terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

O PRÍNCIPE SERIAL

 




      Era uma vez um príncipe feliz que vivia em um castelo de pedra encravado no alto de uma montanha e tão alto que as nuvens entravam e saíam pelas janelas desse castelo. Ao seu lado vivia a princesa Miranda, sua prima, com quem em breve ele se casaria. Não só os noivos, mas também todos os habitantes do reino esperavam com ansiedade o dia do casamento. Antes da cerimônia, porém, o príncipe Rodrigo deveria viajar até as fronteiras do reino onde havia um bosque sagrado e, segundo a lenda, um cristal encantado que ornava a coroa real em tempos míticos e que fora perdido pelos seus antepassados.
Em volta do castelo o reino se dividia em oito povoados e todos queriam que o príncipe cruzasse suas ruas no dia da viagem. As aldeias distinguiam-se pela cor de seus habitantes, da bandeira e das roupas, pela cor das paredes e dos telhados de suas casas. Havia o povo azul, o povo verde, o violeta, amarelo, laranja, vermelho, lilás e o povo negro que vivia em um vale escuro onde o sol nunca brilhava. Todos eles teciam um manto para Rodrigo usar neste dia e acreditavam que o manto mais vistoso, de cor mais esplêndida e encarnada, decidiria o percurso do monarca. O príncipe, na véspera da viagem e a poucos dias do casamento, não sabia o que fazer e resolveu convocar as fadas de cada povoado para um concílio encantado. No grande salão do castelo, a fada azul, a amarela, a verde... Todas elas, parciais e caprichosas, tentavam convencer o monarca a trilhar o caminho de suas aldeias apelando ao simbolismo das cores e às virtudes secretas que elas encarnavam. Mas seus argumentos pareciam retumbar no brasão da justiça sobre as armas pendurado, não chegando assim aos ouvidos reais. Decidiram então, as fadas, por um astucioso passe de mágica: todas se deram as mãos formando um círculo e Rodrigo, no meio, se multiplicou em oito príncipes iguais, idênticos em tudo, exceto na cor da pele e cada réplica de Rodrigo vestiu o manto com a cor de um povoado. Combinado ficou que as fadas ficariam de mãos dadas (caso contrário o encanto se quebrava) até o retomo do príncipe que sofria se ficasse um instante sequer longe da sua amada.
Os oito príncipes saíram do castelo por oito portas diferentes; por oito caminhos que cruzavam o reino que, visto de cima cercado de povoados de cores distintas, parecia a paleta de um aquarelista atarefado. O príncipe azul usava um excelso manto azul-marinho, outro trazia violetas no cabelo e um outro, todo vestido de ouro, arrancava aplausos no povoado dos homens amarelos. No castelo a princesa Miranda sentia o seu amor multiplicado derramando-se para o universo e as fadas, de mãos dadas, vibravam com a alegria que seus protegidos experimentavam. Um imprevisto, contudo, viera ferir a suscetibilidade de uma das fadas. O príncipe negro, usando uma retinta libré cor da noite sem estrelas, cavalgava um negro corcel e parecia uma mancha, uma sombra móvel e confusa na escuridão da floresta. Ele desfilou lenta e reverente pelo vale sombrio, pelas ruas da aldeia negra, sob as árvores da encosta que filtravam a mais intrépida réstia de luz. NINGUÉM VIU O PRÍNCIPE NEGRO PASSAR! Os habitantes, na soleira das portas, teciam injúrias e maldições que soavam como silvos de serpentes e pio de aves agourentas. A fada negra esperou o dia inteiro e não sentiu os mágicos arrepios da alegria que suas companheiras experimenta­ram e concluiu que seu povo fora enganado. No exato momento em que os oito príncipes erravam pelo bosque em busca do cristal encantado, ela retirou suas mãos do círculo mágico e o encanto se desfez. A princesa deu um grito de dor e o príncipe negro dissolveu-se em fumaça envolvendo todo o bosque com a mais espessa e retinta escuridão. Perdidos na floresta, os sete príncipes coloridos nunca mais puderam se reunir na pele do príncipe Rodrigo. Diz a lenda que em dias de chuva, quando a água lava a fuligem do bosque, as sete réplicas de Rodrigo formam um raio de luz, um arco-íris que desliza pelas nuvens, cruza a extensão do céu e, pela janela do castelo, vem beijar os lábios da princesa abandonada!

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