A religião deveria ser reservada
exclusivamente aos idosos. Há algo de solene no ancião que se despede deste
mundo com esperanças de viver ainda em outros planos de existência mesmo não
sabendo como nem onde se daria esse suplemento de vida; somente um homem que
viveu sem a consciência torturada pode desejá-la perpétua. Em compensação, os
jovens deveriam ser educados no mais radical ateísmo. Para viver esta vida com
o máximo de integridade possível, não se pode desviar os olhos, um momento
sequer, para seres e coisas que transcendam a natureza. Há algo de imoral em um
velho ateu assim como, no jovem religioso, há um ultraje à beleza.
Certos pensadores assemelham-se aos
morcegos; não pelo lendário vampirismo que, entretanto, aplica-se como uma
justa metáfora a certas relações humanas, mas sim de um ponto de vista
aerodinâmico: sendo animais de elevado peso, os morcegos não conseguem voar a
partir do solo (é uma cena patética ver um morcego debatendo-se no chão,
escalando em muros e árvores de onde possam cair e, em seguida, planar). Alguns
pensadores também não conseguem pensar a partir de um começo e precisam ser
arrebatados por uma ideia elevada mesmo que seu objetivo seja voar rasteiro; em
outros termos, o pensamento começa com um esforço desesperado por uma ideia
altaneira, em seguida uma queda suave e logo, inserido em elegantes fluxos, o
pensamento corta a noite dos homens que fogem assustados de seus perigosos
beijos!....
A História nos ensina o quanto a
navegação e a agricultura, pilares da civilização, devem à astronomia e
costumamos imaginar, nas noites da Antiguidade, uma casta de homens astutos e
práticos observando as estrelas e delas extraindo uma ciência positiva.
Esquecemos assim que havia primeiro o hábito ocioso e poético de contemplar
fascinado o espetáculo das noites estreladas; miríades de noites contemplativas
esquecidas pela História como sonhos que se evolam aos primeiros raios do sol
da ciência!
Em qualquer época de nossas vidas,
poderemos considerar o passado, qualquer que sejam os fatos em questão, com um
sentimento de orgulho e admiração por tudo o que fizemos ou deixamos de fazer;
para isso basta-nos não fixar muito o olhar em si mesmo e atentar bastante para
as circunstancias em que estávamos envolvidos. Em se tratando de episódios
lamentáveis ou vergonhosos, veremos que nossos erros de conduta creditam-se as
coerções do mundo a nos constringir ou nos mover contra vontade, pois o mundo,
enquanto fatalidade, enquanto um concurso de causas conspirantes, é quase
sempre adverso e hostil aos propósitos da vida. Em outros casos, quando agimos
com heroísmo, ousadia e criatividade, o enfoque deve ser diferente e o mundo
não deve ser considerado. Devemos então voltar para nós mesmos como causa
primeira, como um oceano de liberdade por onde fluem tais atitudes - por
menores que sejam - admiráveis.
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