O Maior acervo de Argumentos e Roteiros Cinematográficos em uma coletânea com centenas de peças de Alta Literatura. Um Clássico Autoral de Cassiano Ribeiro Santos Dumont
Um filme noir. Na pequena cidade de Vitória da Conquista, nas margens da Rodovia Federal BR-116 (Rio-Bahia) recém inaugurada, uma revolução cultural atinge um segmento sensível das suas camadas sociais: as esposas de ricos fazendeiros que, ao mesmo tempo que possuem poder aquisitivo e formação escolar para absorver os novos modismos, são também as que mais sofrem o constrangimento de uma moral agrária e medieval. Enfurnadas nas fazendas de seu esposos a cuidarem da família e do lar, a contradição de valores nelas faz ninho e germina em seus corações uma síntese dialética macabra: O SUICÍDIO, A LIBERDADE PELA NEGAÇÃO ABSOLUTA DA LIBERDADE! Com suas letras cursivas de colégios de padres, elas escrevem lacrimosas cartas descrevendo suas agruras, sua infelicidade e sonhos proibidos ao se despedirem da vida. Nestas cartas, o grande culpado é sempre o marido opressor e brutal. As cartas são explicitamente copiadas e fica patente o seu efeito epidêmico, o mórbido contágio da desilusão e da melancolia. Mimeógrafos escolares reproduzem as cartas clandestinas que o povo perverso cuida de espalhar. O assistente do Delegado da Cidade cria uma rifa (Raid das moças), uma cartela com o nome de várias mulheres das famílias mais tradicionais e vende os bilhetes. Quem acertar o nome da próxima suicida, papa o prêmio! O inusitado conflito de "choque cultural" apanha a todos perplexos e sem recursos para enfrentar o problema. A S.M.O. Sociedade dos Maridos Opressores se divide. Uma parte decide aliviar o controle marital e franquear pequenas liberdades a suas cônjuges, levando-as ao cinema e comprando-lhes roupas fashions; mas a maioria prefere recrudescer e apertar mais ainda o torniquete da moral agrária, pondo moleques para vigiar suas esposas e cortando ao máximo o acesso ao rádio e revistas de moda. No auge da epidemia, já com cinco suicídios seriais, e expectativa de outros iminentes, o Delegado é pressionado para por um fim no problema e começa sua dramática perquirição, sem métodos nem precedentes, para lidar com tão sutil ameaça, um inefável vapor da morte mercurial cobrindo a cidade nebulosa em longas cenas madrigais de neblina e "gererê". Por essa neblina trafega os mais tradicionais e exóticos tipos de uma cidade do interior: beatas, comerciantes, professoras e seus alunatos, padre, doutor e delegado... Além de tipos singulares de decisiva participação na trama, como um jornalista socialista, um hermafrodita curandeiro e uma misteriosa maçonaria plena de métodos escabrosos e secretos. Historias paralelas e menores vão se desenvolvendo para consolidar a personalidade dos protagonistas e a coalescência do universo cênico. São como arcos menores, as aventuras picarescas da rifa, das cartas clandestinas e dos larápios capturados pelo delegado, que, feito os arcobotantes de uma catedral, sustentam e anunciam o arco maior, o desfecho da tragicomédia em forma de um estratagema capcioso: o Delegado ameaça com um decreto oficial expor ao vexame público o corpo das próximas e quaisquer suicidas que doravante "baterem a caçuleta" na cidade ou na sua zona rural. O corpo da morta será exposto, nua, nos postes da praça central e lá ficando até apodrecer e ser comido pelos abutres. VITÓRIA DO PUDOR E DA MORAL! Nunca mais nenhuma senhorinha oprimida voltou a se matar pelas bandas de Vitória da Conquista, embora motivos, talvez, não viesse a lhes faltar!
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Um filme noir. Na pequena cidade de Vitória da Conquista, nas margens da Rodovia Federal BR-116 (Rio-Bahia) recém inaugurada, uma revolução cultural atinge um segmento sensível das suas camadas sociais: as esposas de ricos fazendeiros que, ao mesmo tempo que possuem poder aquisitivo e formação escolar para absorver os novos modismos, são também as que mais sofrem o constrangimento de uma moral agrária e medieval. Enfurnadas nas fazendas de seu esposos a cuidarem da família e do lar, a contradição de valores nelas faz ninho e germina em seus corações uma síntese dialética macabra: O SUICÍDIO, A LIBERDADE PELA NEGAÇÃO ABSOLUTA DA LIBERDADE! Com suas letras cursivas de colégios de padres, elas escrevem lacrimosas cartas descrevendo suas agruras, sua infelicidade e sonhos proibidos ao se despedirem da vida. Nestas cartas, o grande culpado é sempre o marido opressor e brutal. As cartas são explicitamente copiadas e fica patente o seu efeito epidêmico, o mórbido contágio da desilusão e da melancolia. Mimeógrafos escolares reproduzem as cartas clandestinas que o povo perverso cuida de espalhar. O assistente do Delegado da Cidade cria uma rifa (Raid das moças), uma cartela com o nome de várias mulheres das famílias mais tradicionais e vende os bilhetes. Quem acertar o nome da próxima suicida, papa o prêmio! O inusitado conflito de "choque cultural" apanha a todos perplexos e sem recursos para enfrentar o problema. A S.M.O. Sociedade dos Maridos Opressores se divide. Uma parte decide aliviar o controle marital e franquear pequenas liberdades a suas cônjuges, levando-as ao cinema e comprando-lhes roupas fashions; mas a maioria prefere recrudescer e apertar mais ainda o torniquete da moral agrária, pondo moleques para vigiar suas esposas e cortando ao máximo o acesso ao rádio e revistas de moda. No auge da epidemia, já com cinco suicídios seriais, e expectativa de outros iminentes, o Delegado é pressionado para por um fim no problema e começa sua dramática perquirição, sem métodos nem precedentes, para lidar com tão sutil ameaça, um inefável vapor da morte mercurial cobrindo a cidade nebulosa em longas cenas madrigais de neblina e "gererê". Por essa neblina trafega os mais tradicionais e exóticos tipos de uma cidade do interior: beatas, comerciantes, professoras e seus alunatos, padre, doutor e delegado... Além de tipos singulares de decisiva participação na trama, como um jornalista socialista, um hermafrodita curandeiro e uma misteriosa maçonaria plena de métodos escabrosos e secretos. Historias paralelas e menores vão se desenvolvendo para consolidar a personalidade dos protagonistas e a coalescência do universo cênico. São como arcos menores, as aventuras picarescas da rifa, das cartas clandestinas e dos larápios capturados pelo delegado, que, feito os arcobotantes de uma catedral, sustentam e anunciam o arco maior, o desfecho da tragicomédia em forma de um estratagema capcioso: o Delegado ameaça com um decreto oficial expor ao vexame público o corpo das próximas e quaisquer suicidas que doravante "baterem a caçuleta" na cidade ou na sua zona rural. O corpo da morta será exposto, nua, nos postes da praça central e lá ficando até apodrecer e ser comido pelos abutres. VITÓRIA DO PUDOR E DA MORAL! Nunca mais nenhuma senhorinha oprimida voltou a se matar pelas bandas de Vitória da Conquista, embora motivos, talvez, não viesse a lhes faltar!
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