domingo, 6 de setembro de 2015

Nos Verdes Campos Do Meu Lar


   Foi em uma noite de inverno que o Anjo apanhou-me pelos ombros e levou-me sobre as nuvens azuis, até uma longa e desolada planície que parecia não ter fim. Do alto que estava pude ver uma enorme quantidade de homens espalhados, ceifando os talos da monótona vegetação – trigo, me pareceu – a dominar toda a visível extensão. Formavam feixes cada vez maiores e corriam desvairados sempre em busca de mais talos para ceifar. Um vagaroso raio dourado de sol no horizonte indicava um fim de tarde cuja noite não demoraria a devorá-lo. Alguns homens, a maioria deles, começavam a perder os talos colhidos, no afã de colher outros. Vi alguns já esgotados, cuidando de construir com eles um abrigo para lhes proteger do frio inclemente que soprava do lado escuro, da noite fria que se aproximava. Estavam todos construindo seus abrigos quando a noite súbita desabou.

 Uns começaram a construir muito cedo, dispondo de pouco capim e tiritavam de frio dentro de seus finos casulos, Outros, colhendo mais do que podiam carregar, começaram a construir muito tarde e foram colhidos pelo ar gelado antes de estarem prontos seus abrigos; e muitos ainda, perdendo mais pelo caminho do que conseguiam juntar, movidos pela ânsia e desespero, descobriram não ter material suficiente para construir. Raro eram aqueles que juntaram a quantidade suficiente e souberam a tempo construir o abrigo de suas almas.

 O Anjo do Senhor então me explicou aquela visão. Os ramos ceifados eram a experiência que colhemos na vida. Ela nos servirá como estofo da sabedoria a nos abrigar contra as intempéries da velhice, e fornecer o calor que encontramos na recordação dos momentos mágicos que vivemos. Muitos de nós, na ânsia de viver cada vez mais, vamos deixando esquecidas na memória tudo que vivemos, sem refletir, sem saber que nenhuma memória é eterna e que tudo um dia se perde sem o zelo da reflexão. (Pensei em Sócrates:”Uma vida não refletida não vale a pena ser vivida!” Mas temi citar um pagão perto do Anjo.)

 Outros homens, muito cedo ainda, sem matéria suficiente e antes da hora, se entregam ao passado, se contentam com suas parcas e limitadas vidas, sendo atropelados pelo futuro que chega com suas mudanças avassaladoras. Sábios são aqueles que vivem o bastante para conhecer a natureza humana e sabe a hora certa de parar em um canto, construir um palácio de reminiscências e nele, no castelo da reflexão e na alegria de tudo reviver ao recordar, provar do delicioso vinho da sabedoria! Tentei olhar para a face do Anjo mas seu esplendor começou a me cegar. Acordei com o sol, por uma fresta no telhado, a brilhar no meu rosto O mesmo sol que germina o trigo e aquece nossas vidas.

 Decidi naquele dia mesmo largar minha vida dissoluta de croupier em cassinos clandestinos e me dediquei desde então à vida de escritor memorialista! Estou juntando meu trigo!

Cassiano Ribeiro Santos.


TRADUÇÃO:


THE GREEN FIELDS OF MY HOME!

It was a winter's night that the angel took me by the shoulders and led me over the blue clouds, to a long and desolate plain that seemed endless.  From the top you could see was a huge amount of scattered men, monotonous mowing the stalks of vegetation - wheat, it seemed - to dominate the entire visible extent. Beams formed bigger and always ran wild in search of more stalks to harvest. A leisurely golden ray of sun on the horizon indicated an evening night which would soon devour him.

Some men, most of them, began to lose the harvested stems, in his eagerness to collect others. I saw some already busted, taking care to build them a shelter to protect them from cold harsh blowing from the dark side, the cold night approaching. They were all building their shelters when the night suddenly collapsed. Some began to build early, offering little grass and shivering with cold in their thin cocoons, others, reaping more than they could carry, started building very late and were collected by cold air before they are ready shelters, and many still, losing more than they could on the way together, driven by hunger and despair, had not found enough material to build. Few were those who joined and learned enough time to build the shelter of their souls.

The Angel of the Lord then explained to me that vision. The cutted down branches were the experience we collect in life. She will serve as padding of wisdom to take shelter from the elements of old age, and provide warmth we find in the memory of the magic moments that we live. Many of us, anxious to live more and more, leave our living experience forgotten in memory, without thinking, without knowing that no memory is eternal and that one day everything is lost without the zeal of reflection. I thought of Socrates: "A not reflected life is not worth living!" But I was afraid to quote a pagan near the Angel. Other men, too early, without sufficient grounds, and soon, indulge in the past, content with their meager and limited lives, being run over by the future that comes with its overwhelming changes. Wise are those who live long enough to know human nature and knows the right time to stop at a corner, building a palace with reminiscences and in it, on reflections castle and the joy of remember everything, taste the delicious wine of wisdom ! I tried to look into the face of the Angel but its splendor began to blind me. I woke with the sun, through a crack in the roof, shining in my face the same sun that germinate the wheat and warms our lives. I decided that very day to drop my dissolute life of croupier in illegal casinos and since then I have dedicated myself to the memoir writing life!
 I'm putting together my wheat!

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