Centro de Itambé-Ba, CINE FOX (Prédio amarelo e azul) - Foto Hugo Camisão |
CLUBE SOCIAL: No carnaval de Itambé as pessoas brincavam no salão do clube girando em voltas ao som de uma orquestra de sopros. Eu estava bem abaixo da orquestra e o som era tremendamente alto. Uma amiga minha passou e me ofereceu uma coxinha de galinha para que eu mordesse um pedaço. Eu mordi. Antigamente as coxinhas eram literais, feitas com a coxa mesmo da galinha e você segurava nelas ao comer. Quando senti algo duro dentro da coxinha pensei ser o osso e decidi: vou lascar um pedaço e levar junto na bocada. Cravei os dentes. Minha amiga gesticulava feita louca mais eu nada ouvia e pensava que ela estava cantando. foi quando senti o soco da sua outra mão no meu rosto... Eu havia mordido o dedo dela e estava quase partindo-o no dente... Nem lembro mais se o sangue na minha boca era do seu dedo ou do soco que levei nas fuças!
CINE FOX: Nos fins de semana, eu trabalhava como porteiro do único cinema de minha cidade. Isso me rendia, além de alguns trocados, um passe para ver todos os filmes da semana. Minhas recordações deste breve período, dos filmes incluídos, se reduz a cenas de marcante violência. Havia na cidade um mecânico de nome Aristides (ali, para compensar a infâmia de uma vida inglória, os homens simples possuíam nomes de heróis gregos e romanos: Leônidas, Horácio, Heitor, Leandro...) que passava a semana inteira trabalhando em sua humilde oficina. Aos domingos, após limpar a graxa do corpo com sabão e solvente, vestia sua melhor roupa e, com a esposa e cinco filhos unidos no mesmo perfume, desfilava garboso em direção ao cinema. Hemingway dizia que poucos homens tem estilo, já vira cães com mais estilo que muitos homens, e poucos cães tem estilo; pois ali estava um cachorrão estiloso! Aristides comprava os ingressos e com um palito nos dentes, ao lado da borboleta, ia introduzindo os filhos em fila indiana; sua esposa, muito gorda para entrar de frente, fingia olhar os cartazes laterais e entrava de lado. Finalmente entrava Aristides. Entregava-me peremptório os sete bilhetes, fitava-me nos olhos e dizia:
_ Se dentro de cinco minutos não tiver cacete, vou embora e quero meu dinheiro de volta! - Cacete era cenas de violência, de socos e pancadaria. Com o fim do cinema spaghetti e antes do gênero kung-fu dominar a sede por filmes de ação, passávamos naquela época por uma crise de violência e o cinema foi invadido por filmes românticos: Al Di Lá, O Candelabro Italiano, Love Story.... e outros melodramas. Cinco minutos depois, conforme previsto e prometido, saíam os filhos contrariados, a esposa desapontada e Aristides com tanta fúria nos olhos que eu tremia de medo. A ameaça de violência que ele representava é uma das poucas lembranças indeléveis que guardo desse período. De certo modo, a violência fora-me relevante e posso entender a importância que ela tinha no imaginário e na vida pachorrenta de Aristides!
CAMPO DE FUTEBOL: Em meados dos anos Setenta, o país viveu uma febre de alimentação natural e de vitaminas que se espalhou como epidemia pelas pequenas cidades do interior. De um dia para o outro a culinária mudou e as massas, os cozidos e os assados foram trocados por enormes bandejas de acelgas, rúculas, espinafre e agrião, tudo salpicado com bastante salsa, cebolinha e cheiro-verde. Todos comiam com um venerável entusiasmo (se rabo os tivessem, os abanariam como vacas no pasto, pensava eu ao contemplar a ruminação de meus familiares – os bons-bocados são diferentes, você só move a faringe, ao degluti-los). Eu teimava em não participar das refeições alegando que o verdureiro as cultivava ao lado do campo de futebol onde a bola enlameada caía, onde os reservas treinavam e onde o roupeiro estendia as meias mal-lavadas. É claro que não acreditavam em mim e forçavam-me a engulir os bolos de mato que deixavam-me com ânsias de vômito por boa parte das tardes. Um dia, voltando do colégio, encontrei na rua um pino de chuteira, gasto, encardido e com lama ressequida. Oh! Idade das idéias geniais! Durante o almoço, escondi o pino no fundo de uma travessa com salada de tomate e alface e esperei. Minha irmã mais nova teve a sorte de encontrá-lo. Sua mão tremia ao segurar o pino entre os dedos esguios (ela estava emagrecendo à olhos vistos de tanto comer mato). Seus olhos de coruja pareciam perscrutar um disco voador em miniatura. Aproveitei o momento para minha intervenção ensaiada. Os jogadores de futebol da cidade, após o jogo, iam tomar cerveja nos bares da praça, sem tomar banho e eram famosos pelo mau-cheiro que exalavam. Vomitei sobre a mesa um vômito verde e vitaminado, sentenciando enfático:
_ É O PINO DA CHUTEIRA DE MANEZIN BATATA! – referindo-me ao bancário Manuel Macaxeira, o artilheiro do time e que se destacava pelo cheiro do suor nauseabundo e acre! Todos deram um salto para trás. O meu pai, que tinha mania de limpeza (lavava as mãos trinta vezes por dia, ou mais), revogou os costumes e voltamos, graças ao futebol, ao tempo dos bifes com batatas!
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