Na atmosfera de
Júpiter, a pressão é tão intensa e a concentração de co² tão alta que,
frequentemente, minúsculos grãos de diamante são gerados em um processo
semelhante ao que acontece no interior do nosso planeta, onde resíduos de carvão,
sobre medonha pressão tectônica, transmuta-se em diamantes (cabe lembrar que a
pressão atmosférica de Júpiter é maior do que a existente na camada Sial da
terra). Esses diamantes jupterianos flutuam nas gigantescas correntes atmosféricas
do grande astro gasoso e são recolhidos por quilométricas redes. Nas camadas mais
altas do planeta, naves terráqueas deslizam dragando a atmosfera profunda com
grandes redes de arrasto, recolhendo esses diamantes e outros minérios nobres
gerados no interior do ciclópica fornalha. Formas de vida ignota, semelhantes a
arraias e maiores do que uma baleia, são vistas eventualmente a flutuarem na densa atmosfera e ameaçadas de
extinção pelas explosões atômicas de pequenos artefatos nucleares, disparados
pelas naves coletoras de diamante, para aumentar a pressão e acelerar a
produção de gemas de valor inestimável na Terra e em suas colônias do
Sistema Solar. Cientistas ambientalistas afirmam que tais explosões podem
desencadear uma reação em cadeia e acender o núcleo de Júpiter, criando um novo
sol em nosso sistema capaz de cozinhar literalmente os planetas vizinhos, a Terra
inclusive. Prevendo o colapso de nosso planeta, por esta e outras ameaças, a
Nasa e outras agências espaciais preparam a colonização de um exoplaneta
localizado na galáxia de Andrômeda, de nome Bingel, em homenagem à filósofa,
musicista e freira católica Hildegarda Bingel. Após décadas de modulação de sua
atmosfera com envio de microrganismos e espécimes vegetais, uma gigantesca nave
é enviada com centenas de espécimes animais, de pequenos insetos a grandes
mamíferos, inclusive muitos outrora extintos e ressurretos pela engenharia
genética, para testes de adaptação: mamutes para as regiões polares de Bingel,
brontossauros, dodós, Libélulas gigantescas e leões do tamanho de gatos
domésticos... A espaçonave Pandora, com seus habitantes adormecidos, parecia
uma gigantesca arca de Noé a cruzar o espaço sideral, comandada pela Capitã Otávia
e sua tripulação selecionada para serem os primeiros humanos a colonizar Bingel
após quinze anos de viagem e mais dois anos orbitando o planeta em função de
estudos e experiências prévias à aterrissagem definitiva. Antes mesmo da
chegada da arca, quatro anos após sua partida, milhares de astronaves
semelhantes começam a ser construídas para a fuga da humanidade, após sensores
indicarem que uma reação em cadeia começou a arder nas profundezas de Júpiter,
ocasionado por uma explosão nuclear que, embora proibidas, ainda aconteciam por
conta de piratas coreanos que infestavam o sistema solar. Há muito
tempo que boa parte da população do planeta havia sido substituída por cyborgs
que exerciam a maioria das atividades laborais. Os humanos eram agora uma elite
dedicada à ciência e ao lazer, se reproduzindo pouco e em avançado processo de
autopoiese genética, de eugenia e próteses biônicas a povoar o mundo de
semideuses, mas também de vilões sinistros. Haviam descoberto uma maneira de
viajarem no tempo, embora sem poder interferir no passado, pois, sempre que um
viajante no tempo tentasse alguma coisa que viesse a interferir no encadeamento
dos fatos e comprometendo o futuro, modificando-o para sempre, tal como
fornecer uma informação tecnológica aos antepassados ou matarem um líder
político sanguinário, eram imediatamente impedidos de o fazerem, como se uma
desconhecida força, que os místicos chamavam de “Laços de Eventos”, criasse uma
barreira entre o viajante no tempo e o objeto de sua ação invasiva e
interferente. Viajavam para pesquisas e aperfeiçoamento das Ciências
Históricas, para práticas educativas e de lazer, com milhares de estudantes deslocando-se
pelas eras passadas para verem “in loco” o filme da epopeia humana na Terra! Esses
viajantes, em suas etéreas naves espaciais, que os antigos chamavam de discos
voadores, de ET’s e alienígenas, outra coisa não eram senão seus próprios e
longínquos descendentes, modificados pela evolução artificial, quem voltavam
para ver seus antepassados milenares! Evidentemente, nas faixas de tempo em que
a espécie humana ainda não existia, muita coisa era possível ser feita,
inclusive a captura de pré-históricos animais e vegetais que eram trazidos para
o tempo presente e compunham exuberantes zoológicos, agora todos condenados a
arderem nas chamas de Júpiter em um novo sol transmutado! Era para estas faixas
de tempo anteriores à presença dos homens que grandes naves cargueiros viajavam
para uma missão inconspícua: levar o lixo da humanidade consumista para um
lugar onde ele pudesse se decompor antes que pudesse interferir na cadeia
temporal dos acontecimentos. Plásticos, metais, ligas e outros compostos sendo
digeridos pelo tempo e retornando ao fundo atômico e molecular da matéria planetária.
