Era de manhã. No céu, os dedos róseos da aurora
ainda ansiavam por algum passarinho preguiçoso e o povo rude da roça já
descarregava na praça da Feira os seus caçuás abarrotados de chuchu, galinhas
caipiras amarradas pelas pernas, aipim, ao lado de centenas de quinquilharias
inumeráveis. Meu primo Rogaciano, vulgo Rongó, fiscal da prefeitura, circulava
pela praça contabilizando o implacável imposto que fazia as pobres vendedoras
expelir um suspiro fatalista no ar doce da manhã! Foi assim, de repente, ao abordar
uma senhora curvada sobre uma peneira de beiju, que Rongó viu a Morte. Olhou na
cara e sentiu que era ela! Antes mesmo de um pensamento qualquer, suas pernas
já lhe conduzia pelo ermo das ruas de pedra, sentindo que não tinha mais para
onde ir. Que sua hora havia chegado. Quem sou eu para descrever a cara da morte
que ele viu e perder os meus parcos leitores... Mas que a bicha era feia....
Era! Subiu Rongó esbaforido a ladeira da igreja e foi acordar o padre Juracy,
encontrando-o ainda a recordar seus sonhos noturnos, displicente sobre uma
tigela de branca coalhada! Caiu de joelhos. Explicou ao Padre a visão que teve
e suplicou o caro da Igreja para ir urgente em Itapetinga, à 40 kilometros
dali, para se despedir da sua mãe querida e pagar uma conta na venda do
Dermeval, pois, apesar de viver devendo Deus e o mundo, Rongó morreria ao
imaginar que pudesse morrer devendo alguém. O padre emprestou-lhe o carro.
Terminou resoluto o seu café e partiu em direção à Feira para um encontro com a
Morte. Era o quinto que ela lhe levava nesse mês, e ainda era dia 23. Não iria
permitir que seu rebanho fosse assim arrebatado sem uma explicação. Foi um
alvoroço quando entrou pelo azáfama da feira com sua estola dorada e batina
esvoaçante como um super-herói de capa e espada. Uma espinhela caída e duas
ínguas foram imediatamente curadas só pela sua milagrosa passagem. Teve até um
cachaceiro que, na porta da venda, vendo passar o pároco, jogou na goela o
resto do pinga, espatifou o copo no muro do mercado e exclamou bem alto:
_"De hoje pra trás, eu não bebo mais nada!" Sem que eu possa lhe
explicar, o Padre Juracy foi direto à barraca onde a Morte peneirava um
polvilho mais branco que cueiro de menino rico, ela mesmo degustando os beijus
que fazia. Indo direto ao assunto, sem contudo ter coragem de a encarar, o
padre perguntou-lhe: _"Como você teve coragem? Meu melhor obreiro! Tão
novo! Pelo menos deveria ter levado ele dormindo, sem esse susto de ver sua
cara maldita! Você encarou o pobre que deve estar até agora tremendo com a
visão dantesca de sua fuçura insaciável!" Juracy estava irado; ou fingia
estar para manter o controle. Sem parar de mastigar seus beijus, que escorriam
pela esteira de palha já tingida de sangue e pus lilás, A Morte exclamou, meio
admirada! _ NÃO ENCAREI NÃO, SENHOR! OLHEI PRA ELE MAS FOI DE SURPRESA! O QUE
ELE ESTAVA FAZENDO POR AQUI SE TENHO UM ENCONTRO MARCADO COM ELE AINDA HOJE LÁ
EM ITAPETINGA?
Nas campinas do sonhar, me encontrei
passeando pelas ruas de minha cidade natal. Olhava distraído o céu nebuloso,
admirando as formas das nuvens que, sonhando, são iguais ao que vemos acordado
(como se não comungassem essa nossa divisão entre sono e vigília). Vi uma nuvem
se afastar bem rapidamente e logo percebi que era um avião de passageiros, tão
veloz que arrastava consigo flocos de nuvens a dissimular sua irregular
geometria. Logo o avião começou a diminuir a velocidade e a perder altitude.
Senti que ele ia cair. Uma grande tensão invadiu minhas vísceras (é do estômago
que partem os estímulos do sonhar). Já bem perto de mim, vi ele descer atrás de
uma colina e subir um imenso clarão. Corri para minha casa, temendo que os fios
elétricos ruíssem em curto-circuitos mortais. Na rua da minha casa, encontro
duas primas minhas, à sombra de uma mangueira, esperando-me aflitas. Arrasto-as
comigo para dentro de casa, em busca de um lugar seguro. Uma delas segura no
meu braço e suplica: _Você agora pode nos perdoar?Agora que podemos morrer?
Perdoe-nos! _Perdoar de quê? _ Do nó cego que demos na sua calça na sua festa
de seu aniversário!!! Parei para pensar. Não me lembrava disso. _ Quando foi
isso? - Perguntei. Na esquina o transformador elétrico em chamas ameaçava
explodir _ Quando voce tinha quatro anos! _ Pombas! Caramba! E vou lá me
lembrar de quando tinha quatro anos? Entra logo que um avião caiu e vai
explodir tudo! Foi o tempo de entrar e as labaredas varrer a minha rua
descalça!
Acordei.
Hoje sonhei que estava na sala
de espera da minha dentista. Para implantar uma prótese no maxilar, ela iria
serrar meu pescoço, colocar a prótese e depois costurá-lo. Podem imaginar o
temor que me assaltava. Enquanto isso, na TV, passava uma reportagem sobre uma
antiga namorada minha que havia se tornado uma famosa atriz em Hollywood. As
pessoas na sala de espera me reconheceram quando a jornalista falou do primeiro
amor da diva! As mulheres me fitavam curiosas, os homens, com admiração. Um
deles se aproximou, apertou a minha mão e me disse: Parabéns,cara! Você comeu
um mulheraço! Mesmo assim, a angústia do pescoço decepado não passava! Aí está,
freudianos de plantão. Jogo-lhes um osso a vossa sanha. Trinche-o nos dentes e
suguem o tutano simbólico do meu sonho! Essa é fácil!
Essa tarde sonhei que criava eu
dois passarinhos dentro de uma geladeira. A todo instante eu ia lá, abria,
apanhava um iogurte, uma fruta, os passarinhos voavam felizes dentro da
geladeira iluminada. Uma hora, um deles escapou voando e eu saí atras dele
tentando capturá-lo. Quando percebi que não iria conseguir, pensei: vou lá
soltar o outro para que eles continuem juntos, agora em liberdade. Ao voltar
para dentro de casa, encontrei uma senhora negra, de uns 50 anos de idade,
gorda, com um rádio de comunicação em uma mão e uma pistola prateada na outra.
Ela me olhou e me disse: Sou capaz de lhe matar se você soltar o outro
passarinho! O resto do sonho foi eu tentando, sem sucesso, enganá-la, dando
voltas pela casa! Aguardo as interpretações (mais não pago, e, de antemão,
aviso: Não concordarei).
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