Muitos antigos habitantes de Itambé-Ba conheceram ou ouviram falar do finado Meré, boêmio e comerciante nos fundos do Mercado Municipal. Quase ninguém sabe que este apelido dele foi uma homenagem à um lendário jogador francês de dados e cartas, amigo de farras do Voltaire e de nome Antoine Gombauld, vulgo Cavaleiro de Meré. Este apelido lhe fora presente do médico e intelectual Auterives Maciel, seu parceiro de copo e prosopopeia nas tardes calorentas e entediadas quando as putas dormiam e o comércio cochilava! Certo dia, por conta de algum serviço prestado que bem posso imaginar a natureza, um rico criador de gado, Pedro Ferraz, presenteou Meré com uma novilha e disse-lhe que a rês ficaria na sua fazenda por um tempo indefinido, podendo Meré aparecer quando bem quisesse e apanhar o animal, ou deixar por lá, engordando e dando cria! Muito agradecido, Meré não quis, ou não pode esperar muito tempo e, um mês depois, dirigiu-se à fazenda do fazendeiro para resgatar sua prenda. Qual não fora sua imensa e desagradável surpresa quando o vaqueiro, na ausência do proprietário sempre pelas bandas da capital, lhe informou que uma cobra havia, na semana passada, mordido e matado sua linda vaca guzerá! Traumatizado por essa perda, e prenhe de mordaz ironia, Meré começou a fabular pela cidade que a tal cobra, para reconhecer a vaca dele entre duas mil cabeças no pasto do fazendeiro, teve que sair perguntando a todas:
_ Você é que é a vaca de Meré?
E assim, de vaca em vaca, a cobra acabou encontrando sua vítima predestinada e prontamente mandou ver o licoroso veneno no coxim da pobre coitada.
O que ninguém sabe ainda é que essa jocosa anedota não era apenas uma anedota. Meré sonhou esta cena e, antes de morrer, me confiou o que de fato havia motivado a cobra – na verdade um espírito satânico – a agir desta maneira: a mando do cão, que tinha poderes sobre sua alma desde que ele pintara as paredes do cabaret de Leonora com uma imagem imensa do capeta com espeto em chamas e piroca gigantesca ( imagem esta que provocou uma romaria de beatas, lideradas pelo Pe. Juracy Marden, que apagaram a pintura e lavaram o cabaret), a cobra queria impedir que Meré bebesse leite, prorrogando com isso sua morte por cirrose hepática como de fato veio a ocorrer. Eu era, então uma criança de 11 anos, sem credibilidade nenhuma, e ele me usou para descarregar um segredo medonho sem, contudo, correr o risco de se passar por caduco e bêbado na hora de morrer, se confessasse o fato para um adulto judicioso, que não se impressionasse com sonhos de um velho beberrão e saísse pela cidade fazendo fole e alarde!
Apêndice:
A cafetina Leonora, senhora absoluta dos prostíbulos de Itambé-Ba, no auge da exploração madeireira nos anos sessenta, do alto de sua sabedoria de vida, ensinava a toda as novinhas - que ela iniciava na mais antiga das profissões - a usarem cera de abelha nos ouvidos ao irem para a cama com os clientes. Assim não corriam o risco de se apaixonarem pelo mais curto caminho que leva ao coração da mulher! Teria ela ouvido do erudito médico Auterives Maciel, assíduo e celibatário frequentador do seu cabaret, as peripécias do navegante Ulisses que usara desse artifício para proteger seus marinheiros do canto das sereias, nos penhascos da Fólcida?
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