Suspeita-se hoje que muitos dos enigmáticos artefatos recolhidos por
arqueólogos, como mecanismos, engrenagens, astrolábios, velas de ignição dentro
de rochas pré-diluvianas e tantas outras, sejam resíduos do lixo humano levado
ao passado e sobrevivido à erosão do tempo, sem, contudo significar qualquer
informação que pudesse modificar o fluxo da civilização, o “phyllum tecnológico”
que viria a impossibilitar o seu despejo pelos viajantes-lixeiros. Recentemente,
com o avanço da tecnologia, as viagens ganharam grande impulso e já se cogitava
a possibilidade de se fazer contato com a civilização reptiliana, até o momento
uma hipótese, cada vez mais plausível, de que houvera existido uma fantástica civilização
de répteis inteligentes, conhecida como Civilização Siluriana. Tal civilização
teria existido há cerca de quatrocentos milhões de anos e as marcas fósseis de altíssimas
temperaturas globais em uma faixa de dois a três séculos, observada por
confiáveis índices geológicos, apontam para uma civilização de natureza
industrial, inclusive com a decorrente possibilidade desta civilização ter sido
extinta por algum cataclisma artificial, como guerras nucleares e outras formas
de superaquecimento. As viagens no tempo ainda não tinham tamanha autonomia,
mas a iminente catástrofe de Júpiter se converter um novo sol levou parte da
comunidade científica a especular a possibilidade da civilização migrar em peso
para um passado remoto, onde pudessem viver em absoluta interatividade física
com a natureza ao redor, sem “nós” no tecido evenemental. Em tese, isso era já
comprovado pelo fato de que, quanto mais os viajantes no tempo recuavam, mais
era possível fazer contato de segundo e até mesmo de terceiro grau com nossos
antepassados (os deuses da antiguidade e da mitologia não sendo outra coisa
além de visitantes do futuro tocando e até mesmo copulando com suas "enesimasvós",
como se lê no Antigo Testamento e em muitos outros registros históricos e
literários). Das acaloradas reuniões de cientistas e políticos – até mesmo os
cyborgs foram considerados em tais escrutínios sobre o destino da nossa civilização
– ficou decidido que uma parte da humanidade iria migrar para o passado remoto,
em uma faixa de tempo de cem milhões de anos, entre o fim da suposta
Civilização Siluriana ainda não comprovada e o surgimento dos primeiros primatas
inteligentes da pré-história, quando, enfim, segundo as simulações estocásticas
de vertiginoso processamento quântico, a “rede evenemental" começaria a bloquear
a plena corporeidade dos viajantes no espaço virginal. Outra parte seguiria
rumo ao exoplaneta Binguel, ao encontro da Arca Pandora que os precedia em
quatro anos de viagem interestelar. Uma terceira e secreta parte da humanidade,
na verdade a cúpula de uma sociedade obscura, profundamente elitista e
poderosa, não acreditando no sucesso de nenhuma das duas empreitadas, resolvera
agir de modo clandestino: enviar agentes ao passado recente para tentar sabotar
o desenvolvimento tecnológico nuclear que levara ao acidente de ignição do
planeta Júpiter. Esse tipo de energia revelou-se profundamente obsoleto em
menos de dois séculos, gerando energia facilmente substituível pelas
descobertas pósteras das ondas gravitacionais e sua anulação magnética, das singularidades
quânticas e, principalmente, do domínio tecnológico da matéria e da energia
escuras, abundantes no espaço. O plano era enviar agentes para a primeira
metade do século vinte, capazes de interromper os avanços da tecnologia nuclear,
sabotando as pesquisas de Enrico Fermi, Albert Einstein, Oppenheimer e “tutti-quantti”
envolvidos no desenvolvimento das bombas e usinas atômicas. Em seus
sofisticados computadores eles simulavam os procedimentos estocásticos e probabilísticos
de modulações minimalistas na “rede de eventos”, descobrindo pequenas
