quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

MULHERES ITAMBEENSES - Retalhos de Vidas Trágicas!



Aqueles foram anos difíceis, quando a cidade de Itambé, de um dia para outro, se viu invadida pelo rádio, revistas e jornais e por engenheiros e operários da empresa que construía a Rio-Bahia, rodovia federal. Os costumes e modas que as famílias conservavam a intocáveis gerações caíram em desuso como mangas maduras à brisa do tempo. O ponto alto desta crise se deu quando Dinorá, esposa do prefeito Carrobério, suicidou-se com um tiro de repetição na boca e, em uma longa e caligráfica carta, culpou o marido pela infelicidade e vida de escravidão que este a submetia na sede da fazenda Santa Rosa. A carta correu a cidade, comoveu a ricos e pobres que carregaram nos ombros o caixão da oprimida, do velório ao cemitério; dois meses depois, quando o episódio parecia digerido, dona Banúria, esposa de outro rico fazendeiro, teve a mesma idéia infeliz e se afogou no rio Pardo com os bolsos do vestido cheios de pedras. Na carta sobre a penteadeira e endereçada ao povo da cidade... um pungente relato de privações, perversidades e humilhações diante das amantes do marido. Como corolário e arremate, a suicida compadecia e loava sua antecessora de desespero, Dinorá. O rastilho de pólvora fora aceso. A consciência do gênero feminino acordara e histórias horríveis de opressão começaram a se ouvir nas feiras e nas festas, no confessionário e nas praças. Temendo por suas mulheres, os pais-de-família redobraram a opressão, acreditando se dever ao ócio e ao tempo perdido com radionovelas e revistas de modas, tal sinistra solução. O padre vociferava no púlpito contra o demônio que induzia os suicídios, as armas foram trancadas e moleques vigiavam dia e noite os passos de suas patroas... mas em vão! Três semanas depois, tivemos a terceira vítima com direito a foto e à íntegra da carta publicada no jornal da Capital. O viúvo, com medo de ser linchado por manter a esposa na fábrica de queijos dezesseis horas por dia, fugiu para Minas Gerais. Ao fim de dois anos, seis esposas se suicidaram e a cidade, em uma espécie de embriagues macabra, esperava e apostava quando e quem seria a próxima vítima. Fora por essa época a nomeação de Crispin Corcoran como delegado de polícia da cidade. Sem que tal lhe fosse cobrado, deu-lhe na telha resolver esse problema que ameaçava migrar para as camadas mais pobres e numerosas, agravando ainda mais a fábrica de delinqüentes (como ele chamava o orfanato). Não cabe nos dedos o número de noites em claro a cismar sobre o caso, sentado de pijamas sobre a mesa da cozinha - Corcoran tinha fobia de pintos, mas o sogro insistia em criar e chocar galinhas no quintal, e se um entrasse pela porta dos fundos... Nesse santuário, ele engolia colheradas de requeijão e farinha de goma em uma caneca de café-com-leite, baforava seu hálito no anel de esmeralda e o polia na flanela do pijama, enquanto cismava feito um neurótico miserável. Deve-se a uma destas noites meditabundas o insight que ele teve: mandou colar, nos postes elétricos, portas de casa e balcões de bar, uma circular informando que, daquela data em diante, qualquer mulher que se suicidasse na região, rica ou pobre, casada ou solteira, jovem ou idosa, com ou em razão para tal, teria o cadáver despido e pendurado na porta da delegacia, na praça principal, com todas as vergonhas expostas até a catinga do cadáver empestiar a cidade. Talvez por coincidência, com os maridos mais ternos e compreensivos, talvez pelo terror gerado com essa medida extrema, o certo é que, daquela data até hoje, quando de Crispin não resta sequer os ossos já exumados, nenhuma mulher oprimida tem se suicidado na bucólica cidade de Itambé.

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