se aproximar uma da outra, imediatamente a força de
atração vai diminuindo na mesma razão da distância, a ponto de encostarem uma
na outra e não se tocarem, tamanha a suavidade com que terminam sua jornada de
estupenda velocidade inicial! Talvez, quando no futuro as leis desse estranho
mundo sub-atômico forem usadas para explicar nossa subjetividade, poderemos
associar o desejo das crianças (e de muitos adutos também) à esse estranho
comportamento dos gluóns: é tão comum ver uma criança dar um tremendo calundu
querendo a mãe ou a babá para, tão logo avistá-la, se voltar distraída ao que
fazia antes; ou, após quase morrer aos berros desejando um brinquedo na
distante vitrine, segurar o presente entre os dedos e comentar: “ah! Eu queria
mesmo era o verde!” Para concluir, sabe aquele óculos de sol esquecido na
gaveta que sua irmã nunca usa? Experimente levá-lo para uma praia distante e
ela souber pra você ver o tamanho do desejo que ela nutre por ele!
Um eminente psicólogo explica a frivolidade das crianças pela extrema vivacidade do espírito que, envolvido na dinâmica vertiginosa da vida, é arrastado pelas impressões sensíveis de um para outro fenômeno em uma dança sobre a superfície do mundo; sem a concentração e a reflexão que a pressupõe, ela não apreende a experiência em suas camadas profundas, nem é capaz de escalonar a importância de cada uma delas. Cabe a nós uma questão: Não seria exatamente a ausência de vivacidade no espírito do psicólogo que o leva a julgar frívola a atitude das crianças e considerar relevantes as suas reflexões meditabundas? Talvez, para uma criança, o adejar mirabolante de uma borboleta no jardim ou a sina de um barquinho de papel nas águas da chuva seja algo mais emocionante e profundo do que as extenuadas e abstrusas teorias de um sábio de gabinete!
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