domingo, 6 de fevereiro de 2022

NOSTALGIA: Nost - ninho; Algia - dor



 É comum, a homens ociosos como eu, terem intermitentes recordações, voluntárias ou não, de cenas do seu passado inolvidável. Assim foi que, em uma dessas tardes ordinárias, encontrei-me a recordar a minha cidade natal, certas esquinas e uma certa habitante sua que marcou profundamente o sulco melancólico das minhas paixões. Uma nostalgia pungente envolvia-me como uma bolha de sabão, atenuando as estridentes buzinas e o choque com os apressados transeuntes. Ocorreu-me, não sei por que, considerar a rua onde estava, e que já me acolhia pôr longos anos em um estado de morna felicidade, como algo passageiro e pensei no dia em que talvez vinhesse a recordar esse momento presente, esta rua, com a mesma saudade que sentia então pelo remoto passado. Invadiu-me uma breve e estranha sensação de estar vivendo no pretérito que o momento presente se tornara em relação a tal pensamento. A nostalgia deslocou-se para o futuro em que eu viria a sentir saudades do momento atual. Esta sensação tão singular deixou-me a suspeita de ser a nostalgia uma intuição de um tempo acronológico. Podemos ser apaixonados por uma época antiga quando nem éramos ainda nascidos, imitar os modismos e os costumes desta época e, se supersticiosos, falar em reencarnações; podemos nos apaixonar pela ficção-científica e passar longas horas suspirando pelos épicos de um futuro inatingível. O pensamento é capaz de considerar as coisas sob uma espécie de eternidade e a nostalgia pode ser uma afecção dessa maneira de pensar. Um filósofo grego dizia que a nossa alma aspira a um mundo ideal situado em um remoto e solene passado e esta aspiração conferia ao filósofo um ar nostálgico e melancólico. Seu antípoda, Fredrich Nietzsche, esperava com ardor um porvir onde a vida se libertasse de todas as suas doenças históricas ( que esse porvir não seja ainda o momento atual em que vivemos se explica talvez por ser ele tão essencialmente futuro quanto era essencialmente passado o tempo perfeito de Platão). Podemos definir a nostalgia como um afeto negativo, a privação do corpo em não poder habitar o tempo dos nossos pensamentos e nisto é que ela se difere de uma simples saudade: sentimos saudades de acontecimentos e coisas passadas que, quando presentes, encheram de júbilo nossas almas. A nostalgia não se refere a privação de coisas presentes ou passadas, ela é a intuição do tempo em sua forma pura, acronológica, ou, para usarmos de termos mais antigos, ela é uma sublime experiência da eternidade, sendo sublime todo o pressentimento de grandezas, potências e disformidades incontidas em nossa alma.

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