SANTA SELMA DO CU DOCE
É no começo da sua vida
sexual, por conta da imaturidade psicológica, e não no final, acredito, que o
homem mais sofre com a impotência. Confesso, não sem certo constrangimento, ter
sido um dos rapazes mais brochas do sudoeste baiano. Digo isso ao folhear agora
uma caixa de fotografias antigas e deparar-me com uma foto minha ao lado de
Selma Sampaio, em trajes de banho, na beira do Rio Pardo. Ela morava em
Conquista e, na primeira noite em que fomos para a cama, eu, diante daquele
mulherão fabuloso, nua e me esperando sobre os lençóis, eu antevi duas
tragédias: brochada ou ejaculação precoce. Brô ou Jacu. Deu brô! Meu pinto
ficou do tamanho de um amendoim. Ensaiei uma saída honrosa e coloquei a culpa
nela dizendo:
_ Tá vendo aí o que você me fez? Ou melhor... O que
você não me fez?
Acho que ela não gostou do meu chauvinismo e, como
vingança, espalhou na cidade que eu havia brochado com ela. Eu estava em
Itambé, a 60 Kms de Vitória da Conquista, quando soube da sua perfídia. Fiquei
furioso. Era noite e não havia mais ônibus para Conquista, exceto um
ônibus-leito com destino a Salvador. Implorei ao motorista que ele me desse uma
carona, pois minha tia Renilda havia caído sobre uma pedra e lascado a buceta
ou outra emotiva mentira qualquer que agora não me lembro, e vim ao seu lado,
enquanto os passageiros, nem esperavam a subida da Ladeira do Marçal para
começarem a roncar feito porcos dentro do carro. Saltei na Rodoviária, apanhei
um táxi e fui direto para a casa de Selma Sampaio. Bati na porta com força.
_ Quem é? A essa hora?
_ Seu macho!
Ela abriu a porta hesitante. Usava um diáfano peignoir
e uma estola de veludo azul, como no filme de David Lynch. Empurrei-lhe até o quarto, joguei-a sobre a
cama e comecei a fazer com ela o que os românticos jumentos fazem com as
jumentas devassas. Quase no final, já espumando dentro dela o suco do meu saco,
lavando o meu pincel, eu lhe disse meio que zurrando:
_ Isso é para você nunca mais falar na cidade que eu
sou broxa!
_ Nunca mais, amor! Doravante vou dizer que você é o
maior macho da Bahia!
Eu me empolguei ao ouvir aquilo e tentei a famosa “dar duas sem tirar de dentro”... BROCHEI de
novo! Desta vez, ela fora mais tolerante e compassiva. Abraçou-me
carinhosamente e me disse toda derretida:
_ Tudo bem, querido! Fique tranquilo que desta vez eu
não conto pra ninguém!
Uma santa, a Selma Sampaio!
REVISITANDO
SELMA SAMPAIO!
..
Feitas as pazes entre nós, resolvi levar a Selminha para morar comigo em Itambé
e aluguei para ela um sobrado antigo, quase mesmo mal-assombrado, em frente a
um clube e boate chamado Itambezinho! Ali passamos dois lindos meses de amor,
quase que trancados dentro de casa, saindo muito pouco, pois a vizinhança era implacável
e não perdoava esse tipo de comportamento. Entretanto, as férias terminaram e
eu tive que voltar para concluir o último ano em um colégio na cidade onde a
conheci: Vitória da Conquista. Selma ficou por lá, sofrendo com saudades minhas
que só retornava nos fins-de-semana e de uma tia dela, muito querida, que se
encontrava muito doente em um hospital de São Paulo. Fragilizada, vivendo com
um amante que quase nada podia lhe oferecer, Selminha acabou cedendo às investidas
de um rico fazendeiro local, Ricca Ferraz, homem de um nariz monstruoso e uma
fortuna maior ainda. De segunda à sexta-feira ele estacionava a sua reluzente
pick-up de faróis baixos e um par de chifres de touro fixo no para-choque,
feito os carros de cowboys texanos que ele via no Cine Fox, o único cinema da
cidade. Galante e mimado, ele não media esforços em conquistar o coração de
minha amante com todo tipo de promessas e fantasias mirabolantes. Selma só
falava da sua tia doente em São Paulo e do seu sonho em ir visitá-la. No
desespero e na solidão, diante de um pretendente rico e apaixonado, ela perdeu
os limites do pudor e insinuou que, se pudesse ir primeiro ver sua querida à
porta da morte, certamente, na volta, me abandonaria e cederia a ele os
segredos e as delícias do seu místico calamengau! Como se pudesse ver sua própria
tia encarnada no corpo do vaqueiro milionário a sua frente, ela se ajoelhou
dentro da pick-up e suplicou para que ele fosse com ela, juntos em lua-de-mel
para a capital paulista. Sem poder fazer tal viagem tão longa (era casado, o
sacripanta), Ricca Ferraz acreditou que ela também o amava, e resolveu financiar
a viagem dela, lhe entregando no outro dia um pacote volumoso de dinheiro,
suficiente para ela ir a São Paulo, Rio de Janeiro, tomar um banho-de-loja e
voltar toda serelepe para os braços do jocoso rufião! Evidente que ela não
fizera tudo isso sem me por à parte de todos os detalhes. E o fez em uma
sincera e lacrimejante carta, jurando que não me traíra com o playboy rural,
mas que estava disposta a cumprir sua palavra empenhada a tão distinto
cavaleiro. O resto da carta ela passou tentando me convencer a aceitar um
rápido romance com ele e jurando voltar pra mim, logo em seguida, o novinho que
ela amava! Em outras palavras, ela me persuadia e ser um corno manso, me prometendo
para depois tantas delícias que, juro, balancei as ideias e passei as semanas