circunstâncias que, por não comprometerem muito o futuro, podiam ser retocado
por invasivas interferências: Eventos como Hiroshima, Nagasaki, Three Miles
Island, Chernobyl, Fukushima entre outros poderiam ser anulados sem modificar
muito o presente dos manipuladores, e mesmo que fossem sensíveis as consequências,
como o aborto de algum deles que deixaria de existir por conta de uma
circunstância modificada do passado, a salvação da Terra, com a inexistência de
tais artefatos em mãos de piratas incendiando Júpiter, valeria qualquer risco!
Para interferir nas pesquisas destes cientistas, eles usariam de agentes com
tecnologia suficiente para romper a “rede de eventos”: interferência em sono e
sonhos das cobaias através de ondas cerebrais, minúsculos incêndios em folhas
de papel com anotações, ruídos e todo tipo de perturbação, feito uma legião de
espíritos do mal que, invisíveis, do outro lado do espaço-tempo, se dedicassem
a interferir no progresso da ciência positiva e empírica daquela geração de
gênios prometeicos roubando o fogo nuclear dos deuses para alimentar os
senhores da guerra! Em três meses, toda a estratégia de êxodo do planeta estava
pronta: centenas de astronaves cruzavam os céus do planeta, com milhares de
tripulantes partindo para o espaço sideral rumo ao desconhecido, outros tantos,
em suas cápsulas temporais, partiriam para o passado remoto, girando em nuvens de
cintilantes cordas cósmicas até desaparecerem como em um passe de mágica. Na
sede da Sociedade Secreta Perry Rhodan, como eram chamados os manipuladores do
passado, centenas de vetustos sacerdotes observavam o planeta Júpiter e suas
turbulências atmosféricas, esperando que a grande mancha vermelha, feita de uma
reação nuclear em cadeia crescendo a cada mês, desaparecesse de uma única vez,
confirmando que o domínio tecnológico das bombas atômicas e nucleares viesse a
desaparecer do “solo epistêmico” da ciência hodierna, confirmando assim o êxito
dos agentes enviados ao passado na destruição daquela nefasta expertise
radioativa! Cansados de esperar e temendo que a missão no passado não viesse a
ser bem sucedida, os Perryrhodianos, como são conhecidos os membros desta
Sociedade, resolvem partir para o novo lar em Bingel e tomam as últimas
providências. Uma rede de satélites mundial desliga todos os cyborgs em
operação no planeta e nas colônias do Sistema Solar, exceto os
cyborgs-carcereiros da lua Ganimedes, onde funciona a Cósmica Colônia Penal
para todos e quaisquer tipo de prisioneiros, doravante entregues à própria
sorte. Como gesto de nostalgia e amor ao velho planeta natal, e na iniludível esperança
de que a combustão de Júpiter seja abortada, ou que um dia os que partiram para
o passado, ou eles próprios, futuros binguelianos, retornem ao berço azul
milagrosamente não-destruído, uma medida fora tomada. Um Cyborg de ultima
geração, Caliban-R03, foi programado para visitar em sua potente nave todos os
grandes monumentos do planeta e mantê-los limpos, livre de ervas daninhas e
sujeiras acumuladas. Nossa novela começa nesse ponto: o planeta Terra esvaziado
da sua população de migrantes para fora do Sistema Solar, precedida da Astronave
Pandora com seus milhares de animais adormecidos rumo ao desconhecido Binger; o
planeta Júpiter, consumido por uma reação em cadeia que já ocupa mais de 15% da
sua atmosfera, e tomando no céu o lugar proeminente em brilho que sempre fora
das estrelas D’Alva e Vésper (Vênus, nos dois casos), e parte da humanidade, os
mais nostálgicos ou temerários, desparecidos no rio do tempo, em suas
fantásticas máquinas antigravitacionais de deslocamento no tempo, rumo a infância geológica das prístinas eras do planeta Terra. Nesse cenário
voluptuoso de sublime solidão, o Cyborg (na verdade, um replicante humano cujas
