domingo, 6 de fevereiro de 2022

As Camas-de-Gato de Crispin Douglas Corcoran

 


Crispin Corcoran era mesmo um osso duro de roer. Tão logo retornara da guerra, com cicatrizes e galardões no peito pendurado, fora nomeado delegado da sua cidade natal. Transcorria os brejeiros anos cinqüenta e quase não havia muito e que fazer no recém emancipado vilarejo de Itambé: roubo de gado, agiotagem, bebedeiras e adultérios não comprovados compunham o repertório de ocorrências que bastavam aos seus dois auxiliares, Borjala e Farjala " chamar na catraca " para fazerem a simplória engrenagem do lugar voltar ao ritmo normal. Enquanto seus dois cupinchas faziam a ronda de bicicleta, Crispim desfilava em um Ford Landau preto e prata que sacolejava ao peso do porta-malas abarrotado de facões e pederneiras, espingardas e estrovengas, garruchas, bacamartes e cravinotes recolhidos em suas rondas pela feira e zona rural. Até mesmo fogos de artifício ele " güentava ", até o dia em que os fogos explodiram carbonizando o banco de trás, espalhando fagulhas e fumaça no límpido céu azul de um fim-de-tarde. Com o fim do sinistro arsenal, Corcoran procurou outros meios de intimidar a bandidagem. Nenhum episódio passava pela sua delegacia sem que ele não encontrasse uma solução: essa era a sua legenda e a base da sua autoridade. Seu método era simples. Tão logo uma ocorrência era registrada, ele rondava o local do crime e levantava os suspeitos, Deus sabe por quais critérios! Em seguida prendia dois deles e os interrogava. Sua argumentação era, invariavelmente, a mesma: - As investigações apontam você e seu cumpade assaltando o armazém da serraria! Crime desse tipo aqui, a pena é de quatro anos de prisão. Vou interrogar os dois, separadamente. Se ambos negarem o assalto, tenho que soltá-los pois não tenho provas; se os dois confessarem, divido a pena e cada um puxa dois anos; mas, se um confessar o crime, acusando formalmente o outro, eu solto o confessor por delação premiada e condeno o teimoso a quatro anos de cana, mais seis meses por obstrução da justiça! Independente de serem inocentes ou não, o bom-senso e a lógica manda que os dois não confessem nada, entretanto, na hora de um confiar no outro.... nunca houve um caso destes em que um acusado negasse a acusação quando o outro pudesse confessar e sair ileso, toda a culpa caindo sobre seus ombros. Era sempre cana dividida para os dois, quase sempre, diga-se de passagem, inocentes como dois anjinhos travessos. Aberta sobre a mesa do delegado Crispim, a Bíblia Sagrada, na exata página do meio, exibia a sentença que a sintetiza e que pesa sobre toda a espécie humana: " Triste do homem que confia em outro homem". Crispim Corcoran sabia disso.


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