seguintes refletindo o que iria de fato fazer, caso ela voltasse de São Paulo
(Nunca voltou! Casou-se por lá com um português bigodudo e teve com ele cinco
filhos). Não se passaram duas semanas após Selma ter partido, que encontrei o playboy
rural em uma mesa de bar, tomando cerveja e jogando sinuca, jogo para o qual
fui convidado a participar. Com os ânimos já acirrados entre nós, pela disputa
da mulher cuja viagem prolongada e promessas de amor eterno avivaram as
labaredas do amor no coração de Ricca Ferraz, foi inevitável que rolasse uma
discussão entre mim e ele. Principalmente por conta das minhas indiretas
vingativas. Sabendo que ele o assediara sofregamente, e que parecia estar muito
apaixonado, eu passei o jogo todo contando detalhes picantes da mulher que, tão
orgulhosamente, aos dezessete anos, eu trouxera de fora para morar comigo! QUE
MULHERÃO! MADEIREI A NÊGA! LASQUEI O CABO DA MANIVELA! ENTERREI ATÉ O SACO e
outras obscenidades que, entre homens rudes e machistas do interior baiano,
soam como refrãos em homilias de velhas beatas. Eu espezinhava o touro branco
que bufava ao lado da mesa de sinuca segurando o taco de forma ameaçadora. Louco de ciúmes, mesmo nunca a tendo possuído (os
grandes ciumentos ciúmam muito mais do passado de suas amadas do que do
presente), diante de um condenado a ser traído, como eu o era então, Ricca
Ferraz perdeu o controle e gritou pra mim:
_ Ora, Cassiano! Menos! Para com
isso! Quer saber de uma coisa? EU COMI SUA MULHER, PORRA! COMI E VOU VOLTAR A
COMER QUANDO ELA VOLTAR DE SÃO PAULO!
Sua sordidez, revelada não apenas
no gesto de difamar a garota que não havia ainda cedido às suas investidas, mas
também no motivo infame de fazê-lo apenas para exaltar seu ego de homem mimado
e infantil, foi o pretexto para eu dar a estocada final no touro bundão. Segurando um molho de chaves, um canivete e
um maço de cigarros, entre algumas notas de pouco valor, simulei estar
manuseando uma grande soma de dinheiro, e lhe respondi:
_ COMEU MESMO? SERÁ QUE VOCÊ NÃO
CAIU EM UM GOLPE? SEU DINHEIRO ESTÁ AQUI, OTÁRIO – e, ao dizer assim, batia no
bolo de coisas no bolso -. Selma não viajou porra nenhuma, sequer tem qualquer
tia em São Paulo. Está me esperando em Vitória da Conquista para começarmos a
farra com seus 17 mil e oitocentos Cruzeiros novos. Ter dito a soma exata do
dinheiro que ele usou para comprar minha amante, foi um baque que ele sentiu e
começou a acreditar que eu não estava blefando. O golpe de misericórdia foi
quando eu retirei uma nota amassada do bolso e a joguei sore a mesa de sinuca,
lhe dizendo:
Faça de conta que você perdeu a
partida e pague a ficha com seu próprio dinheiro! O troco... Tome umas cachaças
para aprender a não se apaixonar por mulher vagabunda!
Partiu-me o coração ter dito aquilo
da Selminha, mas, pressentindo acertadamente que ela nunca mais voltaria, caí
na tentação de dar uma lição naquele sujeito que, tão semelhante a mim na
vaidade e na arrogância, me enchera de aversão, esta mesma aversão que sentimos
sempre que vemos alguém possuir os nossos próprios defeitos que sonhamos
mantê-los escondidos de si mesmo e de todos. Contei esse episódio picaresco só
para alertar aqueles que vivem me elogiando pelos cantos, que não sou nenhuma
flor que se cheire. Sou um grande cafajeste e trânsfuga de puteiros. Um cafetão
em estado de perpétua e difusa paixão pela mãe de quem hora lê os meus textos!
A Toute a l’heure, mons enfants!
Apêndice: OS RECLAMES DE UM FUDERASTA –
Certa feita, Mizinho Berlota foi fretado para uma viagem ao santuário de Bom Jesus da Lapa, no Sertão baiano, levando na carroceria doze eufóricas beatas, provectas e desdentadas, a salmodiar pelas empoeiradas estradas. No segundo dia de viagem, já perto do sagrado destino, um acidente escabroso sói acontecer: Mizinho guiava por uma larga e longa curva, em considerável velocidade. As doze idosas, pressentindo a proximidade do santuário, viajavam em pé, seguras em uma barra de ferro improvisada ao longo da capota. Cantavam seus hinos religiosos sem obedecer aos conselhos dados pelo simplório caminhoneiro – Será que o motorista pagão não via as asas que a fé lhes dava? - A certo momento da curva, despontou-se na frente do carro um longo galho de uma árvore a cruzar a meia altura toda a extensão da pista. A estrada era arenosa; se ele freasse, o risco de tombar era enorme! Sua mente em pânico calculou e concluiu que a altura era suficiente – a conta exata, pra sermos mais precisos – da Pick-up passar por baixo do galho. Para prevenir suas passageiras, Mizinho colocou a cabeça para fora da janela e gritou bem alto:
_ Ó O PAU! Ó O PAU! Ó O PAU! Ó O PAU!
Em seguida, confiante, enfiou o carro em baixo do galho de jatobá!!! Não foi feliz seu estratagema. O galho apanhou as doze velhinhas pelo pescoço e espádua, lançando-as fora a metros de distância, feito um straight de boliche com doze vítimas fatais. É que, ao ouvir os gritos de Ó O PAU! Ó O PAU!... As velhinhas, ao invés de abaixarem a cabeça... FECHARAM AS PERNAS!
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