funções cerebrais autônomas são ofuscadas por circuitos neurais artificiais a
manter eternamente sua alma adormecida) Caliban-R03 viaja solitário em sua
reluzente nave a vistoriar logradouros famosos: as Pirâmides do Egito, a torre
Eiffel, o Big-Ben, O Hermitage, o Cristo Redentor, o Taj-Mahal, as muralhas da
China e muitos outros lugares, sempre a aspergir jatos d’água e desinfetantes,
sondas de limpeza com ultra som e outras sofisticadas tecnologias dispostas em
sua nave. Paralelo a sua tediosa rotina, rompida por um encontro inusitado com
um cão abandonado que se infiltra em sua nave e que finda por despertar-lhe o
lado humano adormecido, vemos nesse caudaloso romance as cenas intercaladas dos
agentes enviados ao passado para atormentar a vida de Albert Einstein e seus
parceiros de pesquisa, na sôfrega esperança de abortarem o domínio da suja
tecnologia nuclear! Uma obra nem utópica nem distópica, onde predomina a impessoalidade
de uma máquina e um cão abandonado, vivendo aventuras singulares e ameaçados
por fantasmas do passado e do presente, na iminência de uma estelar catástrofe.
Mais detalhes nas próximas páginas. Aguardem!
SOBRE O PANO DE FUNDO DESCRITO ACIMA, PODEMOS INSERIR ESSE OUTRO EPISÓDIO:
SERIAL LOVE! OU UMA FLECHA NO CORAÇÃO DO TEMPO!
No ano da graça de Nosso Senhor de 2129, o cyborg Renier se apaixonou pela garçonete-robô da estação orbital Júpiter Huit, durante uma quarentena no local antes de voltar para a terra.
Para ela, no tédio da sua cabine onde se poderia ver as luas gigantescas de júpiter sob o fundo gasoso do planeta ocupando mais da metade do seu horizonte visual, ele escreveu um conto de amor que resumirei aqui, sem o estilo incompreensível e as metáforas bizarras de um sentimento digital, o que quer que venha a ser isso.
O conto era sobre um japonês agricultor submarino, no ano de 2081, que se apaixonou por Hiro Ozu, a prefeita da Cidade submersa de Akkiwaga. Mesmo usando o dia inteiro a máscara que lhe permitia respirar debaixo d’água – a ela e a todos os 85 mil moradores da grande fenda oceânica -, ela era linda e seus olhos pareciam brilhar mais do que os mil iridescentes tentáculos de peixes abissais que circulavam ao redor quando eles deslizavam juntos pela grande corrente, montados sobre um grande cachalote amestrado. Com medo de se declarar para ela, Oshygan, o japonês das algas mais deliciosas do planeta, escreveu para sua amada um curto romance que meu sofrível japonês só me permite descrever em linhas gerais: era um romance que se passava na primavera de 2039. Após participar da última batalha no deserto de Mojido, quando a última falange do Grande Califado fora extinta, o jovem israelita Ben Atalev foi hospitalizado para o implante de seu cérebro no corpo de um clone cultivado para casos extremos como o dele, quando grande parte do seu corpo fora danificado pelos ferimentos de guerra. Cuidou dele uma linda enfermeira libanesa, de nome Penina Gusmael. Às primeiras colheradas de sopa que ele recebeu na sua nova boca pelas mãos suaves e maternas da morena de damasceno hálito, Ben Atalev caiu de amores, e tão estranho é o amor na alma de um soldado que ele pensou, por muitos dias, que aquele sentimento era alguma coisa não resolvida e pertencente ao corpo do clone onde ele fora reimplantado. Quando, por fim, entendeu que a amava de verdade, com essa convicção inexplicável que é a certeza mais inabalável dos apaixonados, teve medo de se declarar. Resolveu então escrever para ela um conto de amor, algo que lhe parecia obsoleto e ultrapassado, mas que ele poderia atribuir ao atavismo do seu povo, que, para além dos corpos substituíveis, carregava a invenção da literatura na alma! Escreveu em um hebraico imutável a história do agiota e poeta nas horas vagas, Cassiano Ribeiro Santos, este que hora digita essas mal formatadas linhas.
Como meus predecessores nessa alinhavada trama, eu também me encontro apaixonado, sem, contudo, saber exatamente por quem. Vasculhei todo o meu perfil para ver quem seria a pernoca que estava monopolizando o meu coração: Suzette, Danny, Úrsula, Gerúsia, Belina, Helga.. Não sabia por quem. Foi quando tive a ideia de publicar esse rascunho na minha rede social para que a dona do meu coração se manifestasse, afinal, podemos esconder ao máximo uma paixão secreta por u’a mulher, mas ela sempre o saberá! Publiquei e tantas pessoas curtiram, tantas comentaram e compartilharam, tantas disseram serem elas a dona do meu coração que o texto viralizou, correu o planeta inteiro em dezenas de traduções imperfeitas e cinco milhões de likes. Tão intenso fora a impressão de ser verdadeiro e mágico esse meu sentimento que, ao ler o conto do soldado judeu onde o meu cibernético e pastoral amor estava registrado, a doce enfermeira libanesa, Penina Gusmael, não resistiu aos eflúvios apaixonados do autor. Onisciente como todo escritor, o Atalev sabia o nome e a intensidade de todas aquelas que me amam, descrevendo em seu conto os arrebatados dilaceramentos das fantasias amorosas. Foi inevitável o contágio, epidêmico que é o amor. Penina se entregou de corpo e alma ao Ben Atalev, tornando-se a carne da sua nova carne. Um amor tão nobre e ardente que, quando Hiro Ozu, a prefeita da cidade submarina, leu o romance onde toda essa romântica série era contada em riqueza de detalhes pela escrita suntuosa do agricultor Oshygan, não teve dúvidas de ter encontrado nele, em sua imaginação tão requintada, o amor da sua vida, e que ele poderia lhe salvar das águas profundas do esquecimento ao lhe retratar como personagem em um de seus futuros romances passionais.
Com um mesmo efusivo, inventado e verdadeiro amor ela o aceitou que, ao ser lida a cena do casamento dos dois apaixonados submersos, encheu-se de lágrimas as válvulas da garçonete-robô, suspirando no depósito de máquinas e decidida a, no outro dia, aceitar o convite do cyborg Renier para um passeio sideral até os anéis de saturno, logo ali perto, para neles celebrarem um amor que, sabia agora, estava escrito eternamente na órbita enlouquecida de todos os astros! E que todos os amantes do futuro, por essa flecha de cupido atirada no coração do tempo, possam lhes agradecer por terem anonimamente participado, com seus compartilhamentos e likes, desse episódio prenhe de auspiciosas fatalidades!
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No ano da graça de Nosso Senhor de 2129, o cyborg Renier se apaixonou pela garçonete-robô da estação orbital Júpiter Huit, durante uma quarentena no local antes de voltar para a terra.
Para ela, no tédio da sua cabine onde se poderia ver as luas gigantescas de júpiter sob o fundo gasoso do planeta ocupando mais da metade do seu horizonte visual, ele escreveu um conto de amor que resumirei aqui, sem o estilo incompreensível e as metáforas bizarras de um sentimento digital, o que quer que venha a ser isso.
O conto era sobre um japonês agricultor submarino, no ano de 2081, que se apaixonou por Hiro Ozu, a prefeita da Cidade submersa de Akkiwaga. Mesmo usando o dia inteiro a máscara que lhe permitia respirar debaixo d’água – a ela e a todos os 85 mil moradores da grande fenda oceânica -, ela era linda e seus olhos pareciam brilhar mais do que os mil iridescentes tentáculos de peixes abissais que circulavam ao redor quando eles deslizavam juntos pela grande corrente, montados sobre um grande cachalote amestrado. Com medo de se declarar para ela, Oshygan, o japonês das algas mais deliciosas do planeta, escreveu para sua amada um curto romance que meu sofrível japonês só me permite descrever em linhas gerais: era um romance que se passava na primavera de 2039. Após participar da última batalha no deserto de Mojido, quando a última falange do Grande Califado fora extinta, o jovem israelita Ben Atalev foi hospitalizado para o implante de seu cérebro no corpo de um clone cultivado para casos extremos como o dele, quando grande parte do seu corpo fora danificado pelos ferimentos de guerra. Cuidou dele uma linda enfermeira libanesa, de nome Penina Gusmael. Às primeiras colheradas de sopa que ele recebeu na sua nova boca pelas mãos suaves e maternas da morena de damasceno hálito, Ben Atalev caiu de amores, e tão estranho é o amor na alma de um soldado que ele pensou, por muitos dias, que aquele sentimento era alguma coisa não resolvida e pertencente ao corpo do clone onde ele fora reimplantado. Quando, por fim, entendeu que a amava de verdade, com essa convicção inexplicável que é a certeza mais inabalável dos apaixonados, teve medo de se declarar. Resolveu então escrever para ela um conto de amor, algo que lhe parecia obsoleto e ultrapassado, mas que ele poderia atribuir ao atavismo do seu povo, que, para além dos corpos substituíveis, carregava a invenção da literatura na alma! Escreveu em um hebraico imutável a história do agiota e poeta nas horas vagas, Cassiano Ribeiro Santos, este que hora digita essas mal formatadas linhas.
Como meus predecessores nessa alinhavada trama, eu também me encontro apaixonado, sem, contudo, saber exatamente por quem. Vasculhei todo o meu perfil para ver quem seria a pernoca que estava monopolizando o meu coração: Suzette, Danny, Úrsula, Gerúsia, Belina, Helga.. Não sabia por quem. Foi quando tive a ideia de publicar esse rascunho na minha rede social para que a dona do meu coração se manifestasse, afinal, podemos esconder ao máximo uma paixão secreta por u’a mulher, mas ela sempre o saberá! Publiquei e tantas pessoas curtiram, tantas comentaram e compartilharam, tantas disseram serem elas a dona do meu coração que o texto viralizou, correu o planeta inteiro em dezenas de traduções imperfeitas e cinco milhões de likes. Tão intenso fora a impressão de ser verdadeiro e mágico esse meu sentimento que, ao ler o conto do soldado judeu onde o meu cibernético e pastoral amor estava registrado, a doce enfermeira libanesa, Penina Gusmael, não resistiu aos eflúvios apaixonados do autor. Onisciente como todo escritor, o Atalev sabia o nome e a intensidade de todas aquelas que me amam, descrevendo em seu conto os arrebatados dilaceramentos das fantasias amorosas. Foi inevitável o contágio, epidêmico que é o amor. Penina se entregou de corpo e alma ao Ben Atalev, tornando-se a carne da sua nova carne. Um amor tão nobre e ardente que, quando Hiro Ozu, a prefeita da cidade submarina, leu o romance onde toda essa romântica série era contada em riqueza de detalhes pela escrita suntuosa do agricultor Oshygan, não teve dúvidas de ter encontrado nele, em sua imaginação tão requintada, o amor da sua vida, e que ele poderia lhe salvar das águas profundas do esquecimento ao lhe retratar como personagem em um de seus futuros romances passionais.
Com um mesmo efusivo, inventado e verdadeiro amor ela o aceitou que, ao ser lida a cena do casamento dos dois apaixonados submersos, encheu-se de lágrimas as válvulas da garçonete-robô, suspirando no depósito de máquinas e decidida a, no outro dia, aceitar o convite do cyborg Renier para um passeio sideral até os anéis de saturno, logo ali perto, para neles celebrarem um amor que, sabia agora, estava escrito eternamente na órbita enlouquecida de todos os astros! E que todos os amantes do futuro, por essa flecha de cupido atirada no coração do tempo, possam lhes agradecer por terem anonimamente participado, com seus compartilhamentos e likes, desse episódio prenhe de auspiciosas fatalidades!
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