H. Poincaré observava com muita acurácia que nenhuma ciência pode nascer sem uma grande força de generalização e abstração, como um lençol liso e de uma só cor a cobrir uma gama ilimitada de fenômenos ou corpos semelhantes. Neste sentido, quanto mais sofisticados forem nossos instrumentos de medição e aferição, mais seremos capazes de separar os objetos da ciência em categorias distintas e mais difícil será construir uma ciência nova. A física quântica e a cosmologia atual, em seus repertórios cada vez mais complexos de referências, são provas cabais de que a ciência chegou ao seu limite. É curioso como foi a própria ciência que, obcecada com o crivo da validação empírica e em flertes quase orgíacos com a invencionice, perfurou o próprio tecido da universalidade postulada. Agora só nos restará a técnica, a capacidade de explorar inumeráveis campos da realidade, sem possuir sobre eles uma narrativa compreensível. Já temos provas, pelo menos nas grandes distopias e space-óperas da ficção científica, de que o phyllum tecnológico de uma raça pode atingir níveis assombrosos sem que isto seja acompanhado de uma grande sabedoria unificadora, de uma auréola civilizacional, com arte, valores e cultura ansilar. No máximo, esse escólio de grandes e holísticas narrativas, entre as quais a ciência desfila como a imperatriz do pensamento, aparecerá futuramente como penduricalho e contrabando, resíduos sentimentais e nostálgicos cultuados por aqueles que, alienados do efeito embriagador das novas tecnologias, suspiram pela mítica e perdida humanidade de outrora. Talvez o Brasil, que nunca conseguiu ser verdadeiramente uma civilização tecnológica, venha a ser em breve um imenso museu vivo da humanidade ultrapassada, sobrevoada por mirabolantes artefactos de silício pensantes e híbridos geneticamente modificados do primeiro mundo. Seremos para o resto do planeta uma espécie de Arcádia com laivos de religiosidade, artes e ciências humanas de mais nenhuma utilidade! Quando Aldous Huxley concebeu o seu Brave New World, onde um clone humano foge para além dos muros da civilização e se embrenha entre os selvagens remanescentes do planeta, lendo e clamando páginas de William Shakespeare ( Brave New World é um verso de uma peça shakespereana), ele bem que poderia estar reverberando no passado essa minha centúria melodramática!
Se o princípio de Incerteza, que vigora na
episteme da física quântica, interditando qualquer conhecimento exato e
absoluto no âmbito da física de partículas, valesse para todos os campos do
conhecimento e fosse conhecido desde a aurora dos tempos, a história da
filosofia seria muito diferente do que foi. Descartes não levaria adiante sua
vasta obra científica, se limitando a um cogito lasso do tipo: "não sei se
penso, logo não sei se existo"! Sócrates desdenharia do conhecimento ao
afirmar: "nem sei se nada sei!" e Rousseau, já desconfiado por
natureza, não seria tão categórico em afirmar que esta seria boa em si mesma.
Apenas Georges Berkeley se daria bem com esse discernimento. Seu cogito,
"Ser é ser percebido", seria então formulado assim: "Ser é ter a
sensação de que estamos sendo percebidos", o que realçaria sobremaneira os
tons paranoicos do suspense berkeleyano.
Os ateus acreditam que esse universo em que
vivemos surgiu "do nada", por acaso; entretanto, não aceitam que
outro universo, distinto deste, onde Deus e seus anjos possam estar, venha a
existir sem uma forte, convincente e evidente razão! Não conseguem perceber que
esse mesmo universo onde vivemos, não tendo uma causa originária, seria
justamente a prova de que outros, infinitos outros tão aleatórios e casuais
como este, possam pipocar por aí! É exatamente para anular essa inflação e
profusão de universos paralelos que afirmamos apenas a existência de dois: este
em que vivemos e o outro, causa deste, para
onde iremos após a morte. Que a navalha de O'ckham se encarregue dos excessos!
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