domingo, 6 de setembro de 2015

AGOSTO, MÊS DO DESGOSTO!


Fora em agosto, no ano em que eu tinha, assombrosamente, 16 anos e, o mundo era revestido por aquela pátina dourada de fervor e intensidades que as dores do mundo sabem bem polir. Meu primeiro amor era uma colegial da minha sala de aula que, tenho certeza, Deus guardou nos meandros dos passado, intacta, para um dia me devolver e me fazer de novo feliz, embora eu, de fato, não o fosse quando frequentei seus bancos escolares. Ela não me queria. Amava outro e, pasmem, esse amor por outro era, em grande parte culpa minha. Seu namorado, de nome nada romântico Airson Boizão, uma tarde no recreio, sabendo que eu tinha o vício incurável de escrever e rabiscar páginas e páginas com empoladas asneiras e versos imperfeitos, me procurou e me fizera uma sórdida proposta: Me emprestaria sua coleção de rock progressivo, Emerson Lake and Palmer, Rick Wakeman, Vangelis, seus fabulosos álbuns em vinil, se eu escrevesse cartas de amor para Luana, a garota que amávamos furiosamente - embora ele não soubesse do meu amor secreto - como se fosse ele o autor, o poeta inspirado!
Minha segunda paixão era a música e nessa época eu não acreditava que palavras pudessem conquistar o coração de alguém. No que me enganei completamente. Topei o acordo, por uma espécie de masoquismo juvenil, penso assim, e pus todo o amor que eu tinha por Luana nas cartas eloquentes, úberes de elogios sofisticados, belas como sói belas as promessas de felicidade!
Não é que funcionou? Em poucas semanas, após doze, 15 cartas, eis que meu amigo Ayrson Boizão me aparece glorioso nos corredores da escola de mãos dadas com Luana, seu troféu por mim conquistado! Quis morrer! Odiei o rock progressivo, odiei minha estupidez, odiei não ser capaz de odiar tanto quanto eu queria! Jurei vingança e esperei o momento certo. Durante os fins de semana, nós, a juventude da pequena cidade de Itambé, frequentávamos os bailes de boates e inferninhos que medravam por lá, e não sei onde eu encontrava forças para ir aos bailes ver o suntuoso e rude poltrão dançar a noite toda com minha Luana amada as canções que, então assim acreditava, foram compostas exclusivamente para eu e ela, como pensa todos os apaixonados! Vê-los dançar as músicas mais esfuziantes e agitadas, soltos pelo salão, ainda dava para suportar, pois eu dançava também na mesma roda aberta de amigos e, por alguns segundos, de frente para ela me contorcendo nos passos de um yê-yê-yê, podia me iludir e achar que dançávamos juntos, mas quando tocava as baladas lentas, e Ayrson Boizão agarrava minha amada, meu coração se apertava e eu detonada longos copos de bacardi com coca-cola, querendo mesmo me embriagar. Uma noite destas, após dançar, e beijá-la como se Luana fosse um seu exclusivo e incompartilhável pedaço de queijo coalho mágico, Boizão se retirou para levá-la em casa. As moças de família não viravam a madrugada nas boates. Após deixá-la em casa, ele retornou à festa, sentou em nossa mesa a beber com os amigos e, empolgado, começou a apertar uma sirigaita mais disponível, mais fácil, daquelas mesmas que eu tentava, sem sucesso, conquistar para esquecer a namoradinha do babaca!
Quando vi ele nos braços da piriguete ( o nome era outro na época) e a expectativa de que ele iria levá-la para os fundos de uma rua escura e "pinçar a coquette", veio-me a ideia, embriagada de amor e álcool, de denunciar o cafajeste. Me dirigi até a casa de Luana, bêbado como Romeu (me lembro da lua cinematográfica guiando meus passos) e bati atrevidamente na sua janela. Na terceira tentativa, ela acendeu a luz e perguntou quem era. Tomei coragem e me identifiquei. Sem abrir a janela, ela me perguntou o que era. Se fosse uma ridícula serenata como era costume naquela época, ela não abriria e chamaria a polícia, fora logo me avisando. Disse que não era serenata nenhuma. Era uma notícia a lhe dar. ela abriu a janela e eu vi sua pele branca, em camisola de dormir, os cabelos soltos e descobri de onde a lua emprestava a beleza e a luz que espalhava pelo céu vagabundo dos apaixonados. Minha voz tremia de emoção. Cheguei a pensar em me declarar. Em sequestrá-la de camisola e tudo e fugir com ela raptada, ou mesmo pular a janela e me enfiar dentro de suas cobertas adoradas! Mas fiz o que tinha ido fazer. Lhe contei que seu namorado estava naquele exato instante, debaixo da ponte do Rio Pardo, trepando com uma ordinária de Jequié, que ele havia seduzido enchendo-a de cuba libre e conhaque! Poderia levá-la até o local para ela mesmo testemunhar! Imediatamente Luana percebeu minha intensão e a perfídia do meu comportamento, traindo um amigo para depois vir lhe consolar e tentar ocupar o lugar dele no seu coração. Para meu espanto - e para o seus, caros leitores - ela não agiu como se esperava de uma mulher. Simplesmente me disse, olhando nos meus olhos com a frieza que jamais irei esquecer, que preferiria mil vezes dividir seu namorado com uma lambisgoia, ou duas até, do que namorar com um babaca como eu! Eu não havia lhe dito nada! Não havia me declarado! Mas não fora preciso. Tinha, além da beleza, uma imensa perspicácia. Bateu a porta da janela sem sequer me dar boa noite. Como ela ousara insinuar que eu era um apaixonado, tomei coragem e contei logo tudo:
_As cartas! As cartas que ele lhe escreveu foram escritas por mim! É meu o amor que elas confessam. São meus sentimentos que estão aí guardados! - Eu quase chorava! Ela pediu que eu esperasse um pouco. Meu coração congelou ante as sublimes possibilidades que ainda hoje temo formular tamanha a ansiedade do amor nessa idade! Ela então, pôs a mão pela vidraça menor e jogou sobre mim um maço de cartas amarradas dizendo-me:
_Leve isso! Namoro com Boizão por outras qualidades, e não por essas cartas afetadas de viado! Sempre desconfiei que não foram escritas por ele! Boa noite!
Exatamente essas palavras que ainda hoje torturam-me a alma. Era noite de lua intensa. Era agosto. Duas hecceidades, dois eventos que ainda hoje me fazem sofrer e temer amar de novo com a mesma inocência e intensidade